O Estado de S.Paulo, 07 de maio de 2013 | 7h 14
OPINIÃO
A Câmara Municipal de São Paulo não demorou muito - pouco mais de um ano - para demonstrar que a boa impressão que causou, cortando os seus supersalários, foi apenas um acidente, uma fugaz exceção que confirma a regra segundo a qual ela está sempre disposta a "aprontar" mais uma, para usar expressão popular. Ou melhor, duas. A primeira foi, contrariando aquela medida moralizadora, criar condições para que 55 servidores da Casa que ocupam cargos de chefia ganhem salários de até R$ 27,9 mil, acima portanto do teto de R$ 24,1 mil, que é o salário do prefeito desde abril de 2011.
Desde que a Mesa da Câmara, presidida na época por José Police Neto (PSD), tentou ao mesmo tempo dar transparência à folha de salários da Casa - divulgando-os - e ajustá-los ao teto, a reação dos que se sentiram por isso prejudicados tem sido muito forte. De acordo com a regra estabelecida em março do ano passado, os únicos componentes dos vencimentos que poderiam levá-los a ultrapassar o teto eram o 13. º salário, o adicional de um terço das férias e o abono de permanência, pago ao funcionário que tem idade para se aposentar, mas continua a trabalhar.
Isso acaba de mudar com o que dispõe novo ato da Mesa - agora presidida por José Américo (PT) -, publicado no Diário Oficial da cidade no dia 1.º de maio. Entre aqueles componentes dos vencimentos que escapam das restrições foram incluídas, espertamente, as gratificações que os servidores que exercem cargos de chefia recebem por isso. Elas variam de acordo com a função e podem chegar a R$ 3,8 mil mensais. É isso que torna possível a tais servidores - atualmente 55 - ganharem até R$ 27,9 mil. A Câmara criou um grupo de privilegiados dentro do funcionalismo municipal, porque os outros servidores - mais de 150 mil - estão sujeitos ao teto de R$ 24,1 mil.
Tudo isso porque suas excelências, os donos dos supersalários, bateram o pezinho, revoltados com a "injustiça" de que foram vítimas. Amedrontada pela força dos privilegiados na burocracia da Casa, ou talvez condoída pela "perda salarial" desse grupo, que poderia comprometer seu nível de vida, a atual Mesa cedeu a suas pressões. Num ou noutro caso, estamos diante, ao mesmo tempo, de uma desfaçatez e de uma irresponsabilidade. A Mesa não tem o direito de desperdiçar recursos públicos para satisfazer algumas dezenas de servidores que se julgam acima de regras gerais e moralizadoras.
A explicação dada pelo vice-presidente da Câmara, vereador Marco Aurélio Cunha (PSD), não poderia ser mais infeliz. "É que eles (os servidores dos supersalários) entraram na Justiça e todos estão ganhando (o direito de ultrapassar o teto). Foi uma medida para resolver um problema administrativo. Segundo estudo dos procuradores, era causa perdida (tentar recorrer daquelas decisões)", diz ele.
Causa perdida? Desde quando procuradores podem ter a palavra final numa questão controvertida como essa? Ela não é e não pode ser deles. É da Justiça. Por isso, a Mesa da Câmara tinha a obrigação, sim, de recorrer quantas vezes fosse possível em defesa de um princípio - consagrado na Constituição, é bom lembrar - que permite moralizar o serviço público, acabar com privilégios e economizar o dinheiro do contribuinte.
A segunda coisa que a Câmara "aprontou" foi constituir um grupo de trabalho para estudar a necessidade de contratar novos funcionários, que substituiriam dezenas que estão prestes a se aposentar ou já o fizeram. O que coloca essa medida sob suspeita é que ela vai na direção contrária à do Programa de Desligamento Voluntário (PDV), lançado pela Mesa anterior, há oito meses, para cortar 12% dos funcionários da Casa, com economia anual de R$ 30 milhões. Programa que, evidentemente, fica suspenso. Numa passe de mágica, a Câmara passa do excesso à carência de servidores.
A atual Mesa da Casa tem obrigação de dar aos contribuintes melhores explicações do que essas - esfarrapadas - sobre por que decidiu tratar com tanta prodigalidade o suado dinheiro de seus impostos.
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