ZERO HORA 03 de dezembro de 2015 | N° 18374
ARTIGO | MARCELO RECH
Enquanto o Brasil se dissolve nas bordas da depressão econômica, de uma epidemia que ameaça o futuro de milhares de bebês e da violência desmesurada, a Praça dos Três Poderes mergulhou, com o início da abertura do processo de impeachment por Eduardo Cunha, numa ensandecida luta de vida e morte política.
Até dias atrás, o embate entre Dilma e Cunha evocava os filmes de Godzilla: enquanto as criaturas gigantes se engalfinhavam em uma batalha insana e destruíam tudo à volta, os minúsculos viventes chispavam desesperados. No início da semana, o roteiro mudou subitamente. Godzilla deu lugar ao Telecatch – que, saibam os jovens, era um programa de TV nos anos 60 que exibia brigas de vale-tudo entre personagens que representavam a luta entre o bem e o mal. Tudo encenação, parte de um show ainda popular no México e, como se viu, também em Brasília.
De repente, o Planalto passou a se dedicar a um toma lá dá cá de tontear quem saiu da sala, deu uma volta e retornou pouco depois. Decisivos para a sobrevivência política de Cunha, três deputados do PT com assento na Comissão de Ética foram pressionados à exaustão para votar a favor do presidente da Câmara. Se completada, a manobra corroboraria a chantagem do carrasco de Dilma que virou candidato à forca: uma vez resgatado do cadafalso, Cunha esqueceria providencialmente de dar início ao processo de impeachment.
“É um absurdo, o governo não pode se submeter a uma chantagem. Não há base legal para um im- peachment”, dizia na tarde de ontem o deputado Pepe Vargas, do PT gaúcho, um dos comandantes da resistência à eleição de Cunha para a presidência da Câmara. A essa altura, a bancada do PT já havia decidido fechar posição contra Cunha, indicando que ele será derrotado na comissão na semana que vem, quando já não teria força para encaminhar o impeachment. A vertiginosa sequência de quedas de braço espantou o deputado Nelson Marchezan Júnior, do PSDB, único gaúcho titular da Comissão de Ética e um dos primeiros a votar contra Cunha. “O governo quer ganhar tempo para sobreviver”, avaliava Marchezan Junior.
A fracassada maquinação para resgatar o malvado favorito tinha o DNA de Lula, o grande arquiteto do petismo que levou as alianças de ocasião ao extremo. Lula fechou acordos com José Sarney, Paulo Maluf e Fernando Collor. Pintado de monstro até dias atrás, Cunha seria mais um da série. Pressionada pela opinião pública a não socorrer o algoz, a bancada do PT melou a estratégia. No início da noite, Cunha jogou tudo no ventilador e foi à desforra. Godzilla voltou a cartaz. Melhor tirar as crianças da sala.
*Jornalista do Grupo RBS
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