ZERO HORA 06/06/2015 - 03h51min
Leitor critica uso de frase em francês escrita em cartaz levado a Paris por comitiva de gaúchos
Por: Cláudio Moreno, escritor e professor
A comitiva gaúcha que esteve recentemente em Paris, onde aproveitou para divulgar a Expointer, fez o leitor Arthur Z., de Pelotas, enviar uma inusitada consulta a esta coluna. Escreve o leitor:
— Mas que fiasco brabo, professor! Levaram um cartaz com a frase Avec le champ, tous Etat se développe, achando que estavam dizendo ‘Com o campo, todo Estado cresce’. Vi especialistas comentando no jornal que isso é francês mais falso que uísque paraguaio, mas não mostraram a forma correta. Embora não se trate da língua portuguesa, assim mesmo o senhor podia dar uma mãozinha aqui?
Posso, sim, caro Arthur, mas com extrema cautela, porque não gosto de invadir seara alheia.
Não sou especialista na língua de Montaigne, mas aposto um quilo de erva-mate que o início desta frase já deixou os franceses atordoados. Para começar, campo, aqui, pode ser entendido de duas maneiras: ou designa metaforicamente o agronegócio (que era, suponho, a intenção de quem redigiu a frase), ou designa, como no discurso de esquerda, os movimentos sociais de agricultores (lembro, por exemplo, “O Grito do Campo”).
Para o primeiro sentido, sempre vi usarem, em francês, o plural champs (“les champs et l’industrie”, por exemplo), e duvido que tenham entendido o que os autores do cartaz pretendiam.
A escorregada mais grave, contudo, é gramatical — um erro bem visível, daqueles que não se podem debitar a uma imprecisão de estilo. Tanto no francês quanto no português, haveria duas formas corretas de construir a segunda parte da frase: ou se escrevia “tous les Etats se développent” (“todos os Estados se desenvolvem”), com o indefinido todo no plural, seguido de artigo, com o verbo na terceira pessoal do plural; ou se escrevia “tout Etat se développe” (“todo Estado se desenvolve”), com o indefinido todo no singular, sem artigo, com o verbo na terceira do singular.
Tínhamos duas chances de dar no prego, mas a autossuficiência amadorística dos responsáveis fez com que déssemos bem na tábua, com aquele horripilante “tous Etat se développe”, em que o plural do indefinido aparece brigando a coices com o singular do substantivo Etat. Que papelão! Então uma comitiva atravessa o Atlântico para mostrar a pujança e a modernidade do Rio Grande do Sul — e chega lá com a meia rasgada e com uma casca de feijão no dente?
Há fortes suspeitas de que a canhestra construção não brotou de cérebro de gente, mas de um desses tradutores eletrônicos que, se chegam a ter alguma serventia para a leitura inicial de um texto, jamais poderiam ser usados para a frase central de uma campanha de marketing.
Na Copa do Mundo, vimos os desastres dessas traduções literais enchendo os cardápios dos restaurantes de pérolas como against fillet (“contrafilé”), sun meat (“carne de sol”), beef-steak to the horse (“filé a cavalo”) e iced kill (mate gelado).
Vá lá que asneiras como essas ocorram em botequins e quiosques de praia; o inadmissível é que partam de um órgão do governo que não teve a humildade suficiente para reconhecer sua ignorância quanto ao francês. Não sabem? Então perguntem a quem sabe. Não têm certeza? Então confiram com os especialistas. Só não nos rachem a cara de novo, por favor.
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