VOTO ZERO significa não votar em fichas-sujas; omissos; corruptos; corruptores; farristas com dinheiro público; demagogos; dissimulados; ímprobos; gazeteiros; submissos às lideranças; vendedores de votos; corporativistas; nepotistas; benevolentes com as ilicitudes; condescendentes com a bandidagem; promotores da insegurança jurídica e coniventes com o descalabro da justiça criminal, que desvalorizam os policiais, aceitam a morosidade da justiça, criam leis permissivas; enfraquecem as leis e a justiça, traem seus eleitores; não representam o povo e se lixam para a população.

terça-feira, 31 de março de 2015

MANIFESTO DO PT SOBRE A CRISE

G1 SP 30/03/2015 19h20

PT divulga manifesto com dez propostas para enfrentar crise política. Documento sugere, entre outros pontos, apoio à taxação de grandes fortunas. No texto, PT alega que querem fazer da sigla 'bode expiatório' da corrupção.

Roney Domingos Do G1 São Paulo



Lula participou da reunião da executiva do PT com dirigentes regionais, em São Paulo (Foto: Nelson Almeida / AFP)

Em meio à crise gerada pelas denúncias da Operação Lava Jato, dirigentes regionais do Partido dos Trabalhadores (PT) lançaram nesta segunda-feira (30), em São Paulo, um manifesto com dez propostas para enfrentar a turbulência política.

O documento – elaborado com a participação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – propõe, entre outros pontos, orientar a bancada do partido no Congresso Nacional a votar o projeto que regulamenta o imposto sobre grandes fortunas.

A Constituição de 1988 previu a instituição de um imposto sobre grandes fortunas no Brasil. Até hoje, no entanto, a medida depende da aprovação de um projeto de lei complementar que determine como será feita essa taxação. O imposto sobre grandes fortunas é o único dos sete tributos previstos na Constituição que ainda não foi implementado.

Entre os projetos que tramitam no Congresso Nacional para regulamentar o imposto sobre grandes fortunas está o do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Apresentado em 1989 – quando ainda era senador –, a proposta chegou a ser aprovada no Senado no mesmo ano, mas ficou travada na Câmara e, desde 2000, aguarda para ser votada em plenário.

Pelo projeto do ex-presidente, pessoas com patrimônio superior a R$ 6,8 milhões seriam taxadas com uma alíquota que varia entre 0,3% e 1%, dependendo do valor da fortuna.

Outra proposta, apresentada em 2008 pelos deputados do PSOL Luciana Genro (RS), Chico Alencar (RJ) e Ivan Valente (SP), também não chegou a ser votada em plenário. O projeto prevê uma taxação entre 1% e 5% para pessoas com patrimônio superior a R$ 2 milhões.

'Bode expiatório'

Com três paginas, o manifesto divulgado nesta segunda pelo PT também afirma que o partido está sob forte ataque. Para enfrentar a oposição ao governo Dilma Rousseff, os petistas sugerem a articulação de uma ampla frente de siglas de esquerda, incluindo centrais sindicais e movimentos sociais.

Segundo o documento, a oposição quer fazer do PT "bode expiatório da corrupção nacional e de dificuldades passageiras da economia". Na avaliação dos dirigentes petista, a crise atual no país é consequência de "um contexto adverso de crise mundial prolongada".

O texto reitera queixas contra críticas direcionadas ao PT e recomenda à legenda mudanças internas, como valorização da consistência política e ideológica tanto por parte dos dirigentes quanto dos militantes de base.

PT dos anos 80

Diante das mobilizações da oposição, os dirigentes do PT recomendaram que o partido saia da "defensiva" e retome a "iniciativa política". Para tanto, destaca o manifesto, é preciso que a legenda assuma responsabilidades e corrija rumos, promovendo um "reencontro" com o PT dos anos 80.

"Para sair da defensiva e retomar a iniciativa política, devemos assumir responsabilidades e corrigir rumos. Com transparência e coragem. Com a retomada de valores de nossas origens, entre as quais a ideia fundadora da construção de uma nova sociedade", diz trecho do documento.

"Ao nosso 5º Congresso, já em andamento, caberá promover um reencontro com o PT dos anos 80, quando nos constituímos num partido com vocação democrática e transformação da sociedade – e não num partido do “melhorismo”. Quando lutávamos por formas de democracia participativa no Brasil, cuja ausência, entre nós também, é causa direta de alguns desvios que abalaram a confiança no PT", acrescenta o texto petista.

Outra recomendação dos dirgentes para a retomada dos valores que marcaram os primeiros anos do PT é o afastamento do "pragmatismo pernicioso", o reforço dos valores da ética na política, e "não dar trégua ao cretinismo parlamentar".

Vaccari

O ex-governador do Rio Grande do Sul Tarso Genro (PT) defendeu nesta segunda-feira o afastamento do petista João Vaccari Neto do comando da Secretaria de Finanças do Partido dos Trabalhadores. Vaccari é um dos réus da Operação Lava Jato, acusado de intermediar, com fornecedores da Petrobras, o pagamento de propina para o partido. Ele responde processo na Justiça Federal por corrupção e lavagem de dinheiro.

Tarso participou na tarde desta segunda da reunião da executiva nacional do PT, em São Paulo. Em entrevista a jornalistas, o ex-governador afirmou que, independentemente da vontade de Vaccari, a direção petista deve analisar as provas que já foram apresentadas pelo Ministério Público Federal (MPF) envolvendo o tesoureiro e, se considerar que a denúncia está "fundamentada", tem de afastá-lo de forma preventiva do cargo.

"Acho que se Vaccari não tomar a decisão [de pedir o afastamento do cargo de tesoureiro do PT], minha opinião é que o partido deve examinar as provas da denúncia que existe e, se a denúncia for fundamentada, tem que fazer o afastamento preventivo. [...] Se ele foi denunciado, e a denúncia foi aceita, o partido deve pedir que ele se afaste. E se ele não se afastar, afastá-lo preventivamente", opinou.

Leia a íntegra do manifesto divulgado pelo PT:

Manifesto dos DRs

Nunca como antes, porém, a ofensiva de agora é uma campanha de cerco e aniquilamento. Como já propuseram no passado, é preciso acabar com a nossa raça. Para isso, vale tudo. Inclusive, criminalizar o PT — quem sabe até toda a esquerda e os movimentos sociais.

Condenam-nos não por nossos erros, que certamente ocorrem numa organização que reúne milhares de filiados. Perseguemnos pelas nossas virtudes. Não suportam que o PT, em tão pouco tempo, tenha retirado da miséria extrema 36 milhões de brasileiros e brasileiras. Que nossos governos tenham possibilitado o ingresso de milhares de negros e pobres nas universidades.

Não toleram que, pela quarta vez consecutiva, nosso projeto de País tenha sido vitorioso nas urnas. Primeiro com um operário, rompendo um preconceito ideológico secular; em seguida, com uma mulher, que jogou sua vida contra a ditadura para devolver a democracia ao Brasil.

Maus perdedores no jogo democrático, tentam agora reverter, sem eleições, o resultado eleitoral. Em função dos escândalos da Petrobrás, denunciados e investigados sob nosso governo -– algo que não ocorria em governos anteriores –, querem fazer do PT bode expiatório da corrupção nacional e de dificuldades passageiras da economia, em um contexto adverso de crise mundial prolongada.

Como já reiteramos em outras ocasiões, somos a favor de investigar os fatos com o maior rigor e de punir corruptos e corruptores, nos marcos do Estado Democrático de Direito. E, caso qualquer filiado do PT seja condenado em virtude de eventuais falcatruas, será excluído de nossas fileiras.

O PT precisa identificar melhor e enfrentar a maré conservadora em marcha. Combater, com argumentos e mobilização, a direita e a extrema-direita minoritárias que buscam converter-se em maioria todas as vezes que as 2 mudanças aparecem no horizonte. Para isso, para sair da defensiva e retomar a iniciativa política, devemos assumir responsabilidades e corrigir rumos. Com transparência e coragem. Com a retomada de valores de nossas origens, entre as quais a ideia fundadora da construção de uma nova sociedade.

Ao nosso 5º Congresso, já em andamento, caberá promover um reencontro com o PT dos anos 80, quando nos constituímos num partido com vocação democrática e transformação da sociedade – e não num partido do “melhorismo”. Quando lutávamos por formas de democracia participativa no Brasil, cuja ausência, entre nós também, é causa direta de alguns desvios que abalaram a confiança no PT.

Nosso 5º Congresso, cuja primeira etapa será aberta, a fim de recolher contribuições, críticas e novas energias de fora, deverá sacudir o PT. A fim de que retome sua radicalidade política, seu caráter plural e não- dogmático. Para que desmanche a teia burocrática que imobiliza direções em todos os níveis e nos acomoda ao status quo.

O PT não pode encerrar-se em si mesmo, numa rigidez conservadora que dificulta o acolhimento de novos filiados, ou de novos apoiadores que não necessariamente aderem às atuais formas de organização partidária.

Queremos um partido que pratique a política no quotidiano, presente na vida do povo, de suas agruras e vicissitudes, e não somente que sai a campo a cada dois anos, quando se realizam as eleições.

Um PT sintonizado com nosso histórico Manifesto de Fundação, para quem a política deve ser “ atividade própria das massas, que desejam participar, legal e legitimamente, de todas as decisões da sociedade”.

Por isso, “o PT deve atuar não apenas no momento das eleições, mas, principalmente, no dia-a-dia de todos os trabalhadores, pois só assim será possível construir uma 3 nova forma de democracia, cujas raízes estejam nas organizações de base da sociedade e cujas decisões sejam tomadas pelas maiorias”.

Tal retomada partidária há de ser conduzida pela política e não pela via administrativa. Ela impõe mudanças organizativas, formativas, de atitudes e culturais, necessárias para reatar com movimentos sociais, juventude, intelectuais, organizações da sociedade – todos inicialmente representados em nossas instâncias e hoje alheios, indiferentes ou, até, hostis em virtude de alguns erros políticos cometidos nesta trajetória de quase 35 anos.

Dar mais organicidade ao PT, maior consistência política e ideológica às direções e militantes de base, afastar um pragmatismo pernicioso, reforçar os valores da ética na política, não dar trégua ao “cretinismo” parlamentar – tudo isso é condição para atingir nossos objetivos intermediários e estratégicos.

Em concordância com este manifesto, nós, presidentes de Diretórios Regionais de 27 Estados, propomos:

1. Desencadear um amplo processo de debates, agitação e mobilização em defesa do PT e de nossas bandeiras históricas;

2. Defesa do nosso legado político-administrativo e do governo Dilma;

3. Participar e ajudar a articular uma ampla frente de partidos e setores partidários progressistas, centrais sindicais, movimentos sociais da cidade e do campo, unificados em torno de uma plataforma de mudanças, que tenha no cerne a ampliação dos direitos dos trabalhadores, da reforma política, da democratização da mídia e da reforma tributária;

4. Apoiar o aprofundamento da reforma agrária e do apoio à agricultura familiar;

5. Orientar nossa Bancada a votar o imposto sobre grandes fortunas e o projeto de direito de resposta do senador Roberto Requião, ambos em tramitação na Câmara dos Deputados;

6. Apoiar iniciativas para intensificar investimentos nas grandes e médias cidades, a fim de melhorar as condições de saneamento, habitação e mobilidade urbana;

7. Buscar novas fontes de financiamento para dar continuidade e fortalecimento ao Sistema Único de Saúde;

8. Apoiar uma reforma educacional que corresponda aos objetivos de transformar o Brasil numa verdadeira Pátria Educadora;

9. Levar o combate à corrupção a todos os partidos, a todos os Estados e Municípios da Federação, bem como aos setores privados da economia;

10. Lutar pela integração política, econômica e cultural dos povos da América, por um mundo multipolar e pela paz mundial. O momento não é de pessimismo; é de reavivar as esperanças. A hora não é de recuo; é de avançar com coragem e determinação. O ódio de classe não nos impedirá de continuar amando o Brasil e de continuar mudando junto com nosso povo. Esta é a nossa tarefa, a nossa missão. É só querer e, amanhã, assim será!

São Paulo, 30 de março de 2015

A DEFESA DO AJUSTE



ZERO HORA 31 de março de 2015 | N° 18118


EDITORIAL


A racionalização das contas públicas depende da adesão crítica do Congresso, desde que o ministro da Fazenda exponha com clareza suas intenções.


O Congresso não poderá adiar, em nome de discordâncias políticas muitas vezes dissimuladas, sua participação no debate em torno do programa de ajuste fiscal do governo. É consenso no setor produtivo e entre analistas econômicos que não há outra saída para o país. Nesta terça-feira, o parlamento terá mais uma chance de explicitar sua contribuição, antes mesmo da votação das medidas pelo Congresso, quando da explanação que o ministro Joaquim Levy fará no Senado. Essa será também uma boa oportunidade para que se revisem algumas interpretações apressadas sobre recente manifestação do titular da Fazenda, explorada politicamente com o objetivo de fragilizar as posições do guardião do ajuste.

Há evidente exagero nos que viram na afirmação do ministro uma crítica explícita ao comportamento da presidente da República, por este ter declarado que muitas vezes a senhora Dilma Rousseff não consegue efetividade em suas atitudes, apesar de agir de forma genuína. O ministro já se desculpou, e a própria presidente afirmou ontem que, ao contrário de se considerar atingida, tem o sentimento de que foi elogiada. O que os políticos devem fazer, a partir de agora, é dedicar-se ao debate consequente do ajuste, em vez de ficar tentando desqualificar as falas do ministro.

Se o Congresso não se transformar em aliado do plano de austeridade fiscal, a sociedade saberá, mais adiante, cobrar pela omissão ou pelo boicote a um esforço que deve ser de todos. Não se pretende que os parlamentares venham a aderir sem críticas ao conjunto de medidas que procuram racionalizar receitas e despesas. É natural que o parlamento, para cumprir plenamente sua função de legislar, questione as iniciativas do Executivo, proponha alternativas e, se for o caso, inclusive rejeite questões pontuais. Mas não pode se opor a uma necessidade inquestionável, representada pelos cortes de gastos em algumas áreas, para que a insegurança fiscal não continue imobilizando o setor produtivo.

Para que esse apoio se concretize, o ministro da Fazenda precisa apresentar, com total transparência, cada ponto do plano de recuperação das contas públicas e, por consequência, da economia. Ressalte-se que o próprio ministro já anunciou que o atual ajuste pode ser a primeira etapa de mudanças mais profundas na gestão das finanças da União, no sistema tributário e nas relações do governo federal com os demais entes federativos. Os políticos não podem simplesmente boicotar essas intenções, sem ao menos participar seriamente da sua discussão.

TUMULTO NO DEBATE DA REFORMA



ZERO HORA 31 de março de 2015 | N° 18118

CADU CALDAS JULIANA BUBLITZ

POLÍTICA NOVO RUMO ÀS CAMPANHAS. COM A PRESENÇA DE EDUARDO CUNHA, evento para debater mudanças na legislação eleitoral foi marcado por críticas ao presidente da Câmara. Em razão das vaias, organização buscou outro espaço para realizar atividades



O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), foi recebido com beijo gay, apitaço e xingamentos na sede da Assembleia Legislativa, em Porto Alegre, na manhã de ontem, onde esteve para participar do Fórum de Debates sobre reforma política. A manifestação foi tão ruidosa que, além de causar constrangimento às autoridades, acabou esvaziando e atrasando em mais de uma hora o início do evento, promovido pelo parlamento.

Desde cedo, integrantes de movimentos em defesa dos direitos LGBT, como o grupo Nuances, da Capital, aguardavam a chegada do desafeto com faixas nada amistosas – a maioria atribuindo ao deputado evangélico adjetivos como “machista”, “homofóbico” e “corrupto”. O ato também teve o apoio de grupos como o Juntos! e a Assembleia Nacional de Estudantes Livres (Anel), ligados, respectivamente, ao PSOL e ao PSTU.

– Além de representar o que há de mais conservador no Brasil, Cunha não tem a menor condição de debater reforma política – disse Matheus Gomes, 23 anos, militante do PSTU, ligado à Anel e ao Bloco de Luta pelo Transporte Público.

Ao chegar à Capital, por volta das 9h15min (com atraso de 45 minutos), Cunha foi direto ao Palácio Piratini, onde permaneceu por quatro minutos com o governador José Ivo Sartori, o ministro da Aviação Civil, Eliseu Padilha, e o vice-presidente da República, Michel Temer, colegas de partido. Os quatro participariam da abertura do evento e, para evitar as vaias, decidiram atravessar a rua de carro até o Legislativo.

Enquanto isso, os manifestantes entraram no Teatro Dante Barone, onde ocorreria o fórum. Foram obrigados a deixar faixas e bandeiras do lado de fora, mas conseguiram passar pelos seguranças com apitos e cartazes. Pouco antes das 10h, quando as autoridades começaram a ser anunciadas, os insatisfeitos deram início à ação, bradando “fora Cunha”.

Do palco, o deputado observou o ato passivamente, sem sinais de nervosismo. Ao redor dele, o clima era de constrangimento. Até Sartori, que costuma fazer brincadeiras, fechou o cenho. O coro aumentou durante a execução do Hino Nacional, que teve o volume ampliado na tentativa de abafar as vozes divergentes. “Eu beijo homem, eu beijo mulher! Tenho o direito de beijar quem eu quiser”, repetiam os manifestantes.

Por quase 20 minutos, eles gritaram tão alto que o presidente da Assembleia, Edson Brum (PMDB), teve de berrar ao microfone, pedindo “compreensão”. Como não foi atendido, declarou suspensa a sessão e foi até o grupo negociar. Não adiantou. A saída encontrada foi transferir o evento para o plenário, sem alarde, sem truculência e sem a presença de nenhum manifestante.

Às 10h30min, a cerimônia teve prosseguimento, com algumas cadeiras vazias e com Cunha na tribuna, falando a um público restrito. Conhecido pelas posições conservadoras, criticou os manifestantes pela “intolerância”.


POR QUE O PRESIDENTE DA CÂMARA É ALVO
-Desde que Eduardo Cunha assumiu a presidência da Câmara, pautas conservadoras ganharam espaço.
-Entre os temas, está o Estatuto da Família, projeto controverso que define família como aquela composta apenas por homem e mulher e que veda a adoção por casais homossexuais.
-O deputado também é autor do projeto que cria o dia do “orgulho hetero”.
-Cunha é radicalmente contra o aborto e avisou que dificultará qualquer mudança na legislação.
-Pretende acelerar votação de projeto que reduz a maioridade penal. A Comissão de Constituição e Justiça pretende votar hoje a proposta sobre o tema.
-É investigado na Operação Lava-Jato, por suspeita de envolvimento nos desvios da Petrobras.

segunda-feira, 30 de março de 2015

FINANCIAMENTO DEMOCRÁTICO



ZERO HORA 30 de março de 2015 | N° 18117


CLÁUDIO BRITO*



Vou direto ao tema, sem rodeios. Sou favorável ao financiamento público das campanhas eleitorais. Sem chance às empresas, sem torná-las donas daqueles que ajudaram a eleger, ou sem que sejam elas as reféns dos eleitos. É mesmo bem assim, confundem-se os corruptores e os corrompidos. Não se sabe mais se os empresários financiam para corromper ou se, na verdade, são vítimas de extorsão. O certo é que há muita sujeira emporcalhando as relações entre o Estado e as empresas que se envolvem com o custeio milionário de comícios, folhetos, faixas, cartazes, viagens, gravação de programas de rádio e televisão, além de outras rubricas não declaradas. Diga-se que as prestações de contas não revelam o propósito de quem faz alguma doação. A ideia é sempre cobrar depois. Valores doados são um empréstimo, cujo ressarcimento virá pelas vitórias em licitações fraudulentas.

Por isso, defendo o financiamento democrático, que derrube as desigualdades que o poder do dinheiro causa entre os candidatos. As campanhas eleitorais são caras demais, abusivamente dispendiosas. Que venham regras de limitação de gastos. Exigência inafastável será a de respeito máximo aos princípios republicanos e democráticos, o que implica proteger a igualdade.

Que venha logo a legislação adequada à depuração, mesmo antes de o Supremo Tribunal Federal chegar a decidir a ação promovida pela OAB para impedir o financiamento das campanhas pelas empresas. O julgamento está parado, aguardando o voto do ministro Gilmar Mendes, que pediu vista há um ano e ainda não anunciou quando irá votar. Seis já votaram para acabar com o financiamento pelas empresas, um para manter o quadro atual. Como os ministros podem mudar seus votos na retomada, a maioria estabelecida precisa ser confirmada antes da proclamação do resultado.

Antes que seja vencido o impasse no Tribunal, o Congresso pode e deve agir, legislando.

*Jornalista

REFORMA POLÍTICA NÃO SE FAZ NO SUPREMO



ZERO HORA 30 de março de 2015 | N° 18117


SEBASTIÃO VENTURA PEREIRA DA PAIXÃO JR.*



Para defender o financiamento público eleitoral, muitos dos seus simpatizantes têm alegado: “Empresa não vota; portanto, não pode financiar campanhas eleitorais”. O raciocínio, no limiar da superfície, parece perfeito; a questão, todavia, envolve lógicas mais profundas. Sim, empresa não vota, mas paga tributos, cria empregos, produz inovações, gera oportunidades de trabalho e induz o progresso econômico, humano e social da nação. Por assim ser, é natural que o setor empresarial tenha e lute por legítimos interesses políticos, exercendo a justa prerrogativa de participar dos destinos democráticos do país.

Oportuno lembrar que, quando da ditadura militar, a Lei 5.682/71 proibia o financiamento privado eleitoral (art. 91). Para manter o poder fechado, era preciso asfixiar a livre participação política, evitando-se que o empresariado nacional patrocinasse o surgir de novas lideranças públicas. Com a redemocratização, o paradigma legislativo foi alterado pela Lei 9.096/95, adotando-se o padrão da liberdade contributiva. Adicionalmente, como forma de garantir a lisura dos pleitos, foi estabelecido o fidedigno dever de prestação de contas à Justiça Eleitoral.

Apesar da clareza normativa, algumas contas partidárias acabaram inundadas por dinheiro ilícito, colocando em xeque a verdade das urnas. Nesse contexto nebuloso, o que temos que combater é a fraude nas contas eleitorais, e não o democrático direito das empresas de colaborarem com candidaturas políticas. Aliás, não existe dispositivo constitucional proibindo as empresas de contribuírem eleitoralmente. Tanto é verdade que, por mais de 20 anos, há eleições com contribuições empresariais sem qualquer tipo de questionamento quanto à validade dos pleitos pretéritos.

Sabidamente, por iniciativa da Ordem dos Advogados do Brasil, a questão foi judicializada e levada ao conhecimento do egrégio Supremo Tribunal Federal. O caminho, no entanto, soa impróprio. Isso porque estamos diante de uma questão fundamentalmente política, a ser tratada e debatida, prioritariamente, no Congresso Nacional. A função político-normativa da Suprema Corte não lhe permite ditar regras da alçada exclusiva do Poder Legislativo. Sem cortinas, a ânsia pela boa reforma política não pode gerar deformações constitucionais. Ou será que, no Brasil de hoje, se pode tudo e mais um pouco?

*Advogado

PREFEITURA SOME COM 60 MILHÕES E REVOLTA POPULAÇÃO

G1 FANTASTICO Edição do dia 01/02/2015


Prefeitura de Mangaratiba some com R$ 60 milhões e revolta população. Ministério Público encontrou esquemas de fraudes, propinas e desvios de dinheiro na gestão do prefeito Evandro Capixaba.






O repórter secreto do Fantástico vai investigar por que uma cidade de menos de 40 mil habitantes precisa comprar 1,8 milhão de sacos de lixo. Essa cidade é Mangaratiba, no estado do Rio, onde o prefeito está sendo investigado por fraudes que podem chegar a R$ 60 milhões.

Eh, vidão à beira-mar, passeio de lancha, banho de sol na varanda da mansão. Que maravilha é a natureza.

“E o esgoto em uma situação dessa", reclama uma moradora.

“Isso aqui é tudo sujeira, muita sujeira. A gente passa mal”, conta uma senhora.

“Pede o prefeito para vir aqui. Será que ele bebe essa água?”, indaga um homem.

A população de Mangaratiba, no estado do Rio de Janeiro, está revoltada. “A gente vê a saúde precária, a gente vê educação com problemas, o transporte nosso e a água estão precários”, conta um morador.

“Eles aprovam obras, obras aprovadas, mas não feitas. A gente quer que a obra seja concretizada”, diz uma mulher.

Tanta coisa faltando porque, em cerca de 20 meses, R$ 60 milhões foram surrupiados da prefeitura, segundo estimativa do Ministério Público.

É por isso que o repórter secreto do Fantástico está em Mangaratiba, e todo brasileiro decente quer saber: Cadê o dinheiro que tava aqui?

Quando o repórter secreto chega à cidade, encontra protestos. Tem cartaz perguntando ao prefeito Evandro Bertino Jorge, do PSD, conhecido como "Capixaba": cadê os R$ 60 milhões que sumiram da cidade.

E tem adesivo, feito pelos próprios manifestantes, perguntando: cadê o dinheiro que tava aqui? Muita indignação. E muito constrangimento de fazer papel de palhaço no mau sentido.“Eu nunca fiz isso na minha vida, mas eu fui obrigada. Eu não quero morar em um lugar sujo”, conta a professora Marilúcia Gomes.

E a bronca é a seguinte: pela quantidade de sacos de lixo que a prefeitura supostamente comprou, Mangaratiba deveria ser o lugar mais limpo do mundo: 1,8 milhão sacos de lixo. Como na verdade a cidade precisa de 17 mil sacos por mês, essa suposta compra daria para 105 meses. Quase nove anos. Resolveria um problemão para os futuros prefeitos.

Só que não. “Não existiam sacos de lixo”, diz o homem que foi secretário de serviços públicos da prefeitura na gestão que teria feito a tal compra, em 2012. Ele diz que, depois de descobrir que era tudo fraude, foi falar com o prefeito Evandro Capixaba.

“Mostrei a fraude para ele, falei que não existia entrega de sacola, que não poderia ficar assinando notas de recebimento de sacola que não existia. Aí eu passei a ser um funcionário que não servia para ocupar a secretaria”, conta o ex-secretário de serviços públicos Marco Antônio da Silva Santos.

Depois, o então secretário decidiu contar tudo ao Ministério Público. “A partir daí a gente começou a diligenciar, identificar empresas, os seus sócios e como essa fraude ocorreu. Parte do pagamento ficava com os sócios, e o maior montante entregue na mão de representantes de gestores daquele município”, explica o promotor de Justiça do Rio de Janeiro Alexandre Veras.

O repórter Eduardo Faustini foi atrás da empresa responsável pela venda fraudulenta. Achou uma das sócias do negócio.

Fantástico: Como é que você se tornou sócia dessa empresa?
Mulher: Na verdade, eu fui chamada para ser secretária da empresa. Me pediram para emprestar o nome. Como eu era empregada da empresa, não vi problema. Quando eu comecei a me inteirar do assunto da empresa, vi do que se tratava, pedi que retirassem o meu nome.

Para o Ministério Público, ela não foi usada, a sócia é, sim, parte do esquema. As investigações do Ministério Público levaram a operações de busca e apreensão como uma feita com o apoio da Polícia Federal.

“Nós apreendemos aproximadamente 100 processos licitatórios e a partir daí a gente teve a chance de encontrar ali uma gama de informações que indicam a fraude realizada por esse grupo”, conta o promotor Alexandre Veras.

A quadrilha fraudava várias licitações. Em uma das frentes da falcatrua, um filho e um sobrinho do prefeito, mais o então procurador-geral do município e dois secretários eram sócios de empresas vencedoras das licitações.

“Qualquer porta que se bata, qualquer notificação que se faça, passa, inevitavelmente, por um familiar ou por uma pessoa próxima do prefeito”, diz o promotor Alexandre Veras.

Segundo as investigações, eles conseguiam dar uma aparência de legalidade à negociata forjando editais de licitação em um jornal do Rio, o Jornal "O Povo". A lei exige que o chamado edital de licitação seja publicado em um jornal. O edital é um aviso: os interessados ficam sabendo que a administração pública quer comprar produtos ou contratar serviços. A publicação no jornal é um documento obrigatório, processo da licitação, que é enviado aos órgãos de fiscalização de uso de dinheiro público.

Foi aí que a quadrilha achou que estava dando o pulo do gato. O jornal que estava na banca não era o mesmo que era arquivado no processo.

Ou seja, vamos dizer que um jornal fosse um exemplar do jornal da semana passada. Não tem nenhum aviso de edital de licitação da prefeitura de Mangaratiba. Aí a quadrilha mandava fazer uma página nova, trocava um edital de verdade por um edital de mentirinha, para fingir que a licitação tinha sido comunicada ao público. Assim, ficava tudo certo. A página falsa funcionava como uma prova de que os devidos procedimentos tinham sido seguidos.

Por exemplo: a página da edição do dia 21 de junho de 2012 do jornal "O Povo", não tem edital da prefeitura. Mas a mesma edição do mesmo jornal do mesmo dia do mesmo ano, tem.

Agora preste atenção nessa conversa. Foi gravada na sede do Jornal "O Povo" por uma pessoa que denunciou a fraude. É uma testemunha do Ministério Público, e finge que representa o prefeito de Mangaratiba para dar o mesmo golpe. Ele conversa com funcionários do jornal.

Homem: Como é que funciona essa p... do jornal?
Jornal: E com a data que ele quer, isso aí. Ainda mais que é Tribunal de Conta.

O ex-funcionário da gestão do prefeito Evandro Capixaba confirma a denúncia. “Fazia uma publicação com data anterior e montar dentro do jornal para constar na prefeitura. Para apresentar para o Tribunal de Contas, para a promotoria, para quem solicitasse”, conta o ex-subsecretário de Serviços Públicos Iata Anderson.

“O que nós temos naquele município é uma quadrilha trabalhando a fim de se locupletar do dinheiro público. Nós encontramos laranjas, falsidades de documentos públicos, privados, fraudes em licitação, publicações fraudadas em jornal, pagamento de propina, desvio de dinheiro, não-entrega de produtos contratados pelo município. Inúmeras fraudes”, afirma o promotor Alexandre Veras.

Isso, em uma cidade que atrai tanta gente bem de vida para desfrutar das belezas naturais. Infelizmente, também existe outra Mangaratiba.

Fantástico: Qual é essa Mangaratiba?
Promotor: É a Mangaratiba pobre, abandonada, sem calçamento, sem saneamento básico. Sem água.

O problema da água atinge a cidade há cerca de um ano, portanto uma situação que antecede a estiagem na região Sudeste. “O esgoto do vizinho, vem de lá e cai na minha porta”, reclama uma moradora.

“Bebo dessa água. Água potável é conectada com água de esgoto. Nós não somos porcos, nós somos gente”, afirma Marilúcia Gomes.

“Essa é a água que nos oferecem, e o governo que tá aí nada faz. Isso aqui é uma pouca vergonha. Olha aí”, conta outro morador.

Até a mulher que o Ministério Público aponta como parte do esquema admite que roubar dinheiro público é maltratar o cidadão. “O dinheiro que eu tiro de uma prefeitura e eu banco uma viagem para Miami, eu estou matando um cidadão”, confessa.

Em nota, a direção do Jornal "O Povo" nega que tenha prestado serviços e recebido dinheiro da prefeitura de Mangaratiba. A nota afirma que o jornal está contribuindo com o Ministério Público para a apuração real dos fatos.

Também em nota, o prefeito Evandro Bertino Jorge, o Evandro Capixaba, repudia as denúncias de que houve falsificação de página de jornal e diz que o dinheiro público é aplicado com responsabilidade em Mangaratiba.

Já o Ministério Público pede na Justiça que o prefeito Capixaba, bem como secretários e ex-secretários e servidores municipais, respondam por improbidade administrativa.

“Cadê o dinheiro que a gente precisa melhorar o nosso município e nada é feito, cadê o dinheiro daqui?”, pergunta um morador.

domingo, 29 de março de 2015

CHEGOU A HORA DE REDUZIR AS DESPESAS



ZERO HORA 29 de março de 2015 | N° 18116


POLÍTICA NOVO RUMO ÀS CAMPANHAS



A campanha eleitoral de 2014 não ficou marcada apenas pela mais acirrada disputa presidencial desde o fim da ditadura militar, mas também por ter sido a mais cara da história da democracia brasileira. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o custo chegou a quase R$ 5 bilhões.

Com esse dinheiro, seria possível construir 45 hospitais como o da Restinga, em Porto Alegre, com capacidade para atender 13 mil pacientes ao mês. O valor estratosférico – que aumenta a cada eleição – reforça a pressão social pela redução drástica dos recursos aplicados para conquistar os votos.

Um dos problemas por trás do excesso está na legislação eleitoral, que determina, a cada pleito, a aprovação de uma lei estabelecendo o teto de gastos para os cargos em disputa. Quando isso não ocorre, cada candidato deve definir o seu próprio limite. Acontece que a maioria define valores altíssimos.

HORÁRIO ELEITORAL EM DISCUSSÃO

Para mudar essa realidade, cientistas políticos identificam pelo menos três saídas: fixar um parâmetro financeiro realista, alterar o sistema eleitoral (para forçar a redução do número de concorrentes) e mexer no horário eleitoral gratuito, uma das principais fontes de despesas. Nenhuma das opções é unânime.

A discussão em torno da utilidade do horário eleitoral é, talvez, a mais controversa. Na prática, o espaço não tem nada de gratuito. Para assegurar tempo na grade das emissoras de rádio e de TV, o governo federal abre mão de impostos. Só em 2014, deixou de arrecadar R$ 840 milhões. Fora isso, o desembolso das candidaturas para a produção de programas, muitos deles superproduções, é cada vez maior.

Mesmo assim, pesquisadores como Bruno Reis, professor da Universidade Federal de Minas Gerais, consideram radical demais a hipótese de extinção.

– O horário eleitoral é caro, mas tem virtudes na visibilidade das campanhas. Minha inclinação é mexer, primeiramente, na forma como entram os recursos na campanha e aguardar – afirma Reis.

Mas há quem pense diferente. Para o secretário-geral da ONG Contas Abertas, o economista Gil Castello Branco, a propaganda partidária deveria acabar e o horário eleitoral durar apenas 15 dias antes das eleições.

– Da forma como é realizado hoje, não acrescenta nada à democracia – diz Castello Branco.

O presidente do TSE, ministro Dias Toffoli, se enquadra no time dos críticos. Em debate na Câmara, em 10 de março, questionou a extensão dos programas:

– Para que propaganda por seis semanas? A população assiste à primeira e à última. Não faz sentido.

A DIFERENÇA ENTRE CHEGAR AO DESTINO OU CAIR ANTES?



ZERO HORA 29 de março de 2015 | N° 18116


INFORME ESPECIAL | Tulio Milman



Pela primeira vez em muito tempo, o governo gaúcho está fazendo aquilo que tem que fazer: assumir seu real tamanho, para depois pensar em se fortalecer. Teremos problemas, eu sei. Já temos.

O que não dava mais é para viver na ilusão. Custa caro. E iria custar mais ainda no futuro. Melhor sofrer agora. Depois, seria pior.

José Ivo Sartori tem se revelado uma espécie de Fernando Miranda, de Romildo Bolzan Júnior. Só que no Piratini. Esses processos de adaptação são arriscados. O Inter de Miranda quase caiu. Para depois ganhar tudo. O Grêmio de Bolzan enfrenta seca de títulos. Mas só com uma gestão responsável voltará a ganhar.

O governo Sartori está recém começando. Há muito por vir. Não sou afeito a previsões, mas tenho uma ponta de esperança. Desconfio que Sartori olha para o futuro. Tomara que esse futuro não seja apenas o de quatro anos, mas o da próxima geração. José Ivo Sartori tem a chance de entrar para a História. Precisará deixar o projeto da reeleição em segundo plano. Todos os governadores que fizeram o primeiro mandato pensando demais no segundo foram varridos do Piratini. Se Sartori quebrar essa lógica, talvez quebre também o tabu. Governar pensando no Estado e não nas urnas. Sei que é difícil. Mas é só assim que vai funcionar.

Adoro a história do CEO que procurava um assistente para trabalhar com ele. Uma pilha de mais de cem currículos jazia sobre a sua mesa. Ele olhou pra secretária e deu a ordem: “Me alcança os 10 primeiros. A funcionária ponderou: “Mas pode ter gente muito boa mais embaixo”. Veio a explicação: “Pra trabalhar comigo, primeiro precisa ter sorte”.

Parece que José Ivo Sartori tem. Ela se chama boa safra, dólar alto, crise em Brasília e oposição enfraquecida. A boa safra e o dólar alto significam dinheiro, crise em Brasília desvia os holofotes, oposição enfraquecida dá fôlego.

Sartori tem outra vantagem sobre Dilma. Por enquanto, ele tem um copiloto confiável – José Paulo Cairoli. E isso, no meio da viagem, pode fazer toda a diferença.

PARA PREVENIR A CORRUPÇÃO



ZERO HORA 29 de março de 2015 | N° 18116

EDITORIAL

O atual modelo de custeio se presta a diversas distorções, especialmente pela inexistência de fiscalização adequada.

Por entender que o financiamento eleitoral é o principal mecanismo facilitador da corrupção na administração pública no país, como acaba de ficar mais uma vez comprovado nas investigações da Operação Lava-Jato, o Grupo RBS defende uma redução radical dos gastos com as campanhas e mudanças na legislação que previnam e evitem a promíscua troca de favores entre os doadores de recursos e os eleitos.

O atual modelo de custeio se presta a diversas distorções, especialmente pela inexistência de fiscalização adequada. Neste editorial, sugerimos que as seguintes medidas sejam consideradas pelos legisladores no debate da reforma política:

1) Campanhas menos onerosas – É um contrassenso em relação à situação econômica do país e uma ofensa aos contribuintes que candidatos e partidos continuem gastando tanto para se promover durante as disputas eleitorais, muitas vezes iludindo o eleitor com propaganda distorcida e enganosa.

2) Proibição de contribuições por parte de empresas – Como afirmam os delatores da investigação sobre a corrupção na Petrobras, doações de empresas a candidatos e partidos não são contribuições, mas investimentos e empréstimos a serem cobrados posteriormente, ou mesmo pagamento de serviços já prestados. Traduzindo: propina, oficial ou por caixa 2.

3) Financiamento privado apenas por pessoas físicas – Doações com limites financeiros preestabelecidos e fiscalizados rigorosamente pela Justiça Eleitoral, com cada doador, identificado pelo CPF, podendo contemplar apenas um candidato por cargo eletivo.

4) Financiamento público exclusivamente pelo fundo partidário
– Não há sentido em ampliar a destinação de recursos públicos para partidos e candidatos, que já recebem o Fundo de Assistência Financeira aos Partidos Políticos, constituído por dotações orçamentárias da União e outras verbas. Essa contribuição também deve ter valores previamente definidos.

5) Extinção do horário político obrigatório – O chamado horário de TV e rádio deixou de ser um espaço público para se tornar o centro de alianças espúrias, com trocas e vendas de apoio entre partidos na busca de mais exposição. Além de produções milionárias que encarecem dramaticamente as campanhas, o horário eleitoral só se tornou obrigatório para as camadas de menos renda e que não têm acesso a TV a cabo e outras formas de entretenimento. A internet e a multiplicação de canais de acesso aos eleitores justificam uma reavaliação dessa programação que só aborrece ouvintes e telespectadores.




COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - De nada adiantam todas estas medidas propostas para prevenir a corrupção se não houver punição para educar que a corrupção não compensa, a ninguém, nem mesmo a partidos e altos cargos do governo. Assim, o Brasil precisar construir sistema de justiça capaze de atuar integrado, ágil, coativo, livre das ingerências e influências partidárias, comprometido com a finalidade pública e observando de forma obrigatória e permanente a supremacia do interesse público. Permanecendo as blindagens, os privilégios, as imunidades, o descontrole, a inoperância fiscal e judicial, o compadrio, o jogo de empurra, a fuga de obrigações e o aparelhamento partidário das instituições sempre haverão brechas para a impunidade.


O RECADO DAS RUAS


ZERO HORA 29 de março de 2015 | N° 18116


DANIEL R. RANDON*



Passados 15 dias de uma mobilização histórica nas ruas das principais cidades brasileiras, poucas ações concretas foram tomadas, deixando nos cidadãos o sentimento de que continua “tudo como dantes no quartel de Abrantes”.

Apesar dos evidentes sinais de que o governo levou um susto, ele preferiu desqualificar a mensagem pública caracterizando-a como um movimento da elite, restrito aos que perderam nas urnas. Não é necessária nenhuma análise mais profunda para perceber que a iniciativa superou quaisquer expectativas e contou com pessoas que saíram de suas casas em um domingo por livre e espontânea vontade, sem nenhum ganho financeiro, sem representação político-partidária e unicamente movidas pela indignação.

A verdadeira massa humana que lotou as avenidas e praças se sente lesada pela incompetência na gestão macroeconômica, que segue um modelo ultrapassado e inviável de inchaço da máquina pública, integrada por personagens que, ao invés do critério da meritocracia para o ingresso nos quadros dos ministérios e estatais, foram indicados por favorecimento político, envolvidos em corrupção e legislando em causa própria.

O governo ensaiou alguns movimentos divulgando leis anticorrupção mais severas e até acenou com possíveis reformas políticas. O atual momento econômico de recessão, entretanto, reduz os instrumentos do governo para tomar medidas populares ou de expansionismo. A mudança para um modelo econômico ortodoxo após a eleição, ainda mais durante uma crise, até pode ser questionada, mas o poder de manobra fica restrito diante do baixo nível de confiança dos investidores no país. Não podemos ignorar o histórico de intervencionismo, do não cumprimento das metas de superávit, da alta da inflação e, acima de tudo, da dificuldade de apoio do Congresso para as necessárias e sempre adiadas reformas.

Oportunista pelo enfraquecimento do governo perante a população – 64,8% de avaliação negativa –, o Congresso tenta barganhar mais poder ao invés de trabalhar em parceria com o governo num “pacote” sério e comprometido de austeridade, como era de se esperar daqueles que fazem as leis. Ao contrário, o que vemos são representantes do Senado e da Câmara envolvidos com a Operação Lava-Jato, o que desvia o foco das verdadeiras prioridades que deveriam estar em pauta.

No final do dia, fica claro que governo e Congresso Nacional – que a tudo assistiram de seus gabinetes – até agora não acordaram para a realidade de que o Brasil clama por mudanças. Da mesma forma que as pessoas e as organizações ajustam o seu orçamento para enfrentar corajosamente a crise, o governo precisa realizar cortes nos gastos e reduzir as benevolências a seu favor e não simploriamente aumentar impostos e juros e cortar investimentos, o que acaba onerando o trabalhador, reduzindo o seu poder aquisitivo, inibindo o crescimento econômico e a competitividade do país, que não merece nada disto.

*VICE-PRESIDENTE DE ADMINISTRAÇÃO E FINANÇAS DA RANDON SA IMPLEMENTOS E PARTICIPAÇÕES E PRESIDENTE DA FRAS-LE


FINANCIAMENTO ELEITORAL SEM SOMBRAS

 ZERO HORA 29 de março de 2015 | N° 18116


JULIANA BUBLITZ


POLÍTICA. NOVO RUMO ÀS CAMPANHAS

CORRUPÇÃO E LAVAGEM DE DINHEIRO, práticas escancaradas pela investigação de desvio de recursos na Petrobras, evidenciam a necessidade de renovar as normas do sistema eleitoral


O escândalo de corrupção na Petrobras reacendeu uma antiga discussão, que já não pode mais ser adiada: a necessidade de mudanças no sistema de financiamento de campanhas no Brasil. Procuradores e policiais federais envolvidos na investigação não têm dúvidas de que empresas distribuíram propina na forma de contribuição eleitoral, em troca de favorecimento em licitações. Seriam as “doações-camaleão”, nas palavras do procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força- tarefa da Operação Lava-Jato.

Ou seja, a engrenagem desenhada para financiar a democracia no país dá margem a irregularidades (como a lavagem de dinheiro) e a distorções (como a influência de grandes corporações nas eleições).

Ao permitir depósitos privados sem fixar um teto nominal, o sistema estimula a competição desmedida por recursos. Candidatos acostumaram-se à lógica perversa do “se elege quem tem maior caixa”, e o resultado são campanhas com custos estratosféricos. Na avaliação do cientista político Wagner Mancuso, da Universidade de São Paulo (USP), o país vive um dilema. Se há consenso de que o atual modelo não serve mais, sobram dúvidas sobre qual seria a melhor opção.

– As pessoas querem coisas contraditórias: cortar o financiamento empresarial e, ao mesmo tempo, não colocar verba pública. É um diálogo de surdos. No fundo, não dá para mudar sem mexer no sistema eleitoral – diagnostica Mancuso.

Diferentes projetos e ideias estão em debate. Há quem defenda a adoção do financiamento exclusivamente público, quem admita a participação de pessoas físicas e quem assuma manter o formato atual, mas com a imposição de limites capazes de dissipar a interferência empresarial. Todos têm argumentos robustos, contra e a favor.

Um deles tem o endosso de mais de cem entidades, 600 mil assinaturas de apoio, é subscrito por dezenas de deputados e é iniciativa dos mesmos criadores da Lei da Ficha Limpa. Está no grupo dos adeptos do fim das doações de empresas.

– Na atual configuração, a relação do setor privado com o político não termina com a eleição. O tesoureiro não vai dizer para o empresário: “Olha, terminou o pleito, agora a gente não conversa mais”. É o contrário. E é por isso que defendemos mudanças – afirma Luciano Santos, cofundador e codiretor do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE).

O sociólogo Wagner Romão, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e o cientista político Bruno Speck, da USP, propõem algo parecido. Para eles, há duas saídas: estimular a participação dos cidadãos, permitindo o abatimento no Imposto de Renda, e criar um fundo complementar, em que o Estado cubra os valores doados. Em teoria, isso obrigaria as siglas a correr atrás dos eleitores não apenas na hora do voto. Forçaria uma reaproximação e, quem sabe, remediaria a crise de representação.

Mas não há qualquer garantia de que afastar as corporações extinguiria o caixa 2. E esse talvez seja o principal complicador da discussão, porque nenhum modelo está livre de desvios e de contradições.

– Não cabe ter ilusões de que poderemos chegar a um sistema 100% limpo e democrático. Política é luta. Não cabe esperar fair- play universal – sintetiza o cientista político Bruno Reis, da Universidade Federal de Minas Gerais.





ENTREVISTA

“A corrupção está vinculada às doações de campanha”


MARCIA RIBEIRO DIAS, Cientista política


Professora da Escola de Ciência Política da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), Marcia Ribeiro Dias é uma defensora convicta do financiamento público de campanha, aliado a doações limitadas de pessoas físicas. Confira os argumentos.

Por que o financiamento público é a melhor opção?

A corrupção é um problema sério no Brasil e está o tempo todo, de alguma maneira, vinculada às doações de campanha. O financiamento público exclusivo é o mais recomendado. Poderia até haver doação de pessoa física também, desde que fosse vinculada ao CPF, declarada no Imposto de Renda e que tivesse um teto. Com o fim das doações empresariais, as campanhas deixariam de ser faraônicas.


As campanhas ficariam mais simples?

Sim. Se você olhar outros países com financiamento público, a maioria tem campanhas muito mais modestas, e os partidos fazem um trabalho de formiguinha, com gente na rua para conquistar votos. É assim que se faz política e que se convence as pessoas. A contribuição seria enorme para a qualidade da nossa democracia.


E o caixa 2?

Continuaria existindo, como existe no mundo inteiro, mas em escala reduzida. Hoje, com o financiamento misto, existem várias maneiras de mascarar o recebimento de recursos não contabilizados. Já a mudança no sistema tornaria público quanto cada partido ganha do Estado. Isso evitaria os excessos.


Novos partidos não teriam mais dificuldades para se estabelecer?

Já temos partidos suficientes. Não estamos carecendo disso. Se isso acontecesse, eu até diria “que bom”.


O custo das eleições não sairia mais alto para o contribuinte?

Gastaríamos muito menos com o financiamento público do que se gasta com corrupção. Mas é claro que teríamos de botar um limite. O custo das campanhas teria de ser reduzido, e os partidos teriam de parar de valorizar o espetáculo para começar a valorizar o conteúdo.




ENTREVISTA


“É errado jogar todo o peso da corrupção nos doadores”

RODOLFO VIANA PEREIRA, Especialista em Direito Eleitoral



Coordenador Grupo de Estudos sobre Constituição e Política da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Rodolfo Viana Pereira é um defensor da doação de empresas, desde que com limites claros. Confira os argumentos.


Por que as doações de empresas devem ser mantidas?

O Brasil está vivendo uma fase em que parece que todo problema é do doador eleitoral, o que é uma mentira. É errado jogar todo o peso da corrupção nos doadores e apontar o financiamento público como solução. O que precisamos é de ajuste, não de revolução.


Qual seria a saída?

O financiamento misto, tal como existe hoje, mas com uma alteração importantíssima. Hoje, a empresa pode doar até 2% do faturamento bruto, o que parece isonômico, mas não é. Empresas ricas influenciam demais. Deveríamos limitar essa doação a um teto com valor nominal, por CNPJ. Por exemplo: cada empresa poderia doar no máximo R$ 300 mil.

Isso não perpetuaria a influência do poder econômico?

Não. Eleição tem custo, as empresas têm interesses e é legítimo que tenham. A questão é haver controle e transparência. Esse ajuste teria o mérito de pulverizar a influência dessas grandes corporações e acabaria gerando um fluxo menor de recursos nas campanhas. A limitação deveria valer, também, para pessoas físicas.


E o caixa 2?

Na eleição que resultou no im- peachment de Fernando Collor, ainda era proibida a doação de empresas, e a resposta ao escândalo foi justamente a liberação do financiamento por pessoas jurídicas. O que houve, na época, foi o uso de recursos não contabilizados, de caixa 2. O problema é que a gente perde a memória.


Mas as campanhas não ficariam mais simples e baratas?

Não é bem assim. O volume global do caixa 1 pode até diminuir, mas o caixa 2 sairia do controle e surgiriam outros problemas, como perda de autonomia dos partidos. Eles tenderiam a ser equiparados a entes públicos



ENTREVISTA

“Financiamento público não foi suficiente na Espanha”

ANA CLAUDIA SANTANO, Especialistas em Ciências Jurídicas e Políticas


Autora do livro O Financiamento da Política - Teoria Geral e Experiências no Direito Comparado, Ana Claudia Santano fez mestrado e doutorado na Universidade de Salamanca, na Espanha, onde estudou o sistema de financiamento eleitoral e partidário do país.

O que o Brasil pode aprender com os espanhóis?

Muito. Eles debateram se as doações privadas seriam ou não saudáveis para os partidos e as campanhas, e terminaram por restringi-las ao máximo, por acreditar que assim combateriam a corrupção. Na prática, não funcionou. O financiamento público não foi suficiente para substituir as doações de empresas.


O que aconteceu?

Afundados em dívidas, os partidos seguiram buscando doações privadas. Só que o sistema passou a ser tão restrito que invariavelmente surgiram irregularidades. Além disso, os partidos se sentiram confortáveis dentro do Estado e pararam de abrir espaço para a sociedade. Houve um distanciamento gradual. Hoje, o desgaste político é enorme na Espanha.

Algum país conseguiu chegar a um modelo equilibrado?

A Alemanha, mas os alemães realmente acreditam que a política é necessária e deve ser fomentada. Lá, se o partido consegue convencer o militante a pagar uma cota anual, ele ganha uma contrapartida do Estado e tem a chance de ampliar seus recursos. Isso promove mobilização e aproxima os partidos das pessoas, que realmente se envolvem. A democracia gira. É isso que a gente não está pensando aqui.

Mas acabou a corrupção no país?

Claro que não. É por isso que mudar o sistema de financiamento não é a solução para a corrupção. Precisamos ir além e não podemos cair no discurso moralizador que querem transmitir com a reforma política, como ocorreu na Espanha, porque isso pode piorar as coisas.




DEPOIS DA INTERNET, A POLÍTICA NUNCA SERÁ A MESMA


REVISTA ÉPOCA  29/03/2015 10h13

As manifestações de 15 de março mostram como as redes sociais ajudaram os cidadãos a ganhar maior protagonismo e influência na política

BRUNO FERRARI E THAIS LAZZERI COM ARIANE FREITAS, IGOR UTSUMI, LEOPOLDO MATEUS E LÍVIA CUNTO SALLES



MOBILIZAÇÃO
Manifestantes na Avenida Paulista, em São Paulo. O protesto reuniu cerca de 1 milhão de pessoas, segundo a PM (Foto: Bruno Fernandes / Fotoarena)
AGITADOR DIGITAL
O empresário Rogerio Chequer, do Vem pra Rua, em São Paulo. O movimento atraiu 367 mil seguidores no Facebook (Foto: Camila Fontana/ÉPOCA)

A mobilização do último dia 15 de março, que levou 2,3 milhões de brasileiros às ruas em protestos contra a corrupção e contra o governo Dilma Rousseff, começou com o toque de um celular. No início do ano, um dos quatro aparelhos usados pelo administrador de empresas Marcello Reis, de 40 anos, de São Paulo, registrou a chegada de uma mensagem via WhatsApp, o mais popular aplicativo de troca de mensagens gratuitas do Brasil. A mensagem convocava para manifestações contra a falta de água em São Paulo, o reajuste de 50 centavos na tarifa de ônibus da cidade e contra a corrupção. O mesmo torpedo irrompeu na tela do smartphone do empresário Rogerio Chequer, de 46 anos, sócio de uma agência de comunicação em São Paulo. A origem da mensagem é controversa. Segundo Reis, quem disparou a convocação para a mobilização foi o Movimento Passe Livre (MPL). Seria irônico, pois o MPL também foi protagonista das manifestações de junho de 2013 – mas o MPL, ouvido por ÉPOCA, negou a autoria do viral.


Sobre o que aconteceu a partir dali, não há dúvidas e vai virar história. Marcello Reis, um dos organizadores do Revoltados On Line, movimento que tem 739 mil seguidores no Facebook e agita a bandeira do impeachment da presidente Dilma Rousseff, gravou um vídeo com uma convocação para a mobilização no dia 15. Chequer, um dos coordenadores do Vem pra Rua – movimento anticorrupção criado na internet em novembro de 2014, que atraiu 367 mil seguidores com seus apelos “aos indignados com a nossa classe política” –, também aderiu. Usaram tablets, smartphones e computadores para espalhar a chamada às ruas. A mobilização cresceu em nível nacional, com o engajamento de cidadãos descontentes e outros pequenos movimentos de caráter local, como o Cariocas Direitos, liderado pelo engenheiro Denis de Abreu, de 37 anos, ex-líder estudantil e ex-integrante do PMDB. Em pouco tempo, ergueu-se uma onda gigantesca que ultrapassou as fronteiras da bolha virtual e encheu as ruas naquel domingo. “O desrespeito ao povo brasileiro é nosso maior fator de engajamento”, diz Chequer, do Vem pra Rua. “E que melhor ferramenta para alcançar mais gente do que a internet?”


Ele tem razão. Arregimentar milhões de pessoas num prazo tão curto era impossível nos tempos dos megafones e caminhões de som. Na era das redes sociais, no entanto, um mero clique de compartilhamento de uma mensagem ou de um vídeo pode ser um gatilho para reunir uma multidão em torno de uma causa. Basta que as mensagens tenham o conteúdo e o tom corretos para engajar emocionalmente seus destinatários e sejam distribuídas pelos canais adequados para alcançar o maior número de cidadãos. “As redes sociais têm o poder de construir uma tensão emocional entre pessoas espalhadas por vários bairros e cidades”, diz o italiano Paolo Gerbaudo, professor de cultura digital e sociedade do King’s College, de Londres, e autor do livro Tweets and the streets (Tuítes e as ruas, na tradução em português). “Elas podem criar um senso contagioso de antecipação ou de ímpeto.” Segundo Gerbaudo, isso se deve a uma característica das redes sociais. Elas permitem conversas abertas ao público, ao mesmo tempo que são canais para criar uma intimidade entre os mais diversos interlocutores.

Vive-se um segundo momento do uso das redes sociais na política. Acabou a era dos “manifestantes de sofá”, que se limitavam a criar grupos de protestos e a assinar petições on-line. Elas servem, agora, como ferramenta para levar gente para a rua. E, com isso, influenciam a agenda dos governantes. Depois das manifestações de 15 de março, a presidente Dilma Rousseff anunciou um pacote anticorrupção para mostrar que ouvira a voz das ruas. A combinação entre internet e as ruas é explosiva, mas ela não substitui as instituições próprias da democracia. Passeatas não mudam leis, não derrubam governos, não promovem mudanças radicais. Quem faz isso são os representantes eleitos pelo povo. A política nunca mais será a mesma porque, para esses representantes, não é mais possível ignorar a voz das ruas. No Brasil, o primeiro capítulo dessa nova tendência ocorreu em junho de 2013. O segundo foi agora, com a reunião de 2,3 milhões de pessoas em várias cidades brasileiras em 15 de março. É tanta a facilidade para convocar gente via redes sociais que seria ingenuidade dizer que vai parar por aí. Já existe outra manifestação convocada para o dia 12 de abril, pelo Movimento Brasil Livre, um dos responsáveis pela organização do 15 de março.


O marco inicial do casamento entre ruas e redes foi a Revolução Verde, que ocorreu no Irã em 2009. Na ocasião, com os meios de comunicação sob vigilância e após denúncias de manipulação das eleições na vitória do presidente Mahmoud Ahmadinejad, os iranianos usaram o Twitter e outras redes sociais para convocar manifestações que abalaram o regime teocrático dos mulás. Os militantes políticos descobriram, assim, um primeiro uso das redes sociais: burlar a censura. Um segundo momento ocorreu nos protestos contra o presidente Hosni Mubarak em janeiro de 2011. Redes sociais livres de monitoramento ajudaram na convocação dos manifestantes, que chegaram a 2 milhões. Elas também foram fundamentais para divulgar o movimento no mundo, especialmente nos países muçulmanos – desencadeando o que ficou conhecido como Primavera Árabe. As manifestações de junho de 2013 no Brasil foram igualmente desencadeadas pelas redes sociais. Entidades como o Movimento Passe Livre, o MPL, usaram o Facebook para capitalizar o descontentamento da população com a violência policial que marcou uma das primeiras manifestações – na qual jornalistas chegaram a ser feridos com balas de borracha. Por fim, as passeatas de 15 de março consagraram o WhatsApp como ferramenta para arregimentar manifestantes.

PRIMEIRO CAPÍTULO
Protestos em São Paulo em junho de 2013. Reivindicação por melhores serviços (Foto: Mauricio Lima/The New York Times)

As manifestações se beneficiaram do aumento exponencial, no Brasil, do acesso a tecnologias digitais. Os brasileiros donos de smartphones eram pouco mais de 30 milhões durante as jornadas de junho de 2013. Hoje, segundo dados do Ibope, são 58,6 milhões. O aplicativo WhatsApp mais que dobrou sua base de usuários no país e se popularizou como “zap zap”. O último dado oficial, divulgado em meados de 2014, dizia que, dos 468 milhões de usuários do WhatsApp no mundo, 38 milhões estavam no Brasil. Hoje, segundo estimativas não oficiais (o WhatsApp não informa mais os dados), são mais de 50 milhões de brasileiros trocando mensagens, fotos e vídeos pelo aplicativo. Junto com a evolução da qualidade das câmeras dos celulares, isso gerou também um fenômeno comportamental: a onda do selfie. Selfie sozinho, em família ou com o pau de selfie. E, agora, selfie em manifestações. O recurso foi muito usado nas passeatas do último dia 15 – em que muitos fizeram questão de mostrar a si próprios em meio a policiais que escoltavam pacificamente os manifestantes. Isso acaba tendo um efeito multiplicador. Primeiro, as redes sociais convocam os manifestantes. Depois, por meio dos selfies, os manifestantes que estão na rua estimulam a participação de mais e mais manifestantes.


“Os usuários descobriram que podem influenciar politicamente com seu pronunciamento público”, diz Carlos H. Moreira Jr., diretor de desenvolvimento de mercados do Twitter para a América Latina. “Isso é uma mudança de comportamento.” Na linguagem dos acadêmicos, esse processo é descrito como o “empoderamento do cidadão”. Na prática, ele se traduz na preferência por alguns termos ou palavras de ordem. ÉPOCA teve acesso a uma análise exclusiva realizada pelo Twitter em parceria com o Ibope, que acompanhou 609 mil tuítes do dia 1º de março até o início do dia 15. O objetivo era entender a agenda das manifestações e quais personagens estavam mais associados a ela. Segundo a análise, 40% dos tuítes faziam referência ao impeachment da presidente Dilma Rousseff. Nos cinco temas mais citados, apareceram também corrupção (4%), a CPI da Petrobras (2,2%) e golpe militar (menos de 1%). Isso mostra que, se as redes sociais potencializam a emoção dos usuários, foi o sentimento antipetista que encheu as ruas no dia 15.


Sem pesquisas oficiais como a feita pelo Twitter e pelo Ibope, os organizadores das manifestações de 15 de março entenderam a mudança de comportamento do público. Mesmo com ideologias e estilos bem diferentes, eles atuam de forma muito parecida nas múltiplas plataformas virtuais. Em primeiro lugar, eles se estruturaram para atender a vontade dos brasileiros de extravasar suas opiniões e sua indignação. Todos os movimentos postaram vídeos, imagens e mensagens dos seguidores – inclusive das reações de repúdio aos discursos da presidente Dilma Rousseff. Assim, o número de curtidas e compartilhamentos aumentou exponencialmente. Eles também se organizaram internamente para chegar ao maior número de pessoas. O Movimento Vem pra Rua tem 30 organizadores e 20 líderes regionais voluntários. Eles elegem o material que terá maior propagação nas redes e os temas que precisam de esclarecimentos pontuais. As manifestações podem ser espontâneas e ter coordenadores pulverizados – mas esses coordenadores usam de estratégia em seu trabalho.

SEGUNDO CAPÍTULO
Protestos em São Paulo em 15 de março. O sentimento antipetista uniu os manifestantes (Foto: Filipe Redondo/ÉPOCA)

Marcello Reis, do Revoltados On Line, diz passar 18 horas por dia conectado. Parte desse tempo é usada para escolher os administradores da página (20 no total), que podem publicar conteúdo sem restrição, e os 150 colaboradores, responsáveis pela interlocução com a imprensa nacional e estrangeira, entre outras atividades. No processo de seleção dos colaboradores, Reis acompanha, por 90 dias, o perfil do usuário, sem avisá-lo. Se aprovado, ele convida o potencial colaborador para uma conversa on-line. O trabalho, diz Reis, garante a audiência. A página do Revoltados no Facebook teve mais de 41 milhões de visualizações desde a criação, em agosto de 2010.

Ao longo da história, as ruas se consolidaram como um palco privilegiado das manifestações políticas. Isso vale para a Revolução Francesa e para os protestos de maio de 1968 – e, no Brasil, para demonstrações como a campanha das Diretas Já ou o movimento que pediu o impeachment de Fernando Collor em 1991. A diferença é que agora entrou em ação uma ferramenta tecnológica poderosa, com capacidade de dar voz e poder de influência a qualquer pessoa com um smartphone na mão. Com essa tecnologia, as ruas – e os cidadãos nelas – ganharam poder de influenciar a agenda política. Um exemplo da influência dos novos movimentos gerados pelas redes sociais se vê nos Estados Unidos. O movimento OcupemWall Street surgiu em reação às consequências da crise do mercado financeiro desencadeada pela quebra do Lehman Brothers, em 2008. O movimento – cujo slogan, criado por publicitários, era “Somos os 99%” – eclodiu em Nova York em setembro de 2011. E colocou definitivamente o tema da desigualdade na agenda política americana. Nas democracias, como diz o pensador espanhol Manuel Castells, a dinâmica da política será cada vez mais essa. As ruas influenciarão mais e mais a agenda – mas continuará cabendo aos partidos políticos, às instituições, como o Congresso Nacional, e aos governos eleitos adaptarem-se à nova realidade e encaminhar as respostas e as soluções para os gritos que vêm das redes.

RASTREANDO AS CONTAS DOS PETISTAS NO EXTERIOR





“Ver a Dilma sangrar não tem preço”. A oposição toma conta da CPI da Petrobras e contrata uma empresa de investigação para rastrear as contas dos petistas no exterior

THIAGO BRONZATTO
27/03/2015 22h00



NO FOCO
Dilma Rousseff e Lula na comemoração dos 35 anos do PT, em Belo Horizonte. Eles estão sob a mira da CPI (Foto: Alberto Wu/Futura Press)

Na CPI da Petrobras, os tucanos e a ala rebelde do PMDB lutam para que a Comissão centre seu foco no PT e – especialmente – na presidente Dilma Rousseff. Os principais cargos na CPI foram ocupados por oposicionistas. O presidente é o deputado Hugo Motta, do PMDB, afilhado político do presidente da Câmara, Eduardo Cunha. O vice-presidente é o tucano Antônio Imbassahy, um dos principais líderes da oposição (oficialmente, os tucanos trabalham contra o impeachment e pela “legalidade”. Na prática, querem ver sangue). Maioria na liderança da Comissão, a brigada anti-PT armou uma estratégia, inspirada no nome de uma bandeira de cartão de crédito (“Ver a Dilma sangrar não tem preço”, diz um dos integrantes do grupo). A ideia é concentrar os depoimentos em três personagens ligados ao PT: Renato Duque, ex-diretor da Área de Serviços da Petrobras, indicado pelo ex-ministro José Dirceu; João Vaccari, tesoureiro do partido, não se sabe até quando; e Ricardo Pessôa, presidente da construtora UTC, apontado em delações premiadas como coordenador de um “clube da propina”.

Duque já depôs. Ou melhor, ficou calado. Para forçá-lo a falar, dois integrantes da brigada anti-PT apresentaram requerimentos no dia 19 de março para ouvir a mulher de Duque, Maria Auxiliadora Tibúrcio. A ideia é pressionar Duque a assinar a delação premiada. A convocação de Vaccari foi aprovada na semana passada, junto com a de Luciano Coutinho, presidente do BNDES, e mais 14 pessoas, sendo a maioria ligada ao governo. Denunciado pelo Ministério Público Federal por corrupção e lavagem de dinheiro, Vaccari será submetido a uma longa sabatina. “Nosso objetivo é mirar no Vaccari para acertar na Dilma”, diz um parlamentar. Quando a convocação de Vaccari foi aprovada, alguns deputados ligados ao PT tentaram chamar os tesoureiros de todos os partidos. Não conseguiram. Os petistas também queriam ampliar a investigação para governos anteriores. Também foram derrotados – a CPI se debruçará apenas sobre fatos ocorridos entre 2005 e 2015.


Os representantes do governo esboçaram reação na última semana, quando ameaçaram convocar operadores do esquema de corrupção na Petrobras. Entre os nomes que foram aventados estão o de Fernando Soares, o Baiano, e o do policial federal Jayme Alves de Oliveira Filho, conhecido como Careca. O objetivo era que a presença desses lobistas na Comissão pudesse, de uma forma ou de outra, mudar o foco do noticiário para o PMDB e o PSDB. Baiano é apontado em delações premiadas e por investigadores da Lava Jato como o operador do PMDB. Se falasse, poderia implodir a liderança do Congresso. Em mais uma vitória, o PMDB, coordenado por Cunha, conseguiu barrar a convocação de Fernando Baiano na semana passada.


Os deputados da lista de Janot não serão convocados pela CPI. O estrago seria de grandes proporções

Discretamente, a CPI acelerou a contratação por R$ 1 milhão da empresa americana de investigações Kroll, indicada pelo presidente da CPI, Hugo Motta, sob o aval de Eduardo Cunha. A maior empresa de coleta de dados de inteligência do mundo entrou na lista negra do PT por ter se envolvido num episódio de espionagem durante o governo Lula. Segundo ÉPOCA apurou com membros da CPI, o foco da Kroll será seletivo. A empresa está incumbida de rastrear, no exterior, principalmente as contas e os bens de petistas ou operadores ligados ao PT. Procurada, a Kroll não se manifestou. Incomodados, alguns deputados do PT vão pedir para ter acesso ao contrato assinado com a Kroll – e questionar a escolha unilateral da companhia.


Na guerra em que a CPI se transformou, os dois lados concordam em apenas dois pontos. Um é a preservação das grandes empreiteiras. Até agora, nenhum executivo das companhias responsáveis pelas maiores obras do país – e notórios financiadores das campanhas eleitorais – foi convocado na CPI da Petrobras. No Congresso, é consenso que quem “tocar nesse fio desencapado poderá ser eletrocutado”. Há também um acordo para não convocar os parlamentares relacionados na lista do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviada ao Supremo Tribunal Federal no início de março. Isso poderia causar uma explosão de grandes proporções no Congresso. E, como se viu até agora, o objetivo de situação e oposição é cuidar para que a bomba caia do outro lado da cerca.

RASTREANDO AS CONTRAS DOS PETISTAS NO EXTERIOR




“Ver a Dilma sangrar não tem preço”. A oposição toma conta da CPI da Petrobras e contrata uma empresa de investigação para rastrear as contas dos petistas no exterior

THIAGO BRONZATTO
27/03/2015 22h00



NO FOCO
Dilma Rousseff e Lula na comemoração dos 35 anos do PT, em Belo Horizonte. Eles estão sob a mira da CPI (Foto: Alberto Wu/Futura Press)

Na CPI da Petrobras, os tucanos e a ala rebelde do PMDB lutam para que a Comissão centre seu foco no PT e – especialmente – na presidente Dilma Rousseff. Os principais cargos na CPI foram ocupados por oposicionistas. O presidente é o deputado Hugo Motta, do PMDB, afilhado político do presidente da Câmara, Eduardo Cunha. O vice-presidente é o tucano Antônio Imbassahy, um dos principais líderes da oposição (oficialmente, os tucanos trabalham contra o impeachment e pela “legalidade”. Na prática, querem ver sangue). Maioria na liderança da Comissão, a brigada anti-PT armou uma estratégia, inspirada no nome de uma bandeira de cartão de crédito (“Ver a Dilma sangrar não tem preço”, diz um dos integrantes do grupo). A ideia é concentrar os depoimentos em três personagens ligados ao PT: Renato Duque, ex-diretor da Área de Serviços da Petrobras, indicado pelo ex-ministro José Dirceu; João Vaccari, tesoureiro do partido, não se sabe até quando; e Ricardo Pessôa, presidente da construtora UTC, apontado em delações premiadas como coordenador de um “clube da propina”.

Duque já depôs. Ou melhor, ficou calado. Para forçá-lo a falar, dois integrantes da brigada anti-PT apresentaram requerimentos no dia 19 de março para ouvir a mulher de Duque, Maria Auxiliadora Tibúrcio. A ideia é pressionar Duque a assinar a delação premiada. A convocação de Vaccari foi aprovada na semana passada, junto com a de Luciano Coutinho, presidente do BNDES, e mais 14 pessoas, sendo a maioria ligada ao governo. Denunciado pelo Ministério Público Federal por corrupção e lavagem de dinheiro, Vaccari será submetido a uma longa sabatina. “Nosso objetivo é mirar no Vaccari para acertar na Dilma”, diz um parlamentar. Quando a convocação de Vaccari foi aprovada, alguns deputados ligados ao PT tentaram chamar os tesoureiros de todos os partidos. Não conseguiram. Os petistas também queriam ampliar a investigação para governos anteriores. Também foram derrotados – a CPI se debruçará apenas sobre fatos ocorridos entre 2005 e 2015.


Os representantes do governo esboçaram reação na última semana, quando ameaçaram convocar operadores do esquema de corrupção na Petrobras. Entre os nomes que foram aventados estão o de Fernando Soares, o Baiano, e o do policial federal Jayme Alves de Oliveira Filho, conhecido como Careca. O objetivo era que a presença desses lobistas na Comissão pudesse, de uma forma ou de outra, mudar o foco do noticiário para o PMDB e o PSDB. Baiano é apontado em delações premiadas e por investigadores da Lava Jato como o operador do PMDB. Se falasse, poderia implodir a liderança do Congresso. Em mais uma vitória, o PMDB, coordenado por Cunha, conseguiu barrar a convocação de Fernando Baiano na semana passada.


Os deputados da lista de Janot não serão convocados pela CPI. O estrago seria de grandes proporções

Discretamente, a CPI acelerou a contratação por R$ 1 milhão da empresa americana de investigações Kroll, indicada pelo presidente da CPI, Hugo Motta, sob o aval de Eduardo Cunha. A maior empresa de coleta de dados de inteligência do mundo entrou na lista negra do PT por ter se envolvido num episódio de espionagem durante o governo Lula. Segundo ÉPOCA apurou com membros da CPI, o foco da Kroll será seletivo. A empresa está incumbida de rastrear, no exterior, principalmente as contas e os bens de petistas ou operadores ligados ao PT. Procurada, a Kroll não se manifestou. Incomodados, alguns deputados do PT vão pedir para ter acesso ao contrato assinado com a Kroll – e questionar a escolha unilateral da companhia.


Na guerra em que a CPI se transformou, os dois lados concordam em apenas dois pontos. Um é a preservação das grandes empreiteiras. Até agora, nenhum executivo das companhias responsáveis pelas maiores obras do país – e notórios financiadores das campanhas eleitorais – foi convocado na CPI da Petrobras. No Congresso, é consenso que quem “tocar nesse fio desencapado poderá ser eletrocutado”. Há também um acordo para não convocar os parlamentares relacionados na lista do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviada ao Supremo Tribunal Federal no início de março. Isso poderia causar uma explosão de grandes proporções no Congresso. E, como se viu até agora, o objetivo de situação e oposição é cuidar para que a bomba caia do outro lado da cerca.

DILMA PODE SER AFASTADA POR CRIME COMUM SE COMPROVADO QUE ELA SABIA DO PETROLÃO

REVISTA ISTO É N° Edição: 2365 | 27.Mar.15

ENTREVISTA: Miguel Reale Júnior


"Dilma pode ser afastada por crime comum". Ex-ministro da Justiça afirma que presidente perderia o mandato por prevaricação se fosse comprovado que ela sabia do Petrolão quando presidia o Conselho de Administração da Petrobras

por Raul Montenegro




REALE EM SUA BIBLIOTECA
"Se estivéssemos no parlamentarismo, o governo teria sido destituído"



O advogado Miguel Reale Júnior já ocupou todas as posições que um jurista pode almejar. Professor titular de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, foi membro do Conselho Administrativo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e ministro da Justiça em 2002, durante o mandato de Fernando Henrique Cardoso. Quadro histórico do PSDB, próximo do ex-presidente tucano e do ex-governador de São Paulo Mário Covas (1930-2001), foi um dos principais responsáveis pelo processo de impeachment que levou à renúncia do ex-presidente Fernando Collor de Mello. Filho de um dos mais influentes juristas brasileiros, Reale hoje está indignado com a situação do Brasil.


"O PSDB deve considerar a possibilidade de apoiar o Michel Temer.
Ele está à frente de um partido forte e tem trânsito na oposição"



Foi aos protestos do dia 15 de março defender a renúncia de Dilma Rousseff (PT), mas é contra o impeachment, que, de acordo com ele, não possui bases jurídicas. Abaixo, o advogado fala sobre fatos marcantes da história do País nos quais esteve presente, o atual momento do Brasil e o que pode acontecer a partir dessa ebulição das ruas.


José Eduardo Cardozo tem assumido muito mais um papel
de advogado do que de ministro da Justiça. É o rei do lugar comum



Istoé - O sr. é a favor do impeachment?

Miguel Reale Júnior - O impeachment não é juridicamente viável porque os atos que poderiam justificá-lo ocorreram no mandato anterior. A pena do impeachment é a perda do cargo. Mas acabou o mandato e Dilma foi reeleita para outro. Não existe vaso comunicante. Para se pedir o impeachment, a presidente precisaria ser suspeita de algum malfeito de janeiro até agora. Eu fiz a petição de impeachment contra o ex-presidente Fernando Collor. Ali havia fatos praticados por ele, o recebimento de vantagens ilícitas claras. Impeachment não é golpe, porém precisa estar enquadrado tecnicamente. Eu tenho uma responsabilidade de consciência jurídica, não posso forçar a mão.


Istoé - O impeachment é também um processo político. É possível que o Congresso atropele os argumentos jurídicos para validá-lo?

Miguel Reale Júnior - Aí a Dilma entra com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal e anula tudo. O Collor entrou com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal para conseguir alguns direitos de defesa que não estavam sendo considerados no processo. E não é só a atual configuração do Supremo que invalidaria, não. Qualquer STF consideraria ilegal. O Supremo da época do Collor também concedeu mandado de segurança para alguns pontos que ele solicitou. Se existe uma violação da lei ou da Constituição, o sujeito vai ao STF e ganha.


Istoé - Isso quer dizer que a presidente não poderá ser responsabilizada caso seja ligada às denúncias do Petrolão?

Miguel Reale Júnior - O que pode haver, eventualmente, é a apuração de crime comum. O procurador-geral da República disse que não há elementos, mas Dilma prevaricou se sabia do esquema quando era presidente do Conselho de Administração da Petrobras e manteve a diretoria após assumir a presidência da República. Caso seja enquadrada num crime comum, ela será processada perante o Supremo com autorização da Câmara dos Deputados. Se condenada, perderia o mandato como qualquer outro político. Resta examinar se existem elementos mostrando que ela foi omissa ou conivente ao manter a diretoria. A Constituição diz que o presidente não pode ser responsabilizado por atos estranhos às suas funções, porém atos de prevaricação – como o que ocorreu na Petrobras – não seriam estranhos à função.


Istoé - Caso Dilma fosse afastada, a situação melhoraria com o vice Michel Temer?

Miguel Reale Júnior - O Michel tem habilidade e experiência como presidente da Câmara dos Deputados. Está à frente de um partido forte e conta com capacidade de trânsito na oposição. Seria o caso, para que houvesse um grande pacto nacional como ocorreu com o Itamar Franco (vice de Collor). Naquela época, eu fui procurado por um brigadeiro que comandava a zona aérea de São Paulo e manifestou a preocupação das Forças Armadas quanto à governabilidade. Eles não estavam preocupados com o impeachment do Collor, mas com o futuro. O brigadeiro queria saber se havia a possibilidade de o PSDB apoiar o Itamar. Ele me procurou porque eu estava à frente do impeachment e porque eu era próximo dos então senadores Fernando Henrique e Mário Covas. Ambos me garantiram que dariam apoio ao Itamar e eu transmiti isso ao militar. A mesma preocupação que as Forças Armadas tiveram naquele momento é a preocupação que todos nós deveríamos ter agora.


Istoé - Hoje o PSDB daria apoio ao Temer?

Miguel Reale Júnior - O PSDB deve considerar a possibilidade de apoiá-lo. É um caminho que pode não interessar à oposição que queira assumir livremente o poder daqui a quatro anos. Independentemente disso, nós temos que pensar como chegaremos lá se não houver um pacto, pois já estamos em frangalhos. Também tem outro problema extremamente grave. Apesar de as passeatas do dia 15 de março terem sido tranquilas, os ânimos estão acirrados. Amigos se separam por conta de divergências políticas, familiares viram a cara uns para os outros. Esse pacto também vai por um pouco de tranquilidade na sociedade.


Istoé - O sr. foi aos protestos do dia 15 de março?

Miguel Reale Júnior - Fui, sim. Estava em Canela, no interior do Rio Grande do Sul, e participei do ato na cidade. Havia mais de duas mil pessoas. Eu sou favorável à renúncia de Dilma Rousseff pela dificuldade que ela tem de governar. A governabilidade será difícil porque no momento em que ela fala tem panelaço, quando seus ministros falam há panelaço. Por causa disso, a presidente já tem pouco espaço para manobra – e a operação Lava Jato vai trazer mais fatos, ainda vai se estender para outros setores da administração.


Istoé - As manifestações juntaram pessoas favoráveis ao impeachment, à intervenção militar e aqueles que apenas reclamavam da corrupção. Como unir esses interesses?

Miguel Reale Júnior - Os que defendem os quartéis são minoritários e foram rechaçados nas ruas. É um grupo muito pequeno e inexpressivo. Já o impeachment é um processo jurídico e técnico. Se não houver enquadramento, não tem impeachment. Movimentações sem um norte se diluem. Por exemplo, nos protestos da Praça Tahrir, no Egito, a população destronou o ex-ditador Hosni Mubarak, mas não soube construir uma via. Primeiro, o fundamentalismo ganhou. Depois vieram os militares. As redes sociais são capazes de arregimentar contra, mas a rua não apresenta um denominador comum porque é composta de visões díspares. Temos que criar um caminho. Entidades como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a Ordem dos Advogados do Brasil e a Associação Brasileira de Imprensa devem sair dos seus nichos e participar porque esse processo representa muito do que a sociedade deseja. E os cabeças dos movimentos das ruas têm que trabalhar junto com lideranças políticas para formatar uma proposta.


Istoé - É possível que políticos participem dos protestos? De Paulinho da Força (SD-SP) a Jair Bolsonaro (PP-RJ), quando eles falaram nos carros de som foram vaiados.

Miguel Reale Júnior - Isso é perigoso porque significa uma descrença generalizada da classe política. Alguém precisa exercer o poder, organizar esses anseios. Não estou falando de uma pessoa, um salvador da pátria. Mas de um grupo político que se una à sociedade para constituir a base de um pacto. Se isso não ocorrer, gera-se um processo anárquico.


Istoé - A forma de governo no Brasil afasta os políticos do povo?

Miguel Reale Júnior - Se estivéssemos no parlamentarismo não haveria toda essa comoção que estamos vendo porque o governo teria sido destituído. O parlamentarismo impede que crises se avolumem e prejudiquem a vida do país. É verdade que a população também não acredita no Congresso, mas ela precisa saber que no regime parlamentarista a Câmara pode ser dissolvida.


Istoé - E quanto à reforma política, o sistema eleitoral deve mudar?

Miguel Reale Júnior - O sistema proporcional com lista aberta que temos hoje é horroroso. Com ele vêm gastos de campanha elevadíssimos e ocultos. De qualquer forma, o voto distrital é melhor. Eleição em dois turnos para deputados também pode ser um caminho, melhora bastante. De qualquer modo, Constituinte exclusiva para analisar o tema (como defendeu o governo após os protestos de junho de 2013) é loucura, seria um poder paralelo ao Congresso. Também não precisa fazer plebiscito ou referendo. É pacto, o Congresso já tem poderes para realizar. No entanto, o Tancredo Neves dizia que era mais fácil fazer um boi voar do que conseguir consenso em relação ao sistema eleitoral. É muito difícil.


Istoé - A principal reclamação das ruas está relacionada à corrupção. O pacote de Dilma vai resolver o problema?

Miguel Reale Júnior - A medida repete propostas antigas. E eles se esquecem que o crime de caixa dois já existe, artigo 350 do Código Eleitoral, com pena mínima de dois anos. Há diversos projetos tramitando na Câmara sobre enriquecimento ilícito. Eles não avançaram porque não foram votados pela própria base parlamentar. Vamos deixar de enganar a população brasileira.


Istoé - O sr. foi ministro da Justiça no mandato FHC. Como avalia o desempenho de José Eduardo Cardozo no cargo?


Miguel Reale Júnior - José Eduardo Cardozo tem assumido muito mais um papel de advogado do que de ministro da Justiça, com a distância que deve ter um ministro da Justiça de fatos que estão sendo manifestados. Ele sai em defesa do seu partido, em defesa da presidente. O discurso dele é um discurso repetitivo, cheio de chavões. É o rei do lugar comum.