O PIOR CRIME DO SENADOR

FÁBIO BRODACZ, PSIQUIATRA E PSICOTERAPEUTA - ZERO HORA 02/01/2012

A costumados a cenas de redenção de nossos políticos corruptos, alçados de volta ao poder pela conjunção de votos aos borbotões com generosas brechas jurídicas, quase não nos perturbamos. A clássica imagem do ressurgido erguendo os punhos e comemorando o sortilégio em praça pública já não nos faz mover na poltrona. Indolentes que estamos, já não temos dificuldade em alcançar o caderno que irá nos informar os filmes em cartaz na cidade.

O senhor senador da República Jader Barbalho conseguiu, ao menos em um dos leitores deste jornal, reverter essa tendência. De uma decidida busca pelo guia de cinema ao atordoamento paralisante, não foi preciso passar da primeira página: pois o que fazia na capa de Zero Hora um garoto com a língua de fora e polegares nas orelhas? Não estivesse em trajes sociais, o guri da foto bem poderia estar ilustrando o mês de recesso escolar, e o achincalhe do menino, um gesto de galhardia pelo ano letivo que deixou pra trás. Mas aquela gravata de nó perfeito vestida em um púbere em finais de dezembro tem algo de bizarro.

É pouco provável que tivesse sido permitido ao menino escolher entre comparecer à festa patética de regresso do pai à esfera do poder e ir-se de bermudas ao encontro dos amigos, que certamente gozavam suas férias em paradeiros mais dignos. Mais provável tenha sido convocado às pressas para ser exposto ao ridículo em cadeia nacional. Reproduziu o garoto com desenvoltura os exemplos de convívio social que recebe do pai e virou matéria-prima para os chargistas de todo o país. Justo aquele que, na condição de menor, mais deveria ser preservado do impróprio festejo.

E o que realmente era aquilo: um filho caçoando o mundo em nome do pai, ou um filho aviltando o pai para o mundo ver? Uma segunda foto exibiria um pré-adolescente engravatado dando bananas para o povo ou um pirralho erguendo a figura do seu super-herói preferido, aquele que o devolveria à piscina ainda naquela tarde? Devo me indignar com a farra familiar ou me compadecer do menino que teve as férias cassadas?

Afinal, qual o pior dos crimes: apropriar-se do patrimônio público ou ceifar a infância alheia oferecendo o próprio filho ao escárnio coletivo?

Alguém, então, pode informar o que mesmo o menino estava fazendo ali? Proponho um acordo: ele estava de brincadeira com todos nós.

Em cartaz nos cinemas de todo o país: Tudo pelo Poder.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - O "CARTAZ" reflete a imagem e comportamento de nossos "representantes" em Brasília, especialmente no Senado da República. Agem com total descaso com as questões nacionais, deixam outros poderes fazerem as lei, se ausentam, se omitem e tratam seus eleitores como meros serviçais, importantes só na hora do voto. O pobre menino só repetiu as mesmas caretas do pai dirigidas para a justiça brasileira e para todos nós que custeamos os extravagantes salários dos senadores, as farras, os atos secretos, a improdutividade legislativa e o grande número de funcionários e seus altos salários no Senado Federal.