ZERO HORA 26 de novembro de 2015 | N° 18367
Participaram desta cobertura Carlos Rollsing, Guilherme Mazui, Humberto Trezzi, José Luís Costa, Marcelo Gonzatto e Mauricio Tonetto
ESCÂNDALO DA PETROBRAS
SENADOR E BANQUEIRO teriam arquitetado fuga para Cerveró em troca de seu silêncio e procurado atrapalhar investigaçãoNo teatro, o ator carioca Bernardo Cerveró, de 34 anos, encantou crianças com a peça O Principezinho do Deserto. Na vida real, o filho do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró iludiu um dos principais líderes governistas e um dos maiores banqueiros brasileiros, ampliando, daqui para a frente, a crise em Brasília. As prisões do senador Delcídio Amaral (PT-MS) e de André Esteves, dono do BTG Pactual, têm impacto no mundo político, na cúpula do Judiciário e na esfera econômica.
As prisões foram realizadas ontem com autorização do Supremo Tribunal Federal (STF) depois de o Ministério Público Federal (MPF) apresentar evidências de que o parlamentar estaria tentando atrapalhar as investigações da Operação Lava-Jato. Esteves seria o esteio financeiro de uma operação montada por Delcídio para calar Cerveró.
Ao negociar delação premiada com a força-tarefa da Lava-Jato, o ex-dirigente da Petrobras passou a acusar pessoas supostamente envolvidas em irregularidades na estatal. Nas primeiras conversas, Cerveró declarou que as negociações da diretoria Internacional passavam por Delcídio. O senador, segundo o relato, teria obtido vantagens em contratos da empresa e na compra da refinaria de Pasadena, nos EUA. Esteves foi mencionado quando Cerveró afirmou que o banqueiro teria dado dinheiro ao senador Fernando Collor (PTB-AL) em operação de embandeiramento de 120 postos de combustíveis em São Paulo.
Delcídio e Esteves, segundo o MPF, queriam evitar a delação de Cerveró ou garantir que não seriam incriminados. O senador procurou Bernardo Cerveró para negociar alternativas. O jovem ator entrou em contato com os procuradores da Lava-Jato assim que recebeu oferta para facilitar a fuga do pai, que está preso em Curitiba (PR) desde janeiro. Para demonstrar o compromisso de Cerveró com a delação, Bernardo tratou com os investigadores a gravação da conversa com Delcídio. Os procuradores que atuam em Curitiba procuraram a Procuradoria-Geral da República (PGR), em Brasília, que autorizou o registro da reunião.
Bernardo, então, marcou encontro com Delcídio, na companhia do advogado de Cerveró, Edson Ribeiro. Esteves não participou, mas os interlocutores mencionaram que estaria a par das negociações. O banqueiro teria interesse em barrar a delação também por ser acionista da Sete Brasil.
Esteves daria R$ 4 milhões a Cerveró para não delatar esquemas de corrupção na Sete Brasil. Já Delcídio repassaria R$ 50 mil mensais à família de Cerveró. A gravação também mostra Delcídio e Ribeiro tratando de uma rota de fuga ao ex-dirigente. O destino final seria a Espanha, uma vez que o investigado tem cidadania espanhola. A escapada ocorreria assim que o Supremo Tribunal Federal (STF) concedesse habeas corpus ao ex-diretor, que já foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro. O hábeas estava sendo tentado por Ribeiro.
DETENÇÃO AUMENTA PRESSÃO NO PLANALTO
Diante das provas, na noite de terça-feira, o ministro Teori Zavascki autoriziu a prisão do senador, que foi detido no hotel Golden Tulip, onde mora em Brasília. Na manhã de ontem, os cinco ministros da 2ª Turma confirmaram, por unanimidade, a decisão de Teori.
A prisão de Delcídio aumenta a pressão sobre o Palácio do Planalto, uma vez que o petista era o líder do governo no Senado. O depoimento de Cerveró também impacta no Executivo porque na minuta da delação há anotações do ex-dirigente à mão dizendo que a presidente Dilma Rousseff “sabia de tudo de Pasadena” e que inclusive estaria cobrando o então diretor pelo negócio. O acordo de Cerveró foi firmado com a PGR e submetido a Teori, que ainda não decidiu sobre a homologação.
O fato também veio à tona nas gravações de Bernardo. No diálogo, Delcídio fala da minuta da delação, e o filho de Cerveró confirma que as anotações são de seu pai – mais um ato da peça montada pelo principezinho do deserto.
Senador é primeiro a ser preso no país
Em um fato inédito na história da política brasileira, um senador foi preso. Delcídio Amaral (PT-MS) foi ministro de Minas e Energia no governo Itamar Franco, em 1994, chegou a assinar ficha de filiação no PSDB e teve ligações com o PFL. Em 2002, com apoio do então governador do Mato Grosso do Sul, Zeca do PT, elegeu-se ao Senado. Zeca também foi responsável por apresentar o pecuarista José Carlos Bumlai, detido na terça-feira pela Lava-Jato, ao ex-presidente Lula no mesmo ano.
Delcídio nasceu em 1955 em Corumbá (MS) e é formado em engenharia elétrica. Aos 28 anos, liderou a construção da usina hidrelétrica de Tucuruí, no Pará, e depois trabalhou como diretor da Shell na Holanda. A trajetória bem-sucedida o levou à Eletrosul e ao conselho de administração da Vale. No currículo, consta ainda uma passagem pela diretoria de Gás e Energia da Petrobras na crise do apagão, ocorrida entre julho de 2001 e fevereiro de 2002, no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). A conquista da cadeira no Senado aumentou o poder de Delcídio na estatal a ponto de bancar a nomeação de Nestor Cerveró para a diretoria internacional da Petrobras.
Em 2005, Delcídio ganhou projeção ao presidir a CPI dos Correios, cujas investigações levaram à descoberta do esquema criminoso de compra de parlamentares em troca de apoio político conhecido como mensalão. Mesmo estando no PT, conduziu a CPI até o fim e foi fortemente criticado pelos seus correligionários, que o acusavam de ser um “tucano” infiltrado.
Delcídio foi investigado na Lava-Jato com base em uma delação: ele teria recebido valores supostamente ilícitos da empresa francesa Alstom, quando era diretor de Gás e Energia da Petrobras. Essa apuração foi arquivada.
Banqueiro é um dos mais influentes
O banqueiro André Esteves, do banco BTG Pactual, é considerado uma das personalidades mais influentes do mercado financeiro. Ele comanda a oitava maior instituição financeira do país e o maior banco de investimentos independente da América Latina, com R$ 214,8 bilhões em ativos administrados, o que o levou a estampar as capas da principais revistas de economia do país. Hoje, tanto o banco quanto o executivo estão envolvidos em dois dos maiores projetos empresariais em andamento no Brasil: a Sete Brasil e a fusão da Oi com a TIM.
Esteves foi o mais jovem bilionário brasileiro, aos 37 anos. Atualmente, aos 47 e pai de três filhos, acumula patrimônio de US$ 2,1 bilhões. O empresário começou a carreira no Banco Pactual, em 1989, quando tinha 21 anos e ainda estava na faculdade. Mais do que um banqueiro associado ao PT ou ao governo, Esteves tem boas relações com políticos e pessoas influentes de diferentes partidos e forças políticas. Persio Arida, um dos criadores do Plano Real e identificado com o PSDB, é conselheiro do BTG Pactual e assumirá a presidência do banco.
Em fevereiro deste ano, Esteves foi acusado pelo doleiro Alberto Youssef em delação premiada de pagamento de propina de R$ 6 milhões na venda de postos de combustíveis de uma distribuidora comprada pelo BTG Pactual para a BR Distribuidora.
Esteves é também acionista da Sete Brasil, empresa investigada pela Operação Lava-Jato e criada para fornecer equipamentos à Petrobras, entre os quais sondas para exploração de petróleo. É o BTG que negocia com a estatal os impactos da redução do número de sondas a ser entregues, que passou de 28 para 18, e cujo contrato ainda não foi assinado.
Celular extra para gravar
Bernardo Cerveró usou um celular para registrar a conversa com o senador Delcídio Amaral. O encontro ocorreu no dia 4, em um quarto do hotel Royal Tulip, em Brasília. O acordo de delação de Nestor Cerveró foi feito depois, no dia 18. Sabendo da prática do grupo de deixar os telefones em um armário para evitar monitoramentos, Bernardo levou um celular extra ao encontro. Enquanto um aparelho ficou trancado, o outro foi ligado para gravar a conversa. Na reunião, Diogo Ferreira, chefe de gabinete do senador, desconfiou de Bernardo. Chegou a levantar-se e analisar um chaveiro-gravador preso à mochila do ator. O filho de Cerveró não tinha conseguido acionar o aparelho, mas, mesmo assim, Ferreira ligou a TV para evitar registros.
Participaram desta cobertura Carlos Rollsing, Guilherme Mazui, Humberto Trezzi, José Luís Costa, Marcelo Gonzatto e Mauricio Tonetto
ESCÂNDALO DA PETROBRAS
SENADOR E BANQUEIRO teriam arquitetado fuga para Cerveró em troca de seu silêncio e procurado atrapalhar investigaçãoNo teatro, o ator carioca Bernardo Cerveró, de 34 anos, encantou crianças com a peça O Principezinho do Deserto. Na vida real, o filho do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró iludiu um dos principais líderes governistas e um dos maiores banqueiros brasileiros, ampliando, daqui para a frente, a crise em Brasília. As prisões do senador Delcídio Amaral (PT-MS) e de André Esteves, dono do BTG Pactual, têm impacto no mundo político, na cúpula do Judiciário e na esfera econômica.
As prisões foram realizadas ontem com autorização do Supremo Tribunal Federal (STF) depois de o Ministério Público Federal (MPF) apresentar evidências de que o parlamentar estaria tentando atrapalhar as investigações da Operação Lava-Jato. Esteves seria o esteio financeiro de uma operação montada por Delcídio para calar Cerveró.
Ao negociar delação premiada com a força-tarefa da Lava-Jato, o ex-dirigente da Petrobras passou a acusar pessoas supostamente envolvidas em irregularidades na estatal. Nas primeiras conversas, Cerveró declarou que as negociações da diretoria Internacional passavam por Delcídio. O senador, segundo o relato, teria obtido vantagens em contratos da empresa e na compra da refinaria de Pasadena, nos EUA. Esteves foi mencionado quando Cerveró afirmou que o banqueiro teria dado dinheiro ao senador Fernando Collor (PTB-AL) em operação de embandeiramento de 120 postos de combustíveis em São Paulo.
Delcídio e Esteves, segundo o MPF, queriam evitar a delação de Cerveró ou garantir que não seriam incriminados. O senador procurou Bernardo Cerveró para negociar alternativas. O jovem ator entrou em contato com os procuradores da Lava-Jato assim que recebeu oferta para facilitar a fuga do pai, que está preso em Curitiba (PR) desde janeiro. Para demonstrar o compromisso de Cerveró com a delação, Bernardo tratou com os investigadores a gravação da conversa com Delcídio. Os procuradores que atuam em Curitiba procuraram a Procuradoria-Geral da República (PGR), em Brasília, que autorizou o registro da reunião.
Bernardo, então, marcou encontro com Delcídio, na companhia do advogado de Cerveró, Edson Ribeiro. Esteves não participou, mas os interlocutores mencionaram que estaria a par das negociações. O banqueiro teria interesse em barrar a delação também por ser acionista da Sete Brasil.
Esteves daria R$ 4 milhões a Cerveró para não delatar esquemas de corrupção na Sete Brasil. Já Delcídio repassaria R$ 50 mil mensais à família de Cerveró. A gravação também mostra Delcídio e Ribeiro tratando de uma rota de fuga ao ex-dirigente. O destino final seria a Espanha, uma vez que o investigado tem cidadania espanhola. A escapada ocorreria assim que o Supremo Tribunal Federal (STF) concedesse habeas corpus ao ex-diretor, que já foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro. O hábeas estava sendo tentado por Ribeiro.
DETENÇÃO AUMENTA PRESSÃO NO PLANALTO
Diante das provas, na noite de terça-feira, o ministro Teori Zavascki autoriziu a prisão do senador, que foi detido no hotel Golden Tulip, onde mora em Brasília. Na manhã de ontem, os cinco ministros da 2ª Turma confirmaram, por unanimidade, a decisão de Teori.
A prisão de Delcídio aumenta a pressão sobre o Palácio do Planalto, uma vez que o petista era o líder do governo no Senado. O depoimento de Cerveró também impacta no Executivo porque na minuta da delação há anotações do ex-dirigente à mão dizendo que a presidente Dilma Rousseff “sabia de tudo de Pasadena” e que inclusive estaria cobrando o então diretor pelo negócio. O acordo de Cerveró foi firmado com a PGR e submetido a Teori, que ainda não decidiu sobre a homologação.
O fato também veio à tona nas gravações de Bernardo. No diálogo, Delcídio fala da minuta da delação, e o filho de Cerveró confirma que as anotações são de seu pai – mais um ato da peça montada pelo principezinho do deserto.
Senador é primeiro a ser preso no país
Em um fato inédito na história da política brasileira, um senador foi preso. Delcídio Amaral (PT-MS) foi ministro de Minas e Energia no governo Itamar Franco, em 1994, chegou a assinar ficha de filiação no PSDB e teve ligações com o PFL. Em 2002, com apoio do então governador do Mato Grosso do Sul, Zeca do PT, elegeu-se ao Senado. Zeca também foi responsável por apresentar o pecuarista José Carlos Bumlai, detido na terça-feira pela Lava-Jato, ao ex-presidente Lula no mesmo ano.
Delcídio nasceu em 1955 em Corumbá (MS) e é formado em engenharia elétrica. Aos 28 anos, liderou a construção da usina hidrelétrica de Tucuruí, no Pará, e depois trabalhou como diretor da Shell na Holanda. A trajetória bem-sucedida o levou à Eletrosul e ao conselho de administração da Vale. No currículo, consta ainda uma passagem pela diretoria de Gás e Energia da Petrobras na crise do apagão, ocorrida entre julho de 2001 e fevereiro de 2002, no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). A conquista da cadeira no Senado aumentou o poder de Delcídio na estatal a ponto de bancar a nomeação de Nestor Cerveró para a diretoria internacional da Petrobras.
Em 2005, Delcídio ganhou projeção ao presidir a CPI dos Correios, cujas investigações levaram à descoberta do esquema criminoso de compra de parlamentares em troca de apoio político conhecido como mensalão. Mesmo estando no PT, conduziu a CPI até o fim e foi fortemente criticado pelos seus correligionários, que o acusavam de ser um “tucano” infiltrado.
Delcídio foi investigado na Lava-Jato com base em uma delação: ele teria recebido valores supostamente ilícitos da empresa francesa Alstom, quando era diretor de Gás e Energia da Petrobras. Essa apuração foi arquivada.
CONTRAPONTO |
O que diz o advogado Maurício Silva Leite Afirma que tem convicção de que a decisão será revista pois a Constituição “não autoriza a prisão processual de um congressista”: – Questiona-se o fato de que as imputações tenham partido de um delator já condenado, que há muito tempo vem tentando obter favores legais com o oferecimento de informações. Questiona-se também a imposição de prisão a um senador da República que sequer possui acusação formal contra si. |
Banqueiro é um dos mais influentes
O banqueiro André Esteves, do banco BTG Pactual, é considerado uma das personalidades mais influentes do mercado financeiro. Ele comanda a oitava maior instituição financeira do país e o maior banco de investimentos independente da América Latina, com R$ 214,8 bilhões em ativos administrados, o que o levou a estampar as capas da principais revistas de economia do país. Hoje, tanto o banco quanto o executivo estão envolvidos em dois dos maiores projetos empresariais em andamento no Brasil: a Sete Brasil e a fusão da Oi com a TIM.
Esteves foi o mais jovem bilionário brasileiro, aos 37 anos. Atualmente, aos 47 e pai de três filhos, acumula patrimônio de US$ 2,1 bilhões. O empresário começou a carreira no Banco Pactual, em 1989, quando tinha 21 anos e ainda estava na faculdade. Mais do que um banqueiro associado ao PT ou ao governo, Esteves tem boas relações com políticos e pessoas influentes de diferentes partidos e forças políticas. Persio Arida, um dos criadores do Plano Real e identificado com o PSDB, é conselheiro do BTG Pactual e assumirá a presidência do banco.
Em fevereiro deste ano, Esteves foi acusado pelo doleiro Alberto Youssef em delação premiada de pagamento de propina de R$ 6 milhões na venda de postos de combustíveis de uma distribuidora comprada pelo BTG Pactual para a BR Distribuidora.
Esteves é também acionista da Sete Brasil, empresa investigada pela Operação Lava-Jato e criada para fornecer equipamentos à Petrobras, entre os quais sondas para exploração de petróleo. É o BTG que negocia com a estatal os impactos da redução do número de sondas a ser entregues, que passou de 28 para 18, e cujo contrato ainda não foi assinado.
CONTRAPONTO |
O que diz o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro (Kakay) Afirma que ainda não sabe em que contexto seu cliente foi citado. – Pretendemos ter acesso à inteireza dos áudios para saber por que foi citado e por quem foi citado – disse em entrevista. Por meio de nota, o banco BTG Pactual informou que está à disposição das autoridades para prestar todos os esclarecimentos necessários e que vai colaborar com as investigações. |
Celular extra para gravar
Bernardo Cerveró usou um celular para registrar a conversa com o senador Delcídio Amaral. O encontro ocorreu no dia 4, em um quarto do hotel Royal Tulip, em Brasília. O acordo de delação de Nestor Cerveró foi feito depois, no dia 18. Sabendo da prática do grupo de deixar os telefones em um armário para evitar monitoramentos, Bernardo levou um celular extra ao encontro. Enquanto um aparelho ficou trancado, o outro foi ligado para gravar a conversa. Na reunião, Diogo Ferreira, chefe de gabinete do senador, desconfiou de Bernardo. Chegou a levantar-se e analisar um chaveiro-gravador preso à mochila do ator. O filho de Cerveró não tinha conseguido acionar o aparelho, mas, mesmo assim, Ferreira ligou a TV para evitar registros.
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