ZERO HORA 6 de novembro de 2016 | N° 18699
OUTRA VISÃO
ASTOR WARTCHOW*
Hoje é a Câmara dos Deputados e o Senado Federal. Ontem foi o Fiat Elba, o dinheiro nas cuecas, a Petrobras, os fundos de pensão e muitos etceteras. A sucessão de escândalos permite três óbvias constatações que agravam nosso pessimismo. São apenas a ponta de um imenso iceberg denominado Estado brasileiro, um gigante fora de controle público. Afinal, predomina o império do “jeitinho” e da omissão, não havendo consequências administrativas e penais.
O espírito e ânimo do saque ao dinheiro público é uma epidemia nacional. Emprego de parentes, compadrio, favorecimentos e manipulação licitatória são comuns em todas as esferas da administração pública. Aliás, essas constatações me fazem lembrar de um comentário (dos eleitores) que muito ouvi ao longo das inúmeras campanhas eleitorais de que participei.
Em tempos de ditadura e abertura democrática, empenhados e otimistas na renovação político-partidária, éramos surpreendidos. Muitos cidadãos diziam: “É tudo igual mesmo. Melhor deixar o cachorro gordo no poder do que colocar um magro. Vai custar caro engordar outro!”
Ouvia triste e a contragosto porque não concordava. Como não concordo até hoje. Mas, no olhar e sentir de muitas pessoas do povo, a sucessão e a renovação político-partidária é uma simples troca de cachorros. Cachorros atrás do osso!
Voltando no tempo e na história, à época da colonização, e depois do fracasso das capitanias hereditárias, o governo português inventou os governadores-gerais. E com eles, a burocracia. Há registros históricos sobre o desembarque de nobres, funcionários públicos, soldados e criminosos (réus e degredados). Aliás, quase todos solteiros e interessados em grana fácil. Resultou uma estrutura estatal forte, organizada, centralizadora e burocrática. Que não encontrou resistência civil. Consequentemente, nossa sociedade de então se adaptou a essa estrutura estatal.
Trata-se do domínio de uma casta de altos funcionários aliada ao patronato político cujos interesses comuns formam uma associação parasitária. Juntos compõem uma rede que, espalhada pelo país, extrai dele tudo o que pode. Leia mais em Os donos do poder (1958), do gaúcho Raimundo Faoro (1925-2003).
O fruto principal dessa deformação histórica e dessa adaptação da sociedade é o “jeitinho brasileiro” e o famoso “querer levar vantagem em tudo”. Repito: nepotismo, compadrio, fraudes, falsificações, desrespeito a contratos, entre outros exemplos, são ações e atitudes que não sofrem reprovação moral. Ou então, quando descobertos, “não dá nada!”
De modo que o espírito do saque e o ânimo dominante confirmam a máxima de Aparício Torelly, o popular Barão de Itararé: “Negociata é um bom negócio para o qual não fomos convidados!”
Em verdade, estamos a merecer, como povo e sociedade, um apurado estudo de caráter sociológico sobre nosso caráter e nossa natureza (a)ética. Ou tudo será, simplesmente, falta de educação, repressão, punição e cadeia?
*Advogado
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