VOTO ZERO significa não votar em fichas-sujas; omissos; corruptos; corruptores; farristas com dinheiro público; demagogos; dissimulados; ímprobos; gazeteiros; submissos às lideranças; vendedores de votos; corporativistas; nepotistas; benevolentes com as ilicitudes; condescendentes com a bandidagem; promotores da insegurança jurídica e coniventes com o descalabro da justiça criminal, que desvalorizam os policiais, aceitam a morosidade da justiça, criam leis permissivas; enfraquecem as leis e a justiça, traem seus eleitores; não representam o povo e se lixam para a população.

sábado, 31 de outubro de 2015

NO JOGO POLÍTICO, É NORMAL TOMA LÁ DÁ CÁ



ZERO HORA 31 de outubro de 2015 | N° 18341


DANIEL SCOLA E ROSANE DE OLIVEIRA

ENTREVISTA
“No jogo político, é normal toma lá dá cá”


O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em entrevista ao programa Gaúcha Atualidade, falou a respeito da crise política atual e do seu livro recém lançado, Diários da Presidência, com anotações feitas entre 1995 e 1996.

Como o senhor tem recebido a reação à divulgação do livro?

Com tranquilidade. Porque é um livro muito aberto, muito sincero. Não é um julgamento de pessoas, nem de situações. É uma reação momentânea e aberta, franca, minha. Não tenho nenhum problema que critiquem ou não. O meu interesse, na verdade, é, primeiro, mostrar como funciona realmente, por dentro, quem toma as decisões de poder. Quais são os constrangimentos de todo tipo: pessoais, família, amigos, inimigos, interesses e tudo mais. Segundo, porque acho que o Brasil está vivendo um momento de tanta confusão, tanta dificuldade, que é preciso também dar um estímulo.

No livro, o senhor se mostra incomodado com o toma lá dá cá. Há formas de mudá-lo?

No jogo político, é normal que haja, não digo um toma lá dá cá, mas, quando você vai governar, precisa de alianças. E isso implica naturalmente em dar participação. Agora, tem limites. Primeiro, você tem de ter um objetivo. É aceitável um toma lá dá cá, desde que seja para cumprir um objetivo, uma agenda, alguma coisa de propósito maior para o Brasil. A leitura do livro mostra que cumpríamos uma agenda que tínhamos no programa apesar do toma lá dá cá.

Um dos pontos mais polêmicos foi sua manifestação sobre a Petrobras. O senhor reconhece que foi alertado de que a estatal era um escândalo.

Mas o escândalo que foi alertado ali não era de roubalheira, era de gestão. Havia uma sobreposição de gestão entre o conselho administrativo e os executivos, havia um diretor que mandava muito... Enfim, não era roubalheira.

O senhor se arrepende de não ter estourado essa bolha? É justamente no problema da gestão que as coisas aconteceram.

Estourei, mudei tudo, reestruturação de cabo a rabo. Agora, você tem de ver em que momento. Política não é uma coisa que você faz o que quer na hora. O político é responsável não só por suas convicções, seus valores, pelo o que é certo, mas por construir possibilidades de executar o que é certo. No caso da Petrobras, naquela conversa, estávamos ainda lutando pela quebra do monopólio do petróleo. E a diretoria da Petrobras estava de acordo. Você tem de ir passo a passo. E, depois, transformamos a Petrobras do que ela era, uma repartição pública, em uma empresa. O que quer dizer isso? Em vez de ter influência de partidos e políticos, que seja regulada por regras mais objetivas e pelo mercado.

O senhor sugeriu a renúncia da presidente Dilma como um “ato de grandeza”. Sugere que entregue o cargo para Michel Temer ou espera que o vice renuncie para haver nova eleição?

Não. Estava pensando o seguinte, como a presidente está numa situação tão delicada, tão difícil, com baixa popularidade, dificuldade de aprovar qualquer coisa no Congresso, o que seria com grandeza: “Vocês querem que eu saia? Saio, mas primeiro me deem tais e tais reformas.” Para criar um clima mais positivo, porque do jeito que está ela pode até ficar, mas vai empurrando o tempo com a barriga.

Qual seria o caminho mais adequado para o país?

O menos custoso é a renúncia. Qualquer outro sistema é complicado: o impeachment é um processo longo, é um debate, paralisa o país. Uma decisão do tribunal eleitoral que anule a eleição provoca também uma grande confusão. Tudo isso é muito fácil de falar e quem conhece o processo histórico sabe que tem um custo para o país muito elevado. São dois os caminhos menos custosos: ou ela assume, chama o país às falas e apresenta um caminho crível para o país e recupera a força, pode governar – mesmo que a gente fique contra –, ou ela pelo menos deixa uma marca forte. “Olha, saio se vocês aprovarem tal e tal coisa, uma reforma eleitoral porque esse sistema está fracassado; mexer na previdência, senão vai falir”.

O senhor faz ressalvas à relação dúbia do PSDB no Congresso com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha?

Cunha é o presidente da Câmara. E você, para mover as coisas, precisa do presidente. Minha opinião é que, diante de tudo que já se publicou e está comprovado, as contas no Exterior, ele está perdendo condições morais de ser presidente. Foi pedido à Comissão de Ética para analisar a situação dele. O PSDB deve ser implacável.

O senhor aceita o ajuste fiscal?

Fiz ajustes, e é sempre penoso. Agora, você só consegue fazer os ajustes quando tem o apoio de setores importantes do país que se reflitam no Congresso, para ter maioria. Mas, sem um horizonte de esperança, o ajuste é operação sem anestesia. É o que está acontecendo. Tem de tapar o déficit. Mas qual é a reação dos contribuintes: vai aumentar imposto em cima de mim e vocês vão crescer o governo, o número de funcionários. O exemplo tem de começar em casa.

O senhor disse, no Roda Viva, que Dilma é uma pessoa honesta e correta, mas não poderia dizer o mesmo de Lula.

Não foi o que eu disse. Acho que ela é correta, não pega propina, essas coisas. A responsabilidade que ela pode ter é política, não pessoal, de conduta. E com relação a Lula, me perguntaram se é a mesma coisa e eu disse que ele deve ter interesse em passar a limpo algumas coisas que estão aparecendo. Ele tem de demonstrar que não tem nada a ver com esses casos.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Se é normal o "toma lá dá cá" são normais os atos de corrupção, de compadrio, de imoralidades e de irresponsabilidades sem punição no jogo político. Não é a toa que atos atos sejam banalizados no poder, dando maus exemplos, estimulando a ilicitude e  desacreditando os poderes da República, a democracia, as leis, a justiça e a gestão dos recursos públicos.

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

A REJEIÇÃO AOS POLÍTICOS

 

ZERO HORA 28 de outubro de 2015 | N° 18338


EDITORIAL



Pesquisa nacional do Ibope divulgada na última segunda-feira revela que todos os possíveis candidatos presidenciais para 2018, independentemente do partido, têm alta rejeição por parte da população. O resultado reflete o desencanto dos brasileiros com seus representantes políticos, especialmente neste momento de crise econômica e de suspeitas generalizadas de envolvimento de ocupantes de cargos públicos com a corrupção. E não se trata de nenhuma campanha de difamação: investigações independentes do Ministério Público, da Polícia Federal e do próprio Judiciário é que vêm evidenciando a participação de políticos em falcatruas e irregularidades na gestão dos recursos públicos.

Como bem evidenciou o filósofo espanhol Fernando Savater na sua participação no evento Fronteiras do Pensamento, em Porto Alegre, a corrupção é sempre condenável, mas só assume dimensões insuportáveis numa democracia quando está associada à impunidade. Talvez seja esse o maior recado do levantamento que aponta para a rejeição dos candidatos: a população não suporta mais a hipocrisia, o uso irresponsável de mandatos, a apropriação do Estado e a traição da representatividade.

Por isso, em contraponto à decepção com governantes, parlamentares e servidores que agem mal, os cidadãos vêm devotando total apoio aos juízes e agentes públicos que não transigem com a corrupção – como ficou claro no episódio do mensalão e como fica a cada dia mais evidente na Operação Lava- Jato. Falta, agora, que essa indignação gere consequências práticas, especialmente na escolha dos futuros dirigentes do país.

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

GASTANÇA FEDERAL



ZERO HORA 26 de outubro de 2015 | N° 18336


EDITORIAL


O Planalto, que tenta convencer os brasileiros da urgência de um ajuste fiscal, deveria começar dando o exemplo, cortando gastos na máquina administrativa.


Sempre que recebe um governante estadual solicitando recursos federais, o ministro Joaquim Levy faz questão de posar para fotos na frente da parede do Ministério da Fazenda onde se localiza o cartaz com o conceito da Lei de Responsabilidade Fiscal: “Agora o Brasil só gasta o que arrecada”. Infelizmente, e a responsabilidade não é só do ministro, o próprio Palácio do Planalto vem dando maus exemplos, a começar por gastos excessivos com uma burocracia estatal que, nos últimos anos, aumenta em número e consome cada vez mais recursos, bancados com os impostos dos contribuintes. Só na ativa, o governo federal tem hoje 618 mil funcionários. Entre esses, inclui-se uma elite que, graças ao acúmulo de gratificações e vantagens, consegue auferir ganhos mensais superiores aos de ministros e aos da própria presidente da República – situação incompatível com a realidade financeira do país.

Não faz sentido que, enquanto tenta convencer o país da necessidade de um rigoroso ajuste fiscal, impondo um custo pesado para todos os brasileiros, o governo preserve práticas na máquina administrativa totalmente na contramão. A tendência a atitudes perdulárias não é de hoje, mas fica mais visível diante da crescente negação dos contribuintes a aumento de impostos e à maior cobrança por rigor das contas por parte de instituições como o Tribunal de Contas da União (TCU). Desde 2000 até agora, o número de cargos de confiança no governo federal, por exemplo, passou de 66.040 para 100.313, e nada indica que apenas a crise financeira seja suficiente para deter esse inchaço.

Pressionado pelo clamor popular, o Planalto acabou reduzindo o número de ministérios de 39 para 31 neste ano. A iniciativa, porém, tem impacto reduzido numa máquina administrativa em que ocupantes de cargos de confiança, muitas vezes cedidos de estatais, disputam 37 tipos de gratificações, como retratou, recentemente, o jornal O Globo.

O Planalto, que tenta convencer os brasileiros da urgência de um ajuste fiscal, deveria começar dando o exemplo, cortando gastos na máquina administrativa. É inadmissível que, enquanto famílias e empresas apertam o cinto, os responsáveis pela condução de políticas governamentais continuem a viver como se fizessem parte de outro mundo.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

CPI DA PETROBRAS CUSTOU UM MILHÃO E MEIO E NÃO INDICIOU POLÍTICOS




ZERO HORA 23 de outubro de 2015 | N° 18333


GUILHERME MAZUI | RBS BRASÍLIA

ESCÂNDALO DA PETROBRA. CPI que não indiciou políticos custou mais de R$ 1,5 milhão



COMISSÃO VIAJOU ATÉ A EUROPA em busca de provas, mas encerrou os trabalhos sem enxergar as contas secretas de Cunha

Oito meses de trabalho, 132 pessoas ouvidas, 1,1 mil requerimentos, uma viagem a Londres, na Grã-Bretanha, e mais de R$ 1,5 milhão em gastos. São números da CPI da Petrobras na Câmara, encerrada por um relatório que blindou políticos e fez críticas à Operação Lava-Jato.

– Foi o relatório possível, pois a CPI foi excessivamente truncada e politizada, com a tentativa de atacar o governo. Ela não avançou – reconhece a deputada Maria do Rosário (PT-RS).

O resultado levanta dúvidas sobre a necessidade das despesas. O relatório de Luiz Sérgio (PT-RJ) foi o epílogo de uma comissão criada em fevereiro, sem avanços em relação às investigações da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal (MPF).

– Há muito tempo as CPIs se tornaram inúteis, viraram um Gre-Nal político. Elas ficam caras porque não levam a lugar algum – diz o economista Gil Castello Branco, da ONG Contas Abertas.

Zero Hora solicitou, ontem, à Câmara informações sobre o custo da comissão e despesas com diárias, passagens, alimentação e hospedagem de parlamentares e número de servidores envolvidos na CPI. Segundo a Casa, os dados são fornecidos mediante pedido via Lei de Acesso à Informação, norma que determina prazo de até 30 dias para resposta.

Das despesas conhecidas, a maior remete ao contrato de R$ 1,18 milhão com a empresa americana Kroll, que deveria rastrear contas no Exterior ligadas à Lava-Jato. No relatório final, o trabalho da empresa é resumido em duas páginas, sem detalhes do que apurou. Deputados estranharam que a Kroll foi dispensada em agosto e, semanas depois, vazaram informações sobre as contas secretas na Suíça do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Os gastos da comissão foram engordados por viagens estimadas em R$ 370 mil. Alguns deputados receberam diárias, enquanto outros usaram a verba indenizatória dos gabinetes, prática que não implica em custo extra à Câmara. Onyx Lorenzoni (DEM-RS) utilizou R$ 976 da cota de gabinete para ir de Porto Alegre a Curitiba em agosto para rodada de depoimentos. Já o presidente da comissão, Hugo Motta (PMDB­PB), recebeu R$ 3,1 mil em seis diárias extras (R$ 524 cada) para duas missões.

Também houve viagem a Londres para ouvir o ex-diretor da SBM Offshore Jonathan Taylor. A comitiva de oito deputados e um servidor consumiu R$ 59 mil em diárias. O grupo embarcou num sábado, na segunda-feira almoçou com o embaixador do Brasil e o depoimento do ex-funcionário ocorreu na terça.

– O gasto com as viagens a Curitiba são normais, muita gente está presa lá. Grave foi ter poupado os políticos. Nenhum deputado investigado foi convocado, e temos muitos na Casa – critica Ivan Valente (PSOL-SP).

DEPUTADO DO DEM QUER NOVA APURAÇÃO

Já Onyx sustenta que o custo foi legítimo. O fracasso se deve ao relatório, que classificou como “absurdo”. O parlamentar planeja coletar assinaturas para abrir outra comissão.

– Assassinaram a CPI por um acordão entre PT e PMDB, e com beneplácito do PSDB. As delações de Ricardo Pessoa (dono da empreiteira UTC) e Fernando Baiano (operador do PMDB) atingem Lula e Dilma, e ficaram de fora porque são recentes. É preciso investigar mais – diz.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

O PARADOXO DOS GOVERNOS AUTOFÁGICOS



ZERO HORA 20 de outubro de 2015 | N° 18330


ANDRÉ VANONI DE GODOY*



É correntemente aceita como verdadeira a tese de que quanto maior a arrecadação tributária, maior será a capacidade dos governos de responderem à sociedade com mais e melhores serviços. Trata-se, contudo, de uma grande falácia, ao menos no caso brasileiro. Em verdade, o que ocorre na vida real é exatamente o contrário. Vejamos.

Em 2003, os brasileiros pagaram de tributos, em média, 36,98% do seu rendimento bruto. Em 2015, o percentual saltou para 41,37%. Em 1986, os brasileiros trabalharam 82 dias para pagar os tributos destinados às três esferas de governo. Em 2015, o número subiu para 151 dias, isto é, cinco meses de trabalho dos contribuintes para sustentar as máquinas dos governos federal, estaduais e municipais. Portanto, trabalhamos até 31 de maio deste ano apenas para forrar os cofres públicos. Em 10 anos, de 2004 a 2014, a arrecadação total passou de R$ 650,13 bilhões para R$ 1,955 trilhão, ou seja, um crescimento nominal de 201%, e crescimento real de 78%, descontada a inflação medida pelo IPCA (dados do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação – IBPT).

E aqueles mais e melhores serviços que viriam com este fantástico volume de recursos? Segundo estudo do IBPT/ OCDE, intitulado “Copa do Mundo da Tributação”, entre os 32 países participantes da Copa de 2014, segundo o indicador Irbes (Índice de Retorno de Bem- Estar à Sociedade), o Brasil está na 29ª posição, à frente apenas da Nigéria, Costa do Marfim e da Bósnia e Herzegovina. Logo se vê que a derrota de 0 a 7 para a Alemanha nem de longe é a mais vexatória, e deveria ser a nossa última preocupação.

Chega-se, então, facilmente à conclusão de que uma elevada carga tributária não necessariamente significa governos mais eficientes. No caso do Brasil, é exatamente o contrário. Uma parcela expressiva do volume arrecadado pelo Estado é consumida na manutenção de uma máquina pública hipertrofiada, lenta, ineficiente e perdulária. É quase como se os governos fossem a razão de sua própria existência, isto é, fins em si mesmos, quando deveriam estar a serviço de quem os sustenta, os pagadores de tributos.

Neste contexto, há dois caminhos a seguir: ou o Estado brasileiro diminui, ou se torna mais eficiente. Particularmente, penso que são caminhos que se complementam. Devemos demandar por um Estado mais enxuto e mais eficiente. Só não esperemos que isto aconteça por ação e graça de nossos políticos.

*Advogado, mestre em Direito

A FOLHA CORRIDA DE UM EX-PRESIDENTE




ZERO HORA 20 de outubro de 2015 | N° 18330


DIONE KUHN*



Se de qualquer candidato a ingressar na vida pública se espera uma folha corrida das mais transparentes, imagina para quem almeja ser presidente da República, primeiro- ministro ou secretário-geral da ONU. Tudo bem que no Brasil esse pré-requisito nunca foi levado a sério – do contrário, o país não teria elegido Fernando Collor de Mello em 1989 –, mas qualquer político que tiver a ambição de se tornar chefe de uma nação ficará muito mais visado do que um prefeito ou vereador de uma cidade interiorana. Se flertar com a corrupção, a chance de que saia no mínimo chamuscado é muito maior. Para que não pairem dúvidas sobre a conduta de um presidente da República, só resta seguir o velho provérbio: à mulher de Cesar não basta ser honesta, tem de parecer honesta.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode não ter se beneficiado de dinheiro público desviado da Petrobras. Também pode não ter feito tráfico internacional de influên- cia para ajudar a construtora Odebrecht a ganhar contratos na América Latina e na África com dinheiro do BNDES. Assim como também pode não ser verdade o depoimento do lobista e delator Fernando Baiano ao Ministério Público dizendo que repassou R$ 2 milhões “para uma nora” do ex-presidente quitar uma dívida de um imóvel. E mais: pode ser verdadeiro o que Lula disse à época do mensalão, que não sabia que os seus principais homens de confiança pagavam parlamentares da base aliada para que votassem a favor das causas do governo.

Até ontem à noite, não havia provas que desmentissem Lula. E talvez nunca venham a aparecer. Embora fique difícil de entender por que um político experiente age muitas vezes no limite da ética e legalidade e se cerque de assessores suspeitos – alguns condenados. Talvez Lula entre para a galeria dos maiores injustiçados da história da política brasileira, com o risco de carregar a pecha de o mais ingênuo de todos os ex-presidentes da República.

*Editora de Notícias dione.kuhn@zerohora.com.br

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

FALTOU UM MINISTÉRIO



ZERO HORA 16 de outubro de 2015 | N° 18326


HEITOR JOSÉ MÜLLER*




Não é difícil prever que a continuidade da crise econômica multiplicará o fechamento irremediável de postos de trabalho no Brasil. Por isto, no anúncio do governo federal sobre sua nova estrutura, faltou a criação do “Ministério dos Desempregados”.

Pelos cenários já delineados, essa pasta cuidaria de um contingente de pessoas cada vez maior. O engessamento da legislação trabalhista, os ônus e encargos diretos lançados aos empregadores, e o pesado custo da burocracia desestimulam drasticamente a geração e manutenção de empregos formais. Tudo se agrava num período crítico como o atual. Esse ministério, então, seria um ícone dos paradoxos nacionais.

Enquanto se deveria facilitar a empregabilidade no Brasil, deparamos com veemente oposição a qualquer modernização das leis trabalhistas. Além disso, cada corporação opositora se vale da figura dos “direitos adquiridos”, quando na verdade são “privilégios concedidos”, em contraste com as “obrigações” impostas aos empregadores.

Outro paradoxo está na concorrência por arranjos políticos entre os poderes constituí- dos, quando teriam que estar atuando em sintonia para promover o desenvolvimento econômico e social. Os desacertos custam caro e a conta acaba ficando maior do que o Produto Interno Bruto. Nessa etapa da equação, as autoridades partem para o aumento dos impostos, como se isso resolvesse o déficit de tantas distorções estruturais acumuladas.

Vivemos agora, também, uma contradição inédita, quando o ajuste do setor público federal incluiu uma investida nos recursos do Sistema S, totalmente sustentado pela iniciativa privada. As instituições que dele fazem parte – como o Sesi e o Senai – promovem há mais de sete décadas a empregabilidade pela educação e qualificação técnica. Caso a intenção governamental se concretize, menos oportunidades serão geradas.

A proposta de criar o Ministério dos Desempregados é uma ironia. As crises passam, os empreendedores e os trabalhadores ficam. Lucidez, ética e disposição para o entendimento irão nos libertar deste cenário adverso.

*Presidente da Fiergs

ACORDOS ESPÚRIOS



ZERO HORA 16 de outubro de 2015 | N° 18326


EDITORIAIS



São inaceitáveis os acordos em articulação no Congresso em torno da figura do presidente da Câmara. Um dos movimentos envolveria aliados do governo, que participam do esforço para evitar a cassação do mandato do deputado, suspeito de mentir a seus pares sobre depósitos secretos na Suíça. Em troca, o senhor Eduardo Cunha desistiria da ideia de aceitar um dos pedidos de abertura de processo de impeachment contra a presidente da República. Ao mesmo tempo, em manobras nas sombras, oposicionistas cortejam o parlamentar, com o objetivo de conseguir sua adesão ao plano de desencadear o processo de impedimento.

Não são iniciativas que possam ser consideradas eticamente sustentáveis. O presidente da Câmara é um político fragilizado pelo fato de que está sob investigação, como suspeito de envolvimento na Lava-Jato, e pelas recentes informações de autoridades da Suíça de que detém, comprovadamente, contas sigilosas com pelo menos US$ 2,4 milhões. Nessas circunstâncias, é inconcebível que ainda se sinta no direito de continuar comandando a segunda casa legislativa do país. E, o mais grave, que seja paparicado por governistas e oposicionistas, como o homem capaz de definir o destino da presidente da República.

A crise que preocupa a todos não pode ser amplificada por posturas que desmoralizam ainda mais seus próprios protagonistas. As articulações depreciam o parlamento, não contribuem para a resolução dos conflitos e ampliam a desconfiança da sociedade. A população espera que tais negociatas não prosperem e que, em último caso, o Supremo se encarregue de arbitrar o desfecho legal para conchavos que desonram a política.

JARDEL, CUNHA E DILMA



ZERO HORA 15 de outubro de 2015 | N° 18325



DAVID COIMBRA




Lincoln era bom de discurso. Um dos melhores oradores da História em todos os tempos. Mas, ao contrário de um Fidel ou de um Chávez, que passavam seis horas arengando, ele era objetivo. Seu discurso mais famoso durou menos de dois minutos. É o histórico Discurso de Gettysburg, realizado depois de uma vitória importante na Guerra Civil. Nesse pronunciamento, Lincoln definiu numa única frase o que é a democracia e o que significa a função do homem público:

“É o governo do povo, pelo povo e para o povo”.

Irretocável.

É por isso, por estar lá pelo povo, a fim de trabalhar para o povo, que o político eleito tem mais obrigações e deve mais satisfações do que aquele que trabalha na esfera privada. Quem recebe o voto recebe também a confiança da população e um conjunto de deveres. Se você não quiser ter esses deveres, se não quiser ser cobrado e vigiado, não se candidate.

O político eleito não pode nem se esconder atrás do cinismo da lei, do que “não é ilegal, mas é imoral”. Ou, pelo menos, suspeito.

No caso de Eduardo Cunha, por exemplo, há indícios de sobra de que ele tem na Suíça contas que dizia não ter. Ele é presidente da Câmara dos Deputados, um cargo relevante, que mais relevante está sendo agora, quando a presidente do Brasil pode sofrer processo de impeachment. Cunha, obviamente, devia se afastar do cargo, até que a situação fosse esclarecida. Obviamente.

Já a presidente ameaçada discursou na terça-feira sobre as pedaladas fiscais. Esse recurso é proibido por lei. Dilma não negou que se valeu dele. Quer dizer: não negou que infringiu a lei. Mas justificou. Disse que fez isso para pagar o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida. Isto é: para atender aos mais pobres.

Trata-se de uma demagogia e de uma falsidade. Em primeiro lugar, porque, se ela infringiu a lei, infringiu a lei. Pouco importa o fim, se foi esse o meio. Em segundo lugar, porque, se faltou dinheiro para os mais pobres, é porque o dinheiro dos mais pobres foi utilizado antes, em outras finalidades. Notoriamente, no esforço para a reeleição.

Se eu passar 30 dias em Paris, hospedado no George V, jantando em restaurantes três estrelas do Guia Michelin, depois vai faltar dinheiro para o leite do meu filho. Aí vou ali no Trader Joe’s, roubo um litro de leite e grito: “É por uma causa justa! É para alimentar o meu filho!”. Coitadinho de mim, não é?

Não. Não é.

Não acho que pedaladas fiscais sejam razão para derrubar o governo, mas não vá a Dilma posar de defensora dos necessitados porque as fez. Ela as fez por irresponsabilidade fiscal. Obviamente.

Por fim, no Rio Grande amado, temos o deputado Jardel. Todos sabemos que Jardel deu o voto decisivo para a aprovação do projeto do governo de aumento de impostos, ainda outro dia. Todos sabemos também que ele não tinha convicção desse voto. Que ficou indeciso até o último momento. E agora, depois de garantir a vitória ao governo, Jardel viaja com um assessor pela Europa, com despesas de quase R$ 40 mil pagas pela Assembleia.

Essa viagem é necessária? Vale o investimento, sabendo-se que o Estado está em situação precária?

Se Jardel e a mesa diretora da Assembleia não forem convincentes ao explicar essa viagem, a desagradável suspeita de que houve negociação do voto do deputado recairá sobre eles. Obviamente.

Jardel, Cunha e Dilma. Por favor, isso não é ser do povo, pelo povo e para o povo.

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

NOS LIMITES DA LEI



ZERO HORA 14 de outubro de 2015 | N° 18324


EDITORIAIS




Em três decisões tomadas ontem, os ministros Teori Zavascki e Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspenderam o rito de tramitação do impeachment definido com segmentos da oposição pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Com a concessão de mandados de segurança a parlamentares governistas, em caráter liminar, o presidente da Câmara mantém sob seu poder o futuro político da presidente Dilma Rousseff. A presidente da República, porém, ganha mais tempo para reorganizar sua base de apoio e apostar no desgaste do ocupante do terceiro cargo público mais importante do país, cada vez mais acossado por denúncias e já com um pedido de cassação tramitando no Conselho de Ética da Câmara.

A manifestação do Supremo não encerra a guerra jurídica pelo im- peachment, que tende a se acirrar até o julgamento do mérito pelo STF. E, a não ser que o governo federal passe a demonstrar finalmente alguma capacidade de articulação política, o clima de instabilidade também tende a se agravar, comprometendo decisões que dependem do Congresso, como o ajuste fiscal. Enquanto isso, o custo vai sendo transferido para todos os brasileiros, sob a forma de dificuldades econômicas ainda maiores.

O essencial é que, numa questão decisiva para um país às voltas com instabilidades de toda ordem, as instituições vêm cumprindo com maturidade o seu papel. É um momento doloroso da política brasileira, mas, em contrapartida, as instituições estão funcionando bem, a imprensa desfruta de ampla liberdade, os órgãos investigadores atuam ativamente e o Poder Judiciário mantém a confiança da população.

Numa democracia baseada no equilíbrio dos poderes, portanto, a decisão do Supremo tem que ser respeitada. Independentemente dos rumos que tomar a partir de agora, a discussão precisa avançar pautada sempre nos limites definidos pela Constituição.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

O MOMENTO DESANIMA, MAS É PRECISO FAZER REFORMAS



JORNAL DO COMÉRCIO 13/10/2015




EDITORIAL


As emoções político-partidárias foram demais na semana que passou. Acusações de contas na Suíça ao impassível presidente da Câmara Federal, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ); "uma página virada", segundo a presidente Dilma Rousseff (PT), na condenação, pelo Tribunal de Contas da União (TCU), das contas federais no ano passado; a não votação dos vetos presidenciais para evitar gastos, segundo o governo federal, astronômicos ao Tesouro; e a autorização, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para abrir investigação que pode impugnar as candidaturas da presidente Dilma Rousseff (PT) e do seu vice, Michel Temer (PMDB), em 2014.

E para tristeza geral, a derrota da antes decantada seleção brasileira de futebol. Jamais a equipe havia estreado com derrota nas eliminatórias de uma Copa do Mundo.

Assim, pode-se usar a frase da moda: foi mesmo "uma semana com tempestade perfeita". No caso político, claro, dependendo de que lado se está. O reajuste dos servidores do Judiciário e a chamada desaposentação não agradam ao governo, pelos R$ 70 bilhões que será o montante dos gastos.
Acalmando o ambiente, ocorreu um fim de semana prolongado, com o feriado de Nossa Senhora Aparecida e o Dia das Crianças.

Não se pode negar, o desânimo que aparece nas pesquisas feitas com industriais, comerciantes e a população em geral tem razão de ser. É muita vigarice sendo descoberta e crimes praticados por quadrilhas organizadas como antes apenas se via em filmes, mas logo se julgando que aquilo era apenas ficção ou que acontecia em outros países, não no Brasil.

Pois, agora, estamos vivenciando uma época de crimes em certos escalões da República, enquanto, na planície da população, a insegurança traz medo da própria sombra.

Então, qual a visão futura que devemos ter sobre uma sociedade melhor para além dos que trabalham com horários e deveres e que clamam por reformas?

Na Câmara dos Deputados e no Senado, espera-se que dois pecados não sejam praticados pelos nossos representantes eleitos: a neutralidade, que pode beirar à covardia cívica; e a apostasia, como ocorreu na semana em que os vetos presidenciais deveriam ser apreciados e não foram, pela falta de quórum dos deputados federais no Plenário em três sessões, mesmo estando na Casa para a sessão conjunta do Congresso Nacional.

E em Lima, Peru, a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, repetiu o que os brasileiros sabem de cor e salteado: o Brasil precisa fazer uma série de reformas para voltar a crescer, garantindo melhores condições de negócios, ampliar a qualidade da educação, modernizar as relações trabalhistas e outras alterações que gerem ganhos de produtividade ao País.

Porém, uma das características do povo brasileiro é sempre ter esperança em dias melhores. Hoje, necessitamos de uma lufada de esperança para que o Executivo, o Legislativo e o Judiciário continuem praticando as suas atribuições legais, infensos às pressões, normais até certo ponto, mas que não podem interferir no que é justo, certo e necessário. Reformas, austeridade, economia com o dinheiro público e muito trabalho, individual e coletivo.

Vamos sair da rotina de acusações e contra-acusações politiqueiras que de nada têm adiantado. Pelo contrário, só trazem confusão e não permitem que se vislumbrem soluções.

domingo, 11 de outubro de 2015

POBRE SUÍÇA POBRE



ZERO HORA 11 de outubro de 2015 | N° 18321


FLÁVIO TAVARES*



A ansiedade doentia da sociedade de consumo, que nos leva a desejar ter mais e mais a cada instante (comprando e vendendo até o impossível), atingiu, dias atrás, até um dos ícones da vida moderna. Na Alemanha, a Volkswagen confessou publicamente ter instalado um falso sistema antipoluição em 11 milhões de veículos espalhados pelo mundo, e assim lançou a dúvida sobre centenas de outras falcatruas similares com que o consumismo nos presenteia mundo afora.

Aqui, já nos acostumamos com as facilidades da trapaça. Medicamentos e universidades se propagandeiam pela TV em meio a programas que só oferecem vulgaridade. Os políticos nos mentem, mas, a cada eleição, voltamos a crer nas mentiras de amanhã. Empresários desonestos se misturam a empreendedores corretos. A burocracia do serviço público, desde a ditadura direitista, virou ameba que se alimenta do que faz e pouco faz na vida em si.

A diferença, porém, é que, na Alemanha, a própria VW tornou público o erro, puniu os culpados diretos e seu intocável presidente mundial se demitiu. Aqui, até os “delatores premiados”, que dizem “contar tudo”, poupam os “grandes” que ordenaram tudo.

Ou não é assim no assalto à Petrobras? Nossas leis são tão benignas com o crime, que, em duas semanas , Paulo Roberto Costa, que, em nome do PP, organizou a roubalheira com o PT e o PMDB, deixará a “prisão” em seu apartamento de luxo no Rio e sairá à rua, livremente. Com a “delação premiada”, sua pena terminou de fato: usará só uma tornozeleira eletrônica, sistema caríssimo pago por nós, o povo esfaqueado por impostos.

E ainda nem sequer apareceu toda a engrenagem de corrupção na Petrobras! Os extratos das “contas ocultas” na Suíça do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, do PMDB, já estão com a Polícia Federal, mas ele continua a negar que existam. E que seja dinheiro de suborno na compra de navios-sonda da Petrobras.

Mas não só tenho pena do Brasil. Tenho pena da Suíça!

Mais do que dos relógios, a Suíça vive das contas secretas dos bancos onde a trapaça mundial deposita o que desviou em silêncio. Lá está a grande lavanderia financeira, inexpugnável por anos e anos. Agora, porém, centenas de milhões de dólares repatriados de lá pela Operação Lava-Jato devem ter descapitalizado os sólidos bancos da Confederation Helvética...

Nesta semana, finalmente a Suíça repatriou US$ 19,4 milhões, parte do que o juiz Rocha Mattos (condenado em 2015) roubou da construção do prédio do Tribunal do Trabalho paulista, do qual foi presidente. Do desvio total de duas vezes mais, foi o que sobrou das meritíssimas gastanças.

Além do roubado à Petrobras pelo trio de empresários, políticos e burocratas, falta repatriar o que sumiu da construção da usina nuclear de Angra, sem contar o que milhares de brasileiros têm imobilizados por lá e que poderiam investir aqui.

Andarão pela Suíça os milhões desviados da Espanha e pagos por lá a Neymar e Messi?

Os bancos suíços são sólidos, porém, e resistirão a eventuais descapitalizações! O mundo inteiro se lava neles. Poderão estar por lá os US$ 50 milhões que nosso João Havelange recebeu em propinas da empresa ISL, entre 1992 e 2000, quando presidiu a Fifa?

Estarão por lá outros milhões de dólares que o ex-presidente da CBF Ricardo Teixeira teria recebido também como propina? A denúncia contra ambos partiu do coreano Chung Mong Joon, principal acionista da Hyundai e um dos pré-candidatos à presidência da Fifa antes de que ele próprio fosse envolvido no grande escândalo suíço de agora, que chuta direto ao gol.

Ainda nem investigamos os bilhões da Copa de 2014 no Brasil, mas já tenho pena da Suíça.

Jornalista e escritor*

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

A LIÇÃO DO TCU



ZERO HORA 9 de outubro de 2015 | N° 18319


EDITORIAIS





Entre a recomendação do Tribunal de Contas da União para que o Congresso reprove as contas do último ano do primeiro mandato da presidente e o possível impeachment da senhora Dilma Rousseff há uma distância quilométrica, repleta de obstáculos jurídicos, políticos e de dúvidas constitucionais. São prazos regimentais tão longos e questões legais tão duvidosas, que o mais provável é a indefinição até o final do mandato, como, aliás, ocorreu com outros presidentes que ainda não tiveram suas contas examinadas pelo Congresso.

Mais de 10 processos oriundos do TCU ainda aguardam exame do parlamento, que nunca foi muito rigoroso na análise dos pareceres. Mas, afora as controvérsias jurídicas e políticas provocadas pela deliberação do Tribunal, o país passou a dispor de uma lição válida não só para o governo federal, mas para todos os administradores estaduais e municipais. A Lei de Responsabilidade Fiscal, que o setor público ainda teima em desprezar, tem de ser respeitada.

O TCU fez valer, a partir de avaliações técnicas, o cumprimento de normas e parâmetros que não podem servir apenas para o prefeito de uma pequena cidade. Os preceitos orientadores da moralidade na administração devem ser respeitados por todos os setores da área federal.

Não era o que vinha acontecendo há muito tempo e, pelo que informa o Tribunal, agravou-se nas contas do ano passado, com a movimentação de valores elevados. União, Estados e municípios, sustentados por máquinas administrativas ineficientes e propensas à corrupção, terão de se submeter, sem exceções, às leis e à austeridade, sob pena de enfrentarem as penalidades daí decorrentes.

QUE HORA PARA CUMPRIR A LEI!



ZERO HORA 09 de outubro de 2015 | N° 18319


DAVID COIMBRA



Concordo com o argumento dos governistas nesses casos de condenações do TCU, do TSE e tudo mais. Eles dizem: “Todo mundo sempre fez errado, e, agora, quando nós fazemos, vamos ser condenados!”

É bem isso.


Vi inclusive um vídeo da senadora Gleisi Hoffmann em que ela sugeria que o TCU fizesse uma censura severa ao governo, advertindo: a partir de agora, não pode mais infringir a lei.

Uma autoridade dizendo algo desse quilate pode parecer obtuso, mas, no caso de Gleisi, sei lá, achei bonitinho.

A verdade é que estamos nos defrontando com nosso cinismo. No Brasil, há leis que simplesmente não funcionam. O Congresso aprova, o presidente sanciona, o Diário Oficial publica, e depois alguém diz: “Ih, essa lei não vai pegar...”

E não pega.

Como poderia explicar isso para um americano? Uma lei que “não pega”... Já desisti, prefiro falar da Amazônia, que é popular por aqui.

Mas é assim que é. Nós, brasileiros, damos de ombros e nos desculpamos: “Quem nunca?...”

Pois é. Quem nunca cometeu pequenas ou até grandes infrações? E há diferenças entre elas, claro que há. Aquela faxineira que comeu o bombom da mesa do chefe, em Roraima, fez errado. Talvez o chefe devesse demiti-la, se perdeu a confiança nela. Mas abrir inquérito contra a mulher por isso? Não, né?

A infração que o governo Dilma cometeu é grande ou pequena? Não tenho convicção formada a respeito. Tenho, isto sim, de que esses tribunais de contas sempre se comportaram dentro do espírito do “Quem nunca?”. Os técnicos de um tribunal analisavam as contas de um governo, identificavam uma série de irregularidades, e o próprio tribunal se encarregava de deixar por isso mesmo. Censurava o governo, como sugeriu Gleisi, e pronto, vamos embora, não vamos mais pensar nisso.

Nardes gosta da Dilma? Nardes não gosta da Dilma? Nardes é boa pessoa? Nardes tinha boa intenção? Não sei. Só sei que não podemos criticar o homem porque ele fez o certo. Ele e o resto do tribunal. As contas tinham problemas? Foi recomendada a rejeição. Não é o que devia ser feito?

“Pô, mas justo conosco?”, gritam os governistas. “É implicância!”

Pode ser que seja, mas um dia nós tínhamos de começar a levar a coisa a sério.

Os empreiteiros também podem se queixar exatamente como se queixam os governistas. Pense bem: você é dono de uma construtora e sabe que as contas gordas estão com o governo. Sabe também que, para conseguir essas contas gordas, terá de pagar uma “comissão” para algum representante do partido hegemônico. Quem não paga não leva; quem não leva perde para a concorrência; quem perde para a concorrência acaba fechando. O que você faz? Deixa a sua empresa fechar ou paga a “comissão” para o partido que está no poder? Paga a comissão, é claro.

Sempre foi assim.

Agora não é mais.

Sacanagem com esses empreiteiros? Falta de sorte deles? Perseguição? Seja. Mas o Sergio Moro não tem nada a ver com isso. Ele está fazendo o trabalho dele.

Como vamos lidar com o nosso cinismo, sentindo agora a necessidade de cumprir as regras do jogo?

Talvez a Gleisi esteja certa, afinal. Talvez tenhamos de chamar todo mundo e avisar:

– Ó: a partir de agora, só pode o que pode. O que não pode, não pode mais.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

O QUE PODE A JUSTIÇA FAZER?





ZERO HORA 06 de outubro de 2015 | N° 18316


POR CEZAR MIOLA*



Há poucos dias, o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, decidiu acerca de um pedido do governo do RS. Embretado pela crise financeira, o Estado tentava impedir o bloqueio de suas contas uma vez confirmado o atraso no pagamento da parcela da dívida com a União.

A síntese daquela decisão consta de entrevista do mesmo ao jornal Zero Hora, quando afirmou que “o Judiciário não pode autorizar ninguém a deixar de honrar um compromisso legal”. É certo: contratos devem ser cumpridos, mas também é verdade que ajustes desequilibrados podem ser revistos a qualquer tempo.

É por isso que saúdo a decisão do Piratini de agora requerer a revisão envolvendo o acordo de 1998. Não se pode admitir que encargos de uma dívida inviabilizem o pagamento em dia dos salários de milhares de servidores, além de outros compromissos essenciais. Há mais tempo a OAB/RS já levara a discussão ao STF.

Mesmo com tantas demandas sociais, o Estado nunca deixou de honrar o contrato. Ainda assim, a dívida, que era de R$ 25 bilhões, já alcança quase R$ 50 bilhões, apesar dos R$ 35 bilhões quitados (valores corrigidos para dez/2014). É certo que houve avanços, como a Lei Complementar nº 148/2014. Mas o Planalto jogou sua implementação para um 2016 cada vez mais enevoado. E a bancada gaúcha no Senado vem de propor o PLS nº 561/2015, pelo qual se mantém a atualização monetária, mas com o expurgo dos abusivos juros de 6% ao ano (se aprovado, de devedor o Estado passaria a credor – seriam quase R$ 6 bilhões pagos a maior).

Há longo tempo defendo a renegociação da dívida, em sintonia com instituições, entidades e agentes públicos do Rio Grande. O cenário mudou muito desde a assinatura do contrato. Se nas relações privadas as bases são rediscutidas normalmente, mais razões existem para que tal se dê entre entes federados, em que o interesse público supera as questões meramente negociais.

Rui Barbosa afirmou que ao Supremo é dado o direito de errar por último. Nessa história de já tantos percalços, nossa confiança é no acerto do seu desate, em nome da justiça e da dignidade. É o que a Justiça pode fazer.

*Presidente do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul

OUTRA MANOBRA



ZERO HORA 06 de outubro de 2015 | N° 18316


EDITORIAIS



Diante da perspectiva de ter suas contas rejeitadas pelo plenário do Tribunal de Contas da União, em julgamento programado para esta quarta-feira, o governo decidiu usar uma estratégia procrastinadora, questionando a imparcialidade do relator José Augusto Nardes. Sob o argumento de que o ministro teria se pronunciado publicamente sobre um processo pendente, a Advocacia-Geral da União pediu a sua substituição.

O pedido causou desconforto na Corte, pois está sendo interpretado como uma tentativa de cerceamento, mas dificilmente alterará a tendência de rejeição das contas presidenciais. Ainda assim, possibilitará ao governo levar o debate para o Supremo Tribunal Federal e retardar por tempo indeterminado o seu desfecho, que é aguardado pela oposição como um pretexto para novos pedidos de impeachment da presidente.

Ainda que uma eventual reprovação seja confirmada, o im- peachment continuará sendo mais um desejo de adversários políticos do que uma possibilidade constitucional. Como bem esclareceu recentemente o ex-presidente do STJ Ayres Britto, o primeiro mandato da presidente é página virada para fins de impeachment e, no segundo, pelo que se sabe até o momento, ela não cometeu crime de responsabilidade.

Isso não impede, porém, que a questão das pedaladas fiscais seja apurada e que os responsáveis pelas manobras ilegítimas sejam devidamente punidos. O próprio governo, ao editar na última sexta-feira um decreto que proíbe o Executivo de manter pendências com instituições financeiras por mais de cinco dias, reconhece tardiamente que errou ao fazer uso da irregularidade.

UMA VERGONHA



ZERO HORA 06 de outubro de 2015 | N° 18316


DIONE KUHN*



O que faz um presidente da Câmara atolado em denúncias continuar circulando com desenvoltura entre seus pares sem ser importunado, tomando decisões como se fosse o presidente da República?

Eduardo Cunha mentiu ao dizer que não tinha conta secreta na Suíça. O Ministério Público daquele país confirmou a informação surgida a partir de depoimento à Polícia Federal do empresário João Henriques, lobista ligado ao PMDB. Foram descobertas não uma, mas quatro contas, todas atribuídas ao deputado, que totalizam US$ 5 milhões.

Se Cunha mentiu, significa que ele quebrou o decoro parlamentar. E, se quebrou o decoro, só há um caminho: abrir um processo de cassação de seu mandato. Mas até agora ninguém fez isso, por duas simples razões.

Para o esfacelado e desacreditado PT, é melhor não incomodar Cunha, por mais comprometido que esteja, do que cutucar a fera, pois é ele quem ainda tem a caneta da mão. Em questão de segundos, pode dar prosseguimento a um processo de impeachment contra Dilma Rousseff.

Por sua vez, a oposição, liderada pelo PSDB, que brada pelo fim da corrupção no governo petista, está silenciosa, pois sabe que, se derrubar Cunha, a chance de prosperar o impeachment de Dilma diminui.

Que o PT virou refém de Cunha e já perdeu faz tempo a coerência, ninguém mais tem dúvida. Agora, o PSDB, que tenta virar a página da crise política se colocando como uma alternativa concreta de poder, calar-se diante da impunidade é dar a certeza ao eleitor de que o seu discurso contra a corrupção só vale para derrubar Dilma e para atender aos seus próprios interesses.

Se o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em seu livro Diários da Presidência – que será lançado ainda neste mês –, revela que em 1996 recusou a indicação de Cunha para ocupar uma diretoria na Petrobras porque já sabia de quem se tratava, qual a justificativa para os parlamentares tucanos permanecerem calados neste momento em que as evidências são infinitamente maiores?



*Editora de Notícias dione.kuhn@zerohora.com.br

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

OS GASTOS DOS VEREADORES



ZERO HORA 05 de outubro de 2015 | N° 18315


EDITORIAIS



Enquanto a crise financeira vem levando alguns prefeitos gaúchos a reduzir seus próprios salários, muitos vereadores seguem despendendo verbas públicas sem qualquer critério, ignorando as dificuldades de caixa. Levantamento do Ministério Público de Contas mostra que, só no ano passado, mais de R$ 16 milhões foram gastos por legisladores municipais gaúchos em diárias de viagens, a maior parte em cidades turísticas, sob a justificativa de que estavam realizando cursos de qualificação. O estudo, divulgado em recente reportagem da RBS TV, reafirma o quanto os cidadãos, favorecidos pela proximidade geográfica, devem ficar atentos aos desperdícios das Câmaras Municipais.

Nos cálculos da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), mais de uma centena de cidades gaúchas terá dificuldades para fechar as contas neste ano. Isso significa que seis entre 10 prefeituras deixarão pendências financeiras para serem quitadas em 2016. Por isso, não faz sentido que, nessas e em outras cidades, muitos vereadores continuem destinando verbas públicas a diárias, combustível e inscrições em atividades realizadas quase sempre pela mesma empresa.

Dos Legislativos, que têm entre suas atribuições a fiscalização do Executivo, os cidadãos esperam sempre que deem bons exemplos. Isso significa que, na impossibilidade de reduzirem gastos de recursos – cada vez mais em falta em áreas como saúde, educação e conservação de ruas –, os vereadores deveriam pelos menos aplicá-los melhor e com mais parcimônia.

domingo, 4 de outubro de 2015

O GOLPISMO E A GUILHOTINA MODERNA



CORREIO DO POVO Porto Alegre, 04 de Outubro de 2015


JUREMIR MACHADO DA SILVA

  

Sábado passado fomos ao aniversário do Paulo Pinto, primo da Cláudia, com apresentação do hilariante Guri de Uruguaiana, e depois ao lindo show da Glau Barros, uma das melhores intérpretes de samba do Rio Grande do Sul atualmente. Na solidão do domingo nublado, escuto Joss Stone, Water for you soul, e releio Imagens e imaginário na história – fantasmas e certezas nas mentalidades desde a Idade Média até o século XX, de Michel Vovelle. Gosto muito de um texto dessa obra erudita: “A guilhotina: instrumento de terror”. Será que é um sintoma de algum fantasma que me assombra me fazendo desejar que cabeças rolem? Não creio. O máximo de violência que me atinge é desejar, sem jamais chegar a pronunciar uma só palavra, salvo no futebol de sábado à tarde, mandar alguém para a ponte que partiu.

Vovelle cita uma cançoneta popular interessante: “O deputado Guillotin/em arte médica/muito capaz e astucioso/fez uma máquina/para expurgar o corpo francês/de todas as pessoas com ideias/É a guilhotina, olé/É a guilhotina…” No Brasil contemporâneo, a guilhotina é o impeachment. Não que o impeachment corte cabeças de gente com ideias. Collor nunca teve uma só. Dilma Rousseff anda em busca de uma que a salve da máquina dos deputados Guillotin. O fantasma que a assombra talvez seja o da Rainha de Copas, de Alice no país das maravilhas, gritando “cortem-lhe a cabeça”. Não era Dilma que tinha fama de rainha destemperada? A maior certeza do cidadão atual é que, na política, não tem roubo sem a conivência do chefe.

O impeachment está previsto na Constituição, mas não para satisfazer a ira da Rainha de Copas (a oposição? O senso comum?) por qualquer razão ou sem razão alguma. Precisa uma justificativa jurídica, um crime de responsabilidade. A prova de que essa prova ainda não foi encontrada para acionar a guilhotina e destituir Dilma da sua cabeça já perdida é o entusiasmo da oposição com o pedido de impeachment de Dilma feito por Hélio Bicudo, jurista e ex-petista. O que tem a demanda de Bicudo que não têm os outros 21 requerimentos para transformar a presidente em Maria Antonieta pós-moderna? Nada. Salvo o fato de ter assinatura de Hélio Bicudo. A sua legitimidade vem não da apresentação de provas, mas do famoso “quem está dizendo o quê”. Não cabe falar da possível simetria entre Bicudo e tucanos.

A guilhotina do impeachment não é um instrumento de recall contra a incompetência de governantes. Vovelle diz que a guilhotina “estava para o massacre como o Terror estava para a violência espontânea”. A guilhotina assumiu o papel de ferramenta da violência institucionalizada. O ritual que ela exigia antes de cair sobre qualquer cabeça tornou-se cada vez mais sumário. Havia pressa. Os revolucionários tornaram-se rainhas loucas gritando: cortem a cabeça. O impeachment sem crime de responsabilidade é uma guilhotina sem ritual ou a violência “espontânea” das oposições contra as ideias ou falta de ideias de quem está no poder. Na Revolução Francesa, o “guilhotinador” de um dia foi guilhotinado no outro.

Será o PT um Robespierre a caminho do patíbulo onde pagará pelo terror que gerou?

sábado, 3 de outubro de 2015

NOVO PARADIGMA NA POLÍTICA



ZERO HORA 03 de outubro de 2015 | N° 18313


ALCIDES GUSSO*



As elites do poder, que formam a trilogia Legislativo, Executivo e Judiciário, herdeiras das elites lusitanas do Brasil Colônia, construíram um sistema feudal, desde a proclamação da República, em que a sociedade está a serviço dele. A influência perversa exercida sobre a sociedade por esse mandonismo político cria a sensação de que o regime democrático é apenas uma mera formalidade, desfrutada, usada e mantida pela classe política que domina o poder da nação. Não existe qualquer sentimento de interesse coletivo no comando das elites brasileiras. Não as move qualquer idealismo republicano.

Elas, que têm o Congresso Nacional e têm o poder e o dever de fazer as reformas de que o Brasil necessita para se modernizar e crescer, não o fazem, pois isso colocaria em perigo os seus privilégios. As elites políticas são responsáveis pelo lamaçal de corrupção que se instalou no Brasil na mais virulenta contaminação. Soa, enfim, a hora em que o império da lei muda o centro da gravitação da política brasileira. Os bandeirantes e paladinos da ética, da democracia e da Justiça: o ex-presidente do STF Joaquim Barbosa, o juiz Sérgio Moro em Curitiba e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot M. de Barros, por força de suas vertentes naturais, criaram um novo paradigma na política brasileira, colocando atrás das grades todos os corruptos sem distinção

Isto nunca havia acontecido no Brasil. Portanto, o Brasil está mudando. Já brilha a verdade, resplandece a Justiça e se fortalece a democracia, rompendo o denso nevoeiro das conveniências, da corrupção e das mistificações que assolam a realidade nacional.

*Advogado

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

GRANDES NEGÓCIOS



ZERO HORA 02 de outubro de 2015 | N° 18312



MOISÉS MENDES




Participo de reuniões semanais, sem pauta definida, com dois colegas da Zero, o Leandro Fontoura e o Luiz Antônio Araujo. Tentamos avaliar a conjuntura com isenção e distanciamento. Na quarta-feira, tratamos de negócios que podem dar dinheiro em um ambiente de incertezas. Não falamos de pouco, mas de bastante dinheiro.

Uma hipótese considerada: reunir as 500 mil assinaturas exigidas pela Justiça Eleitoral e fundar um partido. Outra ideia: não reunir nenhuma assinatura, mas algumas pessoas de fé, e criar uma igreja.

Mais uma: reunir dois ou três colegas e criar uma startup, essas empresas pequenas, inovadoras, atrevidas, com perspectiva de sucesso meteórico, mas que geralmente quebram em um mês.

Para criar a empresa, é preciso ter uma boa ideia. Todas as surgidas na mesa já foram desenvolvidas, algumas há mais de 50 anos. Consideramos então o mercado potencial para uma nova igreja.

Igrejas também são empresas, algumas com bancos, e muitas delas nem consideram o diabo, o pecado e a indulgência como elementos essenciais. Levam em conta o dízimo.

Agora mesmo, por trás da aprovação do chamado Estatuto da Família, que discrimina casais gays, há pretextos saídos de biombos de igrejas que abrigam o que há de pior no inferno e na política.

Algumas igrejas não precisam lidar com dogmas religiosos, mas com questões de costumes. Pregadores eclesiásticos se dedicam à homofobia para manter seus rebanhos em alerta. O diabo sabe bem quem são eles.

Mas uma igreja gerida como negócio exige estudo e dedicação aos fiéis, além do incômodo de lidar com a inadimplência. Por isso, a grande ideia do momento não está na fé, mas na criação de um partido. O Brasil já tem 35, o mais recente é o Partido da Mulher Brasileira.

Um partido nasce com mercado. A primeira providência é oferecer apoio ao governo e negociar cargos e tempo na propaganda da TV. Eles receberão neste ano R$ 868 milhões do fundo partidário, bancado pelo povo.

Criar um partido (de direita, claro) é melhor do que apostar na bolsa (no fajuto capitalismo brasileiro, sabe-se agora que a bolsa desandou e não ressuscita porque era sustentada, ora vejam, pela Petrobras).

Concluímos então que o grande negócio é a política. Desde que mantidas as doações das empresas às campanhas. OBrasil ainda terá 200 partidos. E muita gente sentirá saudade do Eduardo Cunha e do Renan Calheiros.

ESTOU COM PENA DA DILMA


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ZERO HORA 2 de outubro de 2015 | N° 18312



DAVID COIMBRA



A primeira vez que entrevistei Lula foi nos anos 1980. Não me lembro exatamente do ano, lembro-me exatamente do lugar. Foi no salão paroquial da Igreja São José, na Praça Nereu Ramos, centro de Criciúma. Lula puxou uma cadeira e nós nos sentamos em volta. Éramos poucos, Lula então não passava de curiosidade. Ele ficou falando durante muito tempo. O que me chamou a atenção foi exatamente isso: como ele gostava de estar ali, falando, se promovendo. Seus olhos brilhavam, enquanto se expressava.

Lula nunca foi grande orador. Sempre foi grande comunicador. Grande orador foi Pedro Simon. Não pelo conteúdo; pela forma. Se você larga a lista de compras do súper na mão do Simon, ele vai começar a ler aquilo: “Trezentos gramas de carne moída, massa, um quilo de arroz, papel higiênico, cebola, feijão mulatinho, creme de leite...”. Ele vai começar suavemente, quase de forma sussurrada, na carne moída, e vai no que os jogadores chamam de “num crescendo”, e vai, até que, quando chegar ao creme de leite, você é que estará urrando, de punhos cerrados e dentes rilhados, querendo fazer a Revolução.

Brizola também foi grande orador. Usava umas figuras de linguagem que tocavam o ouvinte e lhe suavizavam o conteúdo. Chamava o Cid Moreira de “bugio branco” e, de Garotinho, disse que não se podia confiar num sujeito de cara redonda. Como não rir?

Collor é outro que sabe discursar. Melhor do que Lula, até. Mas não tem o mesmo poder de comunicação. Lula nunca fala além do óbvio, mas sabe para quem fala.

Curioso, isso. Poucos políticos brasileiros são oradores de texto, como era João Neves da Fontoura.

Churchill era homem de texto, mas não tinha ênfase. Hitler, sim. Hitler empolgava pelo vigor.

Como será que discursava Marco Antônio, que, com a toga ensanguentada de César nas mãos, levou os romanos à sedição, pelo menos segundo Shakespeare?

Mas estou divagando. O que queria dizer é que o político tem de ser inflamado por essa verve, tem de gostar da palavra, ou será sempre um político das sombras, não das luzes.

Dilma não tem isso. Dilma não gosta de falar, atrapalha-se quando discursa, fica aborrecida quando questionada. O que me leva a concluir que ela talvez nunca quisesse realmente estar tão exposta quanto está. Talvez ela faça sacrifícios para exercer o cargo.

Por essa razão, sinto pena de Dilma. Sei que já vão gritar: “Tinha de ter pena dos brasileiros, que...”. Sei, sei. Mas não estou falando do governo de Dilma, que de fato é ruim. Estou falando da pessoa e da cruz que tem de carregar. Suponho que Dilma teve, por exemplo, de receber esse rapaz que faz na internet o perfil “Dilma Bolada”. Os marqueteiros devem tê-la forçado a suportar tal constrangimento. Ela tirou fotos com ele, os dois cabeça com cabeça, sorrindo. Ele começou esse perfil, uma página bobinha no Facebook, quando tinha 19 anos, idade em que as pessoas, se não forem precoces como um Rimbaud, são mesmo bobinhas.

Esse menino ficou famoso graças à ligação com Dilma, ganhou por isso patrocínios indiretos do PT. Recebeu gordo dinheiro. Lucrou com a imagem de Dilma. E agora anuncia que está “rompendo” com a presidente. Um rapazote de 25 anos, que nunca foi nada além de fake em rede social, diz que “retira o apoio” à presidente do Brasil. E a presidente, além de todas as tragédias do seu governo, além da sua natural incompatibilidade com certas funções, além dos problemas com a oposição e até com a situação, tem de lidar com isso. Francamente. Coitada da Dilma.