ZERO HORA 03/04/2013 | 23h10
Tarso saca R$ 4,2 bi de depósitos judiciais e expõe crise nas contas. Valor representa 25% de tudo o que o Tesouro gastou com a folha de todos os poderes em 2012.
Elevação de despesas com pessoal ampliam a pressão sobre os cofres do PiratiniFoto: Ivan de Andrade / Divulgação
Carlos Rollsing
A estratégia do governo Tarso Genro de socorrer-se temporariamente dos depósitos judiciais — dinheiro recolhido por pessoas ou empresas em litígio nos tribunais — abre uma discussão sobre o futuro das finanças do Rio Grande do Sul e as alternativas que podem ajudar a sanear o Tesouro.
Como o cenário se concretizou porque as despesas são maiores do que as receitas, também volta à tona o debate sobre a melhor opção de gestão: gastar somente o que arrecada ou apostar na elevação de despesas como forma de incentivar o crescimento econômico e, consequentemente, a arrecadação?
— A situação é grave. O governo atual parece não estar preocupado com o déficit. E o governo Yeda Crusius tinha uma preocupação demasiada com isso. Na verdade, o meio termo seria o mais adequado — avaliou André Azevedo, professor do curso de mestrado em Economia da Unisinos.
Assim como outros especialistas da área, ele projeta déficit de R$ 2 bilhões em 2013. Como alternativa, aponta medidas impopulares, mas, na sua opinião, necessárias.
— Se há déficit, não tem como conceder aumento para todas as categorias. Tem de apertar o cinto e reduzir aquilo que pesa mais na conta — analisou.
Neste aspecto, há desequilíbrio na evolução das finanças do Estado. Enquanto os gastos com pessoal irão crescer 14,5% em 2013, a inflação deverá alcançar 5,5% no período. Em 2013 e 2014, a repercussão dos reajustes somente para os servidores da Segurança e da Educação será de R$ 3,7 bilhões. A consequência é a multiplicação do déficit.
— Não existe situação confortável. Ou vai ter gente com salário reduzido e serviços enxugados, ou vamos ter de buscar recursos em fontes de financiamento não previstas normalmente para o setor público, como os depósitos judiciais — avaliou Eugenio Lagemann, professor do curso de Economia do Setor Público da UFRGS.
Lagemann destaca que "a população não aprovou tentativas anteriores de contenção de gastos porque os serviços públicos são necessários". No entanto, entende que o caminho adotado por Tarso é o "mais comprometedor para o futuro":
— Alguém vai ter de pagar esses valores sacados hoje.
A interpretação é semelhante aos argumentos dos partidos de oposição ao Piratini. Nas bancadas do PMDB e do PP, a avaliação é de que Tarso, ao apostar no endividamento, viabiliza o pagamento das contas até o final da sua gestão. Para depois, apontam um cenário de quebra do caixa, com possibilidade de falta de recursos para a folha de pagamento.
Azevedo elege como principal barreira para o saneamento financeiro do Estado o déficit da previdência, que será de R$ 6,7 bilhões em 2013. Ele aponta, como solução, uma iniciativa capaz de incendiar o debate político: federalizar o Banrisul, vendendo-o para o Banco do Brasil. Os recursos, cerca de R$ 6 bilhões, formariam um fundo para abater os custos com os aposentados.
Darcy Carvalho dos Santos, economista com especialização em finanças públicas, sugere medidas igualmente polêmicas, como a implantação da previdência complementar e a mudança dos critérios de aposentadoria para professores e policiais militares, que hoje podem se retirar da ativa com 50 anos.
Mexer na previdência é meta de Tarso, mas os movimentos têm sido barrados pela força das corporações do funcionalismo, que derrubou na Justiça o aumento da alíquota de contribuição. Procurado por ZH, o secretário da Fazenda, Odir Tonollier, passou o dia em compromissos em Brasília na quarta-feira e não retornou o contato.
Rosane de Oliveira - Sem espaço para mágicas
Será preciso muita coragem para disputar o governo do Rio Grande do Sul em 2014. Porque nenhum candidato poderá alegar desconhecimento da situação das finanças do Estado, nem vender ilusões, como se costuma fazer nas campanhas eleitorais. Se um candidato disser que vai pagar o piso do magistério, aumentar os salários dos policiais ou nomear mais funcionários públicos, terá de dizer de onde sairá o dinheiro, já que a receita ordinária não cobre nem as despesas atuais. E as perspectivas são sombrias para os próximos anos, a menos que a economia cresça em ritmo chinês.
Cada um dos últimos governadores financiou o déficit usando um artifício. No regime militar, os governos tinham o poder de fabricar dinheiro. Emitiam títulos, as Obrigações do Tesouro Estadual, inchavam a máquina e ninguém se preocupava com a equação receita versus despesa. Até o Plano Real, a inflação elevada mascarava o déficit e o Estado se financiava deixando render no overnight o dinheiro que no fim do mês pagaria os credores e os funcionários públicos.
Com a estabilização da moeda, o rombo se tornou visível. Antônio Britto vendeu patrimônio público, governou quatro anos com o equivalente ao orçamento de cinco, mas, às vésperas de entregar o cargo, seu então secretário da Fazenda, Cézar Busatto, previu que Olívio Dutra atrasaria salários nos primeiros meses de governo porque a receita era insuficiente. Olívio usou o dinheiro reservado à Ford para pagar funcionários e, na última hora, precisou de um socorro emergencial do governo Fernando Henrique para não atrasar o 13º.
Germano Rigotto assumiu em 2003 com os cofres raspados. A seca afetou a economia, reduziu a arrecadação e agravou a situação das finanças. Para pagar o 13º, recorreu a empréstimos do Banrisul, feitos em nome dos funcionários. Em 2004, a Assembleia autorizou o uso dos depósitos judiciais, até o limite de 70%. Foi insuficiente. Para fechar o balanço, em 2006 o limite foi elevado para 85% e, no fim das contas, Rigotto sacou R$ 2 bilhões - que nunca serão repostos. Ontem, Tarso Genro o elogiou pela iniciativa que à época o PT torpedeou.
Yeda Crusius elegeu o déficit zero como sua bandeira e não usou dinheiro dos depósitos judiciais. Teve como receita extra a venda de ações do Banrisul. O bolo cresceu e, quando passou o governo para Tarso, a conta dos depósitos judiciais tinha R$ 4,7 bilhões, que em dois anos subiram para R$ 8 bilhões. Nesta semana, Tarso transferiu para o caixa único R$ 4,2 bilhões, para gastar até o final de 2014.
Tarso saca R$ 4,2 bi de depósitos judiciais e expõe crise nas contas. Valor representa 25% de tudo o que o Tesouro gastou com a folha de todos os poderes em 2012.
Elevação de despesas com pessoal ampliam a pressão sobre os cofres do PiratiniFoto: Ivan de Andrade / Divulgação
Carlos Rollsing
A estratégia do governo Tarso Genro de socorrer-se temporariamente dos depósitos judiciais — dinheiro recolhido por pessoas ou empresas em litígio nos tribunais — abre uma discussão sobre o futuro das finanças do Rio Grande do Sul e as alternativas que podem ajudar a sanear o Tesouro.
Como o cenário se concretizou porque as despesas são maiores do que as receitas, também volta à tona o debate sobre a melhor opção de gestão: gastar somente o que arrecada ou apostar na elevação de despesas como forma de incentivar o crescimento econômico e, consequentemente, a arrecadação?
— A situação é grave. O governo atual parece não estar preocupado com o déficit. E o governo Yeda Crusius tinha uma preocupação demasiada com isso. Na verdade, o meio termo seria o mais adequado — avaliou André Azevedo, professor do curso de mestrado em Economia da Unisinos.
Assim como outros especialistas da área, ele projeta déficit de R$ 2 bilhões em 2013. Como alternativa, aponta medidas impopulares, mas, na sua opinião, necessárias.
— Se há déficit, não tem como conceder aumento para todas as categorias. Tem de apertar o cinto e reduzir aquilo que pesa mais na conta — analisou.
Neste aspecto, há desequilíbrio na evolução das finanças do Estado. Enquanto os gastos com pessoal irão crescer 14,5% em 2013, a inflação deverá alcançar 5,5% no período. Em 2013 e 2014, a repercussão dos reajustes somente para os servidores da Segurança e da Educação será de R$ 3,7 bilhões. A consequência é a multiplicação do déficit.
— Não existe situação confortável. Ou vai ter gente com salário reduzido e serviços enxugados, ou vamos ter de buscar recursos em fontes de financiamento não previstas normalmente para o setor público, como os depósitos judiciais — avaliou Eugenio Lagemann, professor do curso de Economia do Setor Público da UFRGS.
Lagemann destaca que "a população não aprovou tentativas anteriores de contenção de gastos porque os serviços públicos são necessários". No entanto, entende que o caminho adotado por Tarso é o "mais comprometedor para o futuro":
— Alguém vai ter de pagar esses valores sacados hoje.
A interpretação é semelhante aos argumentos dos partidos de oposição ao Piratini. Nas bancadas do PMDB e do PP, a avaliação é de que Tarso, ao apostar no endividamento, viabiliza o pagamento das contas até o final da sua gestão. Para depois, apontam um cenário de quebra do caixa, com possibilidade de falta de recursos para a folha de pagamento.
Azevedo elege como principal barreira para o saneamento financeiro do Estado o déficit da previdência, que será de R$ 6,7 bilhões em 2013. Ele aponta, como solução, uma iniciativa capaz de incendiar o debate político: federalizar o Banrisul, vendendo-o para o Banco do Brasil. Os recursos, cerca de R$ 6 bilhões, formariam um fundo para abater os custos com os aposentados.
Darcy Carvalho dos Santos, economista com especialização em finanças públicas, sugere medidas igualmente polêmicas, como a implantação da previdência complementar e a mudança dos critérios de aposentadoria para professores e policiais militares, que hoje podem se retirar da ativa com 50 anos.
Mexer na previdência é meta de Tarso, mas os movimentos têm sido barrados pela força das corporações do funcionalismo, que derrubou na Justiça o aumento da alíquota de contribuição. Procurado por ZH, o secretário da Fazenda, Odir Tonollier, passou o dia em compromissos em Brasília na quarta-feira e não retornou o contato.
Rosane de Oliveira - Sem espaço para mágicas
Será preciso muita coragem para disputar o governo do Rio Grande do Sul em 2014. Porque nenhum candidato poderá alegar desconhecimento da situação das finanças do Estado, nem vender ilusões, como se costuma fazer nas campanhas eleitorais. Se um candidato disser que vai pagar o piso do magistério, aumentar os salários dos policiais ou nomear mais funcionários públicos, terá de dizer de onde sairá o dinheiro, já que a receita ordinária não cobre nem as despesas atuais. E as perspectivas são sombrias para os próximos anos, a menos que a economia cresça em ritmo chinês.
Cada um dos últimos governadores financiou o déficit usando um artifício. No regime militar, os governos tinham o poder de fabricar dinheiro. Emitiam títulos, as Obrigações do Tesouro Estadual, inchavam a máquina e ninguém se preocupava com a equação receita versus despesa. Até o Plano Real, a inflação elevada mascarava o déficit e o Estado se financiava deixando render no overnight o dinheiro que no fim do mês pagaria os credores e os funcionários públicos.
Com a estabilização da moeda, o rombo se tornou visível. Antônio Britto vendeu patrimônio público, governou quatro anos com o equivalente ao orçamento de cinco, mas, às vésperas de entregar o cargo, seu então secretário da Fazenda, Cézar Busatto, previu que Olívio Dutra atrasaria salários nos primeiros meses de governo porque a receita era insuficiente. Olívio usou o dinheiro reservado à Ford para pagar funcionários e, na última hora, precisou de um socorro emergencial do governo Fernando Henrique para não atrasar o 13º.
Germano Rigotto assumiu em 2003 com os cofres raspados. A seca afetou a economia, reduziu a arrecadação e agravou a situação das finanças. Para pagar o 13º, recorreu a empréstimos do Banrisul, feitos em nome dos funcionários. Em 2004, a Assembleia autorizou o uso dos depósitos judiciais, até o limite de 70%. Foi insuficiente. Para fechar o balanço, em 2006 o limite foi elevado para 85% e, no fim das contas, Rigotto sacou R$ 2 bilhões - que nunca serão repostos. Ontem, Tarso Genro o elogiou pela iniciativa que à época o PT torpedeou.
Yeda Crusius elegeu o déficit zero como sua bandeira e não usou dinheiro dos depósitos judiciais. Teve como receita extra a venda de ações do Banrisul. O bolo cresceu e, quando passou o governo para Tarso, a conta dos depósitos judiciais tinha R$ 4,7 bilhões, que em dois anos subiram para R$ 8 bilhões. Nesta semana, Tarso transferiu para o caixa único R$ 4,2 bilhões, para gastar até o final de 2014.
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