“É cada dia maior o hiato entre as cúpulas partidárias e a realidade brasileira, o comando pragmático da política e a produção crítica acadêmica. Os grandes temas ficam para as elites privadas e suas instituições”
POR PAULO RUBEM SANTIAGO
Lendo as notícias dos principais jornais do país e as publicações do IBGE, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), sobretudo os dados especializados em economia, indústria, importação, exportação, ciência e tecnologia, tenho a impressão de que vivemos dois mundos na política brasileira. O primeiro, árido, acadêmico, denso, aparentemente distante do cotidiano da maioria do eleitorado, mas que carrega informações e dados essenciais para a tomada de decisões pelos agentes públicos e privados. O segundo mundo é o do vale-tudo político, do varejo, das negociações pragmáticas, da barganha pelos cargos no governo, da apelação preconceituosa, da busca do voto a qualquer preço. Tudo isso com uma pitada de boa publicidade, sob a regência de eficientes marqueteiros.
Diante desses mundos, pergunto-me como transitam os atuais partidos políticos existentes no país, em especial os chamados grandes e aqueles de esquerda? Todo partido pode ter, mantida com verbas do fundo partidário, uma fundação de estudos que deve subsidiar os debates e as decisões partidárias. O que se percebe, contudo, é que esses organismos funcionam de forma autônoma em relação às direções dos partidos. Suas vidas, seus estudos e publicações, quando muito, servem para enfeitar o discurso e a vitrine das agremiações às quais são vinculados. Na prática, os partidos não discutem para valer os temas do primeiro mundo acima referido. Na maioria das vezes, seus dirigentes preparam discursos para os programas partidários regularmente exibidos na mídia.
Alguém conhece alguma resolução recente, pelo menos da crise de 2008 até hoje, de algum partido, sobre os rumos das políticas monetária, creditícia e cambial, adotados pelo governo federal desde então? Alguém viu ou participou de entrevista coletiva da cúpula de algum partido político, na qual a agremiação expôs sua análise sobre os números das importações e exportações? E sobre o peso das commodities agrícolas e minerais versus a participação de produtos manufaturados, de média e alta complexidade em nossas exportações? Algum sinal de avaliação oficial partidária sobre o fracasso do Plano Nacional de Educação (PNE) que vigorou entre 2001 e 2010? Alguém recebeu nota técnica da direção de algum partido com representação no Congresso analisando a gênese da dívida pública brasileira, sua composição, encargos, seu impacto nas contas nacionais? E as limitações que impõem à elevação da taxa pública de investimentos no país? Certamente ninguém leu, viu ou ouviu tais manifestações com a centralidade que mereciam.
Os partidos conservadores, certamente, não teriam muito a dizer, pois, em linhas gerais, concordam com as diretrizes macroeconômicas seguidas pelos governos de 2008 até hoje. Os partidos de esquerda, eis a questão, estão atuando muito mais restritos à máquina pública, à exceção do Psol. O meu partido, o PDT, quando se unificou na votação de matérias importantes em defesa dos trabalhadores, avançou na esquerda, com a sociedade, sem seguir a orientação do governo, mesmo participando da administração federal desde 2007.
É cada dia maior o hiato entre a vida das cúpulas partidárias e a realidade brasileira, o comando pragmático da política e a produção crítica acadêmica veiculada em teses, artigos nas revistas e jornais, publicações, sob a liderança de professores, economistas e pesquisadores com vínculos nas universidades, no Ipea, no BNDES e outras instituições. Na verdade, parece que vivemos a ‘democracia oligárquica’, como afirmou recentemente o professor Luis Gonzaga Belluzzo, em artigo na revista Carta Capital. Os grandes temas e decisões da economia e do desenvolvimento ficam para as elites privadas e suas instituições, para as autoridades monetárias do governo central e alguns poucos manipuladores de informações. Para as instituições eletivas, fica o varejo. Um equívoco.
Na recente convenção nacional do PDT, em março deste ano, pensando mais no país, assinei, com os senadores Cristovam Buarque (PDT-DF) e Pedro Taques (PDT-MT), um documento com reflexões e questionamentos ao governo Dilma. Procuram-se, portanto, partidos que assumam a responsabilidade e façam, em todo o país, o debate sobre rumos, desafios, limites e rupturas que a nação exige para sair das incômodas posições que hoje apresenta em educação, na saúde, nos números da violência contra a infância e a juventude, no baixo investimento público, na tributação regressiva e indireta, na desindustrialização, nos encargos elevados com a dívida pública, nas desigualdades regionais, na ciência e tecnologia, nas exportações de baixo valor agregado e nos demais déficits decorrentes dessa ordem injusta e desigual. Procuram-se. Quem se habilita a sair dos limites e do conforto dos cargos na máquina pública para pensar e redesenhar o país?
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