MP quer demissão de parentes no gabinete de senador. Subprocuradores consideram irregular nomeação de sete parentes de ex-chefe de gabinete, que deixou o cargo para mascarar o nepotismo. Fernando Azevedo, porém, ainda é assessor de Gilvam Borges - Eduardo Militão - Congresso em Foco, 08/11/2010 - 07h00
O Ministério Público quer a anulação da nomeação de sete parentes do ex-chefe de gabinete do senador Gilvam Borges (PMDB-AP). Só não deve entrar na Justiça para obter isso se o próprio parlamentar demitir os familiares do colaborador.
Conforme mostrou o Congresso em Foco, Fernando Aurélio Aquino de Azevedo mantinha oito familiares no gabinete e, com a publicação da súmula antinepotismo do Supremo Tribunal Federal (STF), deixou o cargo que ocupava. A súmula diz que só há nepotismo quando há subordinação entre um dos familiares. Ou seja: ele saiu, para não configurar o nepotismo. Mas deixou empregados os seus parentes.
Atualmente, a repartição comporta sete parentes do ex-chefe de gabinete de Gilvam. Por conta da publicação da reportagem, em março do ano passado, a Procuradoria da República no Distrito Federal (PRDF), órgão do Ministério Público em Brasília, abriu um procedimento preliminar de investigação. Em janeiro, a PRDF entendeu que não havia desrespeito à lei e arquivou o caso. Como é de praxe, o arquivamento foi analisado pela 5ª Câmara de Coordenação e Revisão da Procuradoria Geral da República (PGR), o órgão máximo do MP.
Apesar de Aquino ter deixado o cargo de chefe de gabinete, a relatora do caso na PGR, a subprocuradora Denise Vinci Túlio, considerou que os parentes dele foram empregados à época em que ele era chefe de seus familiares. “A destituição da chefia não sanou a nulidade das nomeações na origem”, disse ela. Denise Vinci considerou ainda que, antes da existência da súmula do STF, o nepotismo já seria proibido pelos princípios da moralidade e impessoalidade descritos na Constituição.
Denise Túlio e outros dois colegas da PGR votaram para que a PRDF tome providências para subsidiar uma ação judicial. O objetivo da ação deve ser anular as nomeações dos parentes, exceto se o próprio Gilvam Borges demitir os funcionários.
O procedimento preliminar voltou à PRDF e foi distribuído à procuradora Ana Carolina Roman. Ela converteu o caso em inquérito civil público. A procuradora enviou ofício ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), pedindo informações num prazo de dez dias a contar da data de recebimento. Ana Roman quer conhecer os atos de nomeação de Fernando Aquino e todos os seus parentes no gabinete de Gilvam.
Pede a lista de exonerações no gabinete motivadas pela súmula antinepotismo do Supremo, a relação de contracheques ou a ficha financeira na folha de pagamentos referentes a esses funcionários e a declaração de parentesco preenchida por eles. A procuradora ainda solicita a Sarney eventuais relatórios da comissão que o Senado criou para levantar casos de nepotismo na Casa.
O pedido de Ana Roman foi feito em 18 de outubro, com prazo de resposta de 10 dias a contar do recebimento do documento por Sarney. Como o senador tem foro privilegiado, o ofício foi remetido à PGR para, de lá, seguir ao Senado. As assessorias da PGR e de Sarney informaram que, até o momento, o documento não havia chegado aos destinatários.
Dentro da lei, diz Gilvan
Ouvido pelo Congresso em Foco no último dia 3 de novembro, no cafezinho do Senado, o senador Gilvam disse que agiu dentro da legalidade, mas se mostrou à disposição para corrigir alguma irregularidade se isso for constatado. “Está tudo cumprido dentro da lei”, afirmou o senador.
“A lei tem que ser cumprida à risca. Se a lei não permite as nomeações, sem dúvida as exonerações serão processadas imediatamente”, contou Gilvam. Ele afirmou ao site que vai aguardar o desenrolar do caso. “Até agora, está tudo dentro da lei.”
A assessoria de Gilvam disse que o gabinete e Aquino não receberam nenhum pedido de informações do Senado eventualmente vindo do Ministério Público. “Não tenho novidade sobre isso”, avisou Aquino, por meio da assessoria do senador.
No ano passado, Aquino afirmou em entrevista ao Congresso em Foco que não há nepotismo porque ele não é mais superior hierárquico dos seus familiares. “Não há nepotismo e nenhuma burla à legislação”, disse.
Sandálias e parentes
O senador Gilvam Borges é conhecido por uma peculiaridade: ele não usa sapatos. Em seu lugar, anda sempre com sandálias de couro no plenário do Senado, como as pretas que usava na quarta-feira (3) durante a entrevista com o Congresso em Foco. Este não é o primeiro problema com suposto nepotismo que enfrenta. Quando a regra do nepotismo foi posta em vigor, ele defendeu o fato de empregar a mulher e a mãe, na época, em seu gabinete com a seguinte frase: “Uma me pariu e a outra dorme comigo”. Atualmente, as duas não estão mais na folha de pagamentos do Senado.
Gilvam foi reeleito senador nas últimas eleições. Seu mandato está ameaçado pelo julgamento da candidatura de João Capiberibe (PSB), cujo registro foi negado com base na lei da Ficha Limpa. Caso a Justiça libere Capiberibe, Gilvam estará fora do Senado na próxima legislatura, pois teve menos votos que o colega.
Ele acredita que a Justiça não deve liberar o registro do candidato do PSB. “Até porque o caso dele é mais complicado em termos de denúncia”, avaliou Gilvam na quarta-feira (3). Capiberibe foi cassado por compra de votos.
Os familiares de Fernando Aquino no gabinete: Nome — parentesco — atividade
1. Leila Carla Aquino — esposa — cuida das correspondências de Gilvam
2. Tersandro Benvindo de Aquino — pai — despacha nos ministérios
3. Francisco Hélio de Azevedo Aquino — irmão —cuida das correspondências eletrônicas
4. Mirian de Azevedo Aquino — irmã — recepcionista e secretária
5. Levy Carlos Caixeta de Sá — cunhado — acompanha emendas parlamentares
6. João Benvindo de Albuquerque Filho — irmão da cunhada Ana Lúcia — motorista do carro de Gilvam
7. Rodrigo Furtado Caixeta — primo — cuida do site do senador Gilvam e do sistema de áudio para as entrevistas em um estúdio de rádio do parlamentar.
8. Ana Lúcia Albuquerque Rocha — cunhada — A advogada não trabalha mais no gabinete. Ela cuidava dos ofícios e ajudava Fernando Aquino na produção de ações judiciais
NOTÍCIA DE 2009
Uma família no Senado. Ex-chefe de gabinete do senador Gilvam Borges e advogado do PMDB do Amapá deixa cargo para manter oito parentes que trabalham com ele no Congresso. Embora curiosa, prática não é ilegal, apontam juristas - Eduardo Militão - 30/03/2009 - 07h03
De segunda a sexta-feira, por volta das 9h, o advogado Fernando Aurélio de Azevedo Aquino chega ao Anexo I do Senado Federal. Vai de carro, às vezes, de metrô e ônibus. O destino é o 18º andar, o gabinete do senador Gilvam Borges (PMDB-AP). Acompanhado dele, a esposa, Leila Carla, responsável por cuidar da correspondência do parlamentar.
Dividindo espaço no gabinete entrecortado por divisórias, circulam outros familiares de Aquino. São oito ao todo, todos comissionados, ao contrário do advogado, servidor concursado. Os familiares permanecem no gabinete de Gilvam mesmo após a súmula 13 do Supremo Tribunal Federal (STF). Advogados ouvidos pelo Congresso em Foco dizem que a situação, embora curiosa, não é ilegal, porque Aquino não é mais o chefe de gabinete do senador – e, portanto, superior hieráquico de sua parentela.
Tersandro Benvido de Aquino, o seu Sandro, é o pai do advogado. É ele quem cuida dos negócios de Gilvam nos ministérios, quando acompanha o andamento de projetos de interesse de municípios do Amapá, como Calha Norte e ações da Funasa. Se, por exemplo, um prefeito esqueceu de enviar tal documento para a aprovação de uma obra, é seu Sandro quem informa qual é o papel que falta para o projeto virar realidade.
Segundo colegas, é com o pai que Fernando Aquino conversa reservadamente nos finais de semana. Aos 38 anos, o advogado veio para Brasília após uma infância humilde no Piauí – nasceu em Floriano, na divisa com o Maranhão. “Ele conta que cortava cana com o pai no Nordeste”, confidencia uma das pessoas que o conhece há cerca de cinco anos.
Aos domingos, Aquino passa o dia numa igreja evangélica no Cruzeiro, onde ajuda nos trabalhos da comunidade.
Levy Carlos Caixeta de Sá é o cunhado do advogado. Enquanto Tersandro cuida de projetos e obras, sua função é acompanhar o andamento das emendas parlamentares de interesse de Gilvam.
Causas de Sarney
Ana Lúcia Albuquerque Rocha Aquino também é cunhada do ex-chefe de gabinete. Ela produz os ofícios que Tersandro e outros servidores utilizam. Advogada, ela ajuda Fernando Aquino a defender causas a favor do PMDB do Amapá, do senador Gilvam e até do hoje presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP) – como a petição 3995/2006 e o agravo 8955/2007, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
As ações judiciais são feitas nos horários vagos de Aquino, segundo ele mesmo. Nas últimas eleições, ele afirma que saiu de férias para cuidar da causas do PMDB. “O trabalho do advogado é feito nas madrugadas, eu não preciso estar em todas as audiências. Eu tiro férias, peço licença”, disse o ex-chefe de gabinete ao Congresso em Foco. “Eu tiro férias para trabalhar”, contou ele, com voz baixa e tranqüilidade.
Apesar de não ter mais o cargo, colegas dizem que ele ainda passa ‘missões’ para os funcionários do gabinete de Gilvam. Aquino nunca se exalta; mantém sempre a voz baixa e serena, tanto para pedir, como para cobrar por serviços não executados.
Irmãos
Francisco Hélio de Azevedo Aquino, o Helinho, é um dos irmãos de Aquino no gabinete. É também responsável pela correspondência eletrônica. Responde as cerca de 400 mensagens diárias que chegam ao gabinete de Gilvam. Para as dezenas de emails sobre o projeto do senador que propõe o fim do exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), já existe uma resposta-padrão: dizer que o PLS 186/06 encontra-se na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Mirian de Azevedo Aquino é a irmã do gabinete. Das 14h até a noite, ela assume a recepção do gabinete e faz os serviços de secretária: atende telefones, anota recados e cuida da agenda.
João Benvindo de Albuquerque Filho é o irmão de Ana Lúcia. Ele dirige o carro do senador Gilvam Borges pelas ruas de Brasília.
Rodrigo Furtado Caixeta ajuda a comunicação de Gilvam. Fotografa, cuida do site e do blog (diário virtual) do parlamentar, e viabiliza a parte técnica das entrevistas que o senador concede num pequeno estúdio improvisado dentro do gabinete. Segundo os colegas, ele é primo de Aquino.
Marcelo Crivella
Aquino entrou no Senado por concurso público. Em 2003, trabalhava como técnico legislativo especialista em segurança. No início daquele ano, foi levado ao gabinete do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ) para exercer a função de assistente técnico. Ainda em 2003, foi promovido a subchefe de gabinete.
Permaneceu com Crivella até o final de 2004, quando foi trabalhar na Secretaria de Telecomunicações. Em abril de 2005, foi para a Liderança do PMDB.
Lá ficou até dezembro, quando entrou para o gabinete de Gilvam Borges como chefe de gabinete, um cargo com função comissionada FC-8. Naquela mesma época, chegaram também seus parentes, todos sem concurso público. Rodrigo foi o último familiar a integrar o gabinete de Gilvam: foi contratado em dezembro de 2006, um ano depois.
O Supremo Tribunal Federal proibiu o nepotismo em todo o país a partir da edição da súmula 13, em 21 de agosto de 2008. Foi quando Aquino deixou o cargo de chefe de gabinete. Tornou-se assistente técnico parlamentar, com função comissionada FC-7, com uma remuneração menor, a partir de 25 de agosto de 2008, segundo o Ato do Diretor Geral 1854, de 3 de setembro do ano passado. Mas, segundo o advogado, sua saída do cargo foi bem antes, ainda em maio.
Abandono
Sabe-se no Congresso que outros chefes abandonaram os postos para preservar empregos de familiares. Em outubro, quando o Senado começou a cumprir de fato a súmula 13 do STF, diversos outros servidores fizeram o mesmo (leia).
Advogados consultados pelo site, o próprio Aquino e o senador Gilvam dizem que a prática não é nepotismo. Segundo eles, só existiria o emprego ilegal de familiares se Aquino fosse o chefe de sua parentela.
Especialista em direito administrativo, o advogado Eduardo Nobre é um deles. “Certamente ele fez isso para entrar na legalidade e está na legalidade”, afirma. Entrentanto, o fato de possuir oito parentes numa repartição não deixa de saltar aos olhos.
“Apesar de não se encaixar perfeitamente na vedação da súmula, isso é passível de ser questionado por supostamente ferir o artigo 37 da Constituição”, avalia Nobre. O texto constitucional trata dos princípios da moralidade e impessoalidade da administração pública.
Outros funcionários do Senado trabalhavam cercados de parentes e tiveram de se adaptar. O ex-diretor de Recursos Humanos João Carlos Zoghbi tinha sete familiares subordinados a ele. O senador Efraim Morais (DEM-PB), seis. Todos foram exonerados em outubro passado, por ocasião da aplicação da súmula 13 no senado.
Pressuposto
Por meio de sua assessoria, o senador Gilvam disse que a situação de Aquino é legal e que os cargos de confiança são exercidos por pessoa em quem ele confia. A assessoria do Senado afirmou que a nomeação de servidores comissionados é uma prerrogativa dos gabinetes e que é sempre comunicada ao setor de RH da Casa. “Pressupõe-se, então, que a escolha tenha observado a legislação”, informou a assessoria.
O próprio Aquino discorda da tese de nepotismo para a contratação de seus oito parentes. “Não há nepotismo e nenhuma burla à legislação”, disse ele ao Congresso em Foco.
As assessorias de Gilvam e de José Sarney negaram que a permanência dos oito parentes de Aquino no gabinete teria a ver com o fato de ele defender causas para o PMDB do Amapá na Justiça Eleitoral.
“Ele é funcionário do Gilvam, que é aliado do senador Sarney, e não vassalo”, disse a assessoria do gabinete de Sarney.
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