ZERO HORA 31 de outubro de 2015 | N° 18341
DANIEL SCOLA E ROSANE DE OLIVEIRA
ENTREVISTA
“No jogo político, é normal toma lá dá cá”
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em entrevista ao programa Gaúcha Atualidade, falou a respeito da crise política atual e do seu livro recém lançado, Diários da Presidência, com anotações feitas entre 1995 e 1996.
Como o senhor tem recebido a reação à divulgação do livro?
Com tranquilidade. Porque é um livro muito aberto, muito sincero. Não é um julgamento de pessoas, nem de situações. É uma reação momentânea e aberta, franca, minha. Não tenho nenhum problema que critiquem ou não. O meu interesse, na verdade, é, primeiro, mostrar como funciona realmente, por dentro, quem toma as decisões de poder. Quais são os constrangimentos de todo tipo: pessoais, família, amigos, inimigos, interesses e tudo mais. Segundo, porque acho que o Brasil está vivendo um momento de tanta confusão, tanta dificuldade, que é preciso também dar um estímulo.
No livro, o senhor se mostra incomodado com o toma lá dá cá. Há formas de mudá-lo?
No jogo político, é normal que haja, não digo um toma lá dá cá, mas, quando você vai governar, precisa de alianças. E isso implica naturalmente em dar participação. Agora, tem limites. Primeiro, você tem de ter um objetivo. É aceitável um toma lá dá cá, desde que seja para cumprir um objetivo, uma agenda, alguma coisa de propósito maior para o Brasil. A leitura do livro mostra que cumpríamos uma agenda que tínhamos no programa apesar do toma lá dá cá.
Um dos pontos mais polêmicos foi sua manifestação sobre a Petrobras. O senhor reconhece que foi alertado de que a estatal era um escândalo.
Mas o escândalo que foi alertado ali não era de roubalheira, era de gestão. Havia uma sobreposição de gestão entre o conselho administrativo e os executivos, havia um diretor que mandava muito... Enfim, não era roubalheira.
O senhor se arrepende de não ter estourado essa bolha? É justamente no problema da gestão que as coisas aconteceram.
Estourei, mudei tudo, reestruturação de cabo a rabo. Agora, você tem de ver em que momento. Política não é uma coisa que você faz o que quer na hora. O político é responsável não só por suas convicções, seus valores, pelo o que é certo, mas por construir possibilidades de executar o que é certo. No caso da Petrobras, naquela conversa, estávamos ainda lutando pela quebra do monopólio do petróleo. E a diretoria da Petrobras estava de acordo. Você tem de ir passo a passo. E, depois, transformamos a Petrobras do que ela era, uma repartição pública, em uma empresa. O que quer dizer isso? Em vez de ter influência de partidos e políticos, que seja regulada por regras mais objetivas e pelo mercado.
O senhor sugeriu a renúncia da presidente Dilma como um “ato de grandeza”. Sugere que entregue o cargo para Michel Temer ou espera que o vice renuncie para haver nova eleição?
Não. Estava pensando o seguinte, como a presidente está numa situação tão delicada, tão difícil, com baixa popularidade, dificuldade de aprovar qualquer coisa no Congresso, o que seria com grandeza: “Vocês querem que eu saia? Saio, mas primeiro me deem tais e tais reformas.” Para criar um clima mais positivo, porque do jeito que está ela pode até ficar, mas vai empurrando o tempo com a barriga.
Qual seria o caminho mais adequado para o país?
O menos custoso é a renúncia. Qualquer outro sistema é complicado: o impeachment é um processo longo, é um debate, paralisa o país. Uma decisão do tribunal eleitoral que anule a eleição provoca também uma grande confusão. Tudo isso é muito fácil de falar e quem conhece o processo histórico sabe que tem um custo para o país muito elevado. São dois os caminhos menos custosos: ou ela assume, chama o país às falas e apresenta um caminho crível para o país e recupera a força, pode governar – mesmo que a gente fique contra –, ou ela pelo menos deixa uma marca forte. “Olha, saio se vocês aprovarem tal e tal coisa, uma reforma eleitoral porque esse sistema está fracassado; mexer na previdência, senão vai falir”.
O senhor faz ressalvas à relação dúbia do PSDB no Congresso com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha?
Cunha é o presidente da Câmara. E você, para mover as coisas, precisa do presidente. Minha opinião é que, diante de tudo que já se publicou e está comprovado, as contas no Exterior, ele está perdendo condições morais de ser presidente. Foi pedido à Comissão de Ética para analisar a situação dele. O PSDB deve ser implacável.
O senhor aceita o ajuste fiscal?
Fiz ajustes, e é sempre penoso. Agora, você só consegue fazer os ajustes quando tem o apoio de setores importantes do país que se reflitam no Congresso, para ter maioria. Mas, sem um horizonte de esperança, o ajuste é operação sem anestesia. É o que está acontecendo. Tem de tapar o déficit. Mas qual é a reação dos contribuintes: vai aumentar imposto em cima de mim e vocês vão crescer o governo, o número de funcionários. O exemplo tem de começar em casa.
O senhor disse, no Roda Viva, que Dilma é uma pessoa honesta e correta, mas não poderia dizer o mesmo de Lula.
Não foi o que eu disse. Acho que ela é correta, não pega propina, essas coisas. A responsabilidade que ela pode ter é política, não pessoal, de conduta. E com relação a Lula, me perguntaram se é a mesma coisa e eu disse que ele deve ter interesse em passar a limpo algumas coisas que estão aparecendo. Ele tem de demonstrar que não tem nada a ver com esses casos.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Se é normal o "toma lá dá cá" são normais os atos de corrupção, de compadrio, de imoralidades e de irresponsabilidades sem punição no jogo político. Não é a toa que atos atos sejam banalizados no poder, dando maus exemplos, estimulando a ilicitude e desacreditando os poderes da República, a democracia, as leis, a justiça e a gestão dos recursos públicos.
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