ZERO HORA 18 de agosto de 2012 | N° 17165
DESCONTROLE. Estudiosos criticam excesso de CCs
Para especialistas, deputados estaduais e federais poderiam ter equipes reduzidas, como mostra pesquisa comparando nações
JULIANA BUBLITZ
Em um país em que um assessor parlamentar passa o dia cortando cabelos, uma pergunta se impõe. Há excesso de cargos de confiança (CCs) nos Legislativos brasileiros?
Para especialistas, a quantidade de contratações a que tem direito cada parlamentar é excessiva e contribui para a disseminação de práticas irregulares. Cada deputado federal pode contratar até 25 subordinados. Nos Estados, a realidade não é diferente. A Assembleia do Rio Grande do Sul permite que os deputados tenham entre nove e 15 colaboradores.
Na semana passada, a Mesa Diretora decidiu que apenas seis, por parlamentar, terão autorização para trabalhar no Interior, mas a medida ainda precisa passar pelo plenário. Enquanto isso, o descontrole persiste. Embora qualquer tentativa de comparação seja arriscada, há discrepâncias em relação a outros países. Na França, os deputados federais têm de trabalhar com, no máximo, cinco assessores.
– Comparar é complicado, mas não se pode negar que, no Brasil, há um exagero injustificável – diz o pesquisador Fabiano Angélico, da FGV-SP.
Autor de um estudo sobre o tema, Angélico concluiu que os parlamentares brasileiros são os que mais pesam no bolso dos cidadãos, em comparação com sete países.
Coordenador da bancada gaúcha na Câmara, Renato Molling (PP) reconhece o problema, mas argumenta que, para haver redução, seria necessária uma mudança mais profunda:
– O sistema eleitoral nos obriga a ter muitos assessores, porque a área a cobrir é muito grande. A saída seria implantar o voto distrital.
O próprio deputado reconhece que a possibilidade de mudar o sistema é remota, o que dá margem a casos como os flagrados pela RBS TV. Um assessor do deputado federal Darcísio Perondi (PMDB) foi encontrado trabalhando em uma barbearia.
Para complicar, o Legislativo brasileiro segue relutante em divulgar onde estão lotados seus CCs, quem são, quanto ganham, que horário cumprem e o que fazem. Em ano de eleição, muitos viram cabos eleitorais.
A solução, para o cientista político Gustavo Grohmann, da UFRGS, depende de uma sociedade ativa:
– O objetivo do político é se eleger. Cabe a sociedade impor limites e dizer até onde ele pode ir. Sem isso, nada vai mudar.
ENTREVISTA. “O número de assessores poderia ficar na metade” - Marco Antonio Teixeira - Cientista político da FGV
Vice-coordenador do curso de Administração Pública da FGV-SP, o cientista político Marco Antonio Carvalho Teixeira é um crítico da falta de controle no Legislativo brasileiro e considera o número de assessores exagerado.
Zero Hora – Há excesso de assessores parlamentares no país?
Teixeira – É um exagero.
ZH – Qual o número ideal?
Teixeira – Teria de se fazer um estudo. Não há como o parlamentar prescindir de alguns assessores, que cuidam de questões técnicas. Mas acredito que o número poderia ser cortado pela metade, no mínimo.
ZH – Como o senhor avalia os casos de assessores que recebem pelo Legislativo, mas trabalham nos partidos?
Teixeira – Há uma área cinzenta aí, que não deixa claro se o assessor pago com dinheiro público está prestando serviço para o deputado ou para o candidato. Às vésperas de uma eleição, é muito comum que esteja fazendo campanha.
ZH – Mas isso é correto?
Teixeira – Na minha opinião, é desvio de função. Não é justificável que quem recebe recurso público esteja distribuindo panfletos eleitorais. É, no mínimo, um problema moral.
ZH – No RS, cada deputado poderá ter seis assessores no Interior. O que o senhor acha?
Teixeira – A grande pergunta a ser feita é qual é a atividade de interesse público que esses assessores fazem. Eles trabalham ouvindo as demandas da população e dando subsídios para o deputado ou são cabos eleitorais? Não há controle sobre isso.
ENTREVISTA. “Cientistas políticos não conhecem nosso dia a dia” - Alexandre Postal - Presidente da Assembleia Legislativa
O presidente da Assembleia, Alexandre Postal (PMDB), discorda de quem defende cortes no número de assessores. Segundo ele, no caso do Rio Grande do Sul, a quantidade é ideal quando se leva em conta o tamanho da base de votação.
Zero Hora – Na Assembleia, são até 15 assessores para cada um dos 55 deputados. Não é muito?
Postal – É ideal. O número está de acordo com o nosso processo eleitoral, que difere em cada país. Onde o voto é distrital, por exemplo, quatro ou cinco assessores são suficientes. Mas o Estado tem 497 municípios.
ZH – Para cientistas políticos, o número poderia ser menor e os parlamentares deveriam divulgar os dados dos assessores.
Postal – Cientistas políticos não conhecem o nosso dia a dia. Qual é a grande arma do político? É o adversário não saber qual é a tua estratégia e onde tu estás. Se souber, pode ir atrás. É a mesma coisa que eu pedir para a fábrica de chocolate quais são as empresas que o vendedor dela vai visitar. Para os concorrentes, isso é uma maravilha.
ZH – Mas não estamos falando de adversários. Estamos falando da população.
Postal – O dia a dia, e eu falo isso com tranquilidade porque estou no quinto mandato, é diferente do prisma de quem está de fora.
ZH – Seria uma forma de dar transparência, não?
Postal – Se for aprovada a decisão da Mesa Diretora (que autoriza até seis assessores por parlamentar a trabalharem fora da Casa), todo mês vai ser divulgado onde estão os assessores. Mas isso não vai mudar nada na vida de ninguém.
PÁGINA 10 | ROSANE DE OLIVEIRA
Cabos eleitorais com salário
Tem explicação a resistência dos deputados estaduais em aprovar mecanismos de controle para o trabalho dos assessores que ocupam cargos em comissão: centenas deles são cabos eleitorais, uma tarefa que não cabe na regulamentação. Como não há movimento para fazer o mesmo na Câmara, quem está na Assembleia não quer ficar para trás.
Os eufemismos usados para definir a atuação dos assessores que trabalham na base dos parlamentares não conseguem ocultar a verdadeira natureza da função, como sintetizou o deputado federal Darcísio Perondi (PMDB):
– No regime presidencialista, sem voto distrital, onde um deputado tem de trabalhar em cem municípios para se eleger, é bom ter uma boa estrutura. Hoje, a Câmara dá uma estrutura muito boa para nós, deputados.
Louve-se a sinceridade de Perondi. Nem todos os parlamentares reconhecem com tanta clareza que esses assessores não são contratados para elaborar projetos, pesquisar a legislação de outros países, estudar as leis brasileiras, dissecar estudos que possam embasar uma emenda constitucional. Essa parte fica com as assessorias técnicas. O assessor lotado na base tanto pode fazer contatos com a imprensa regional para divulgar as atividades do parlamentar como ouvir as demandas dos eleitores, quebrar pequenos galhos ou representar o chefe numa festa da comunidade.
É por essas e outras que se convencionou dizer que um parlamentar tem financiamento público de campanha, o que dificulta a renovação. Cada um tem uma cota para gastar com assessores que não precisam conhecer o regimento interno, entender de legislação ou saber redigir um projeto de lei. Há quem tenha como principal atividade controlar o cadastro de eleitores para mandar o cartão de aniversário no dia certo.
O Brasil é campeão em número de assessores por deputado. Nos regimes parlamentaristas, com voto em lista ou voto distrital, os candidatos não precisam fazer essas maratonas: a campanha é dos partidos. No parlamento alemão, um deputado tem uma secretária, um chefe de gabinete e um assessor em sua cidade de origem. No Japão, o gabinete se resume à sala ocupada pelo parlamentar e uma saleta para a secretária, que é também recepcionista e telefonista. Mais austero, impossível.
Para especialistas, a quantidade de contratações a que tem direito cada parlamentar é excessiva e contribui para a disseminação de práticas irregulares. Cada deputado federal pode contratar até 25 subordinados. Nos Estados, a realidade não é diferente. A Assembleia do Rio Grande do Sul permite que os deputados tenham entre nove e 15 colaboradores.
Na semana passada, a Mesa Diretora decidiu que apenas seis, por parlamentar, terão autorização para trabalhar no Interior, mas a medida ainda precisa passar pelo plenário. Enquanto isso, o descontrole persiste. Embora qualquer tentativa de comparação seja arriscada, há discrepâncias em relação a outros países. Na França, os deputados federais têm de trabalhar com, no máximo, cinco assessores.
– Comparar é complicado, mas não se pode negar que, no Brasil, há um exagero injustificável – diz o pesquisador Fabiano Angélico, da FGV-SP.
Autor de um estudo sobre o tema, Angélico concluiu que os parlamentares brasileiros são os que mais pesam no bolso dos cidadãos, em comparação com sete países.
Coordenador da bancada gaúcha na Câmara, Renato Molling (PP) reconhece o problema, mas argumenta que, para haver redução, seria necessária uma mudança mais profunda:
– O sistema eleitoral nos obriga a ter muitos assessores, porque a área a cobrir é muito grande. A saída seria implantar o voto distrital.
O próprio deputado reconhece que a possibilidade de mudar o sistema é remota, o que dá margem a casos como os flagrados pela RBS TV. Um assessor do deputado federal Darcísio Perondi (PMDB) foi encontrado trabalhando em uma barbearia.
Para complicar, o Legislativo brasileiro segue relutante em divulgar onde estão lotados seus CCs, quem são, quanto ganham, que horário cumprem e o que fazem. Em ano de eleição, muitos viram cabos eleitorais.
A solução, para o cientista político Gustavo Grohmann, da UFRGS, depende de uma sociedade ativa:
– O objetivo do político é se eleger. Cabe a sociedade impor limites e dizer até onde ele pode ir. Sem isso, nada vai mudar.
ENTREVISTA. “O número de assessores poderia ficar na metade” - Marco Antonio Teixeira - Cientista político da FGV
Vice-coordenador do curso de Administração Pública da FGV-SP, o cientista político Marco Antonio Carvalho Teixeira é um crítico da falta de controle no Legislativo brasileiro e considera o número de assessores exagerado.
Zero Hora – Há excesso de assessores parlamentares no país?
Teixeira – É um exagero.
ZH – Qual o número ideal?
Teixeira – Teria de se fazer um estudo. Não há como o parlamentar prescindir de alguns assessores, que cuidam de questões técnicas. Mas acredito que o número poderia ser cortado pela metade, no mínimo.
ZH – Como o senhor avalia os casos de assessores que recebem pelo Legislativo, mas trabalham nos partidos?
Teixeira – Há uma área cinzenta aí, que não deixa claro se o assessor pago com dinheiro público está prestando serviço para o deputado ou para o candidato. Às vésperas de uma eleição, é muito comum que esteja fazendo campanha.
ZH – Mas isso é correto?
Teixeira – Na minha opinião, é desvio de função. Não é justificável que quem recebe recurso público esteja distribuindo panfletos eleitorais. É, no mínimo, um problema moral.
ZH – No RS, cada deputado poderá ter seis assessores no Interior. O que o senhor acha?
Teixeira – A grande pergunta a ser feita é qual é a atividade de interesse público que esses assessores fazem. Eles trabalham ouvindo as demandas da população e dando subsídios para o deputado ou são cabos eleitorais? Não há controle sobre isso.
ENTREVISTA. “Cientistas políticos não conhecem nosso dia a dia” - Alexandre Postal - Presidente da Assembleia Legislativa
O presidente da Assembleia, Alexandre Postal (PMDB), discorda de quem defende cortes no número de assessores. Segundo ele, no caso do Rio Grande do Sul, a quantidade é ideal quando se leva em conta o tamanho da base de votação.
Zero Hora – Na Assembleia, são até 15 assessores para cada um dos 55 deputados. Não é muito?
Postal – É ideal. O número está de acordo com o nosso processo eleitoral, que difere em cada país. Onde o voto é distrital, por exemplo, quatro ou cinco assessores são suficientes. Mas o Estado tem 497 municípios.
ZH – Para cientistas políticos, o número poderia ser menor e os parlamentares deveriam divulgar os dados dos assessores.
Postal – Cientistas políticos não conhecem o nosso dia a dia. Qual é a grande arma do político? É o adversário não saber qual é a tua estratégia e onde tu estás. Se souber, pode ir atrás. É a mesma coisa que eu pedir para a fábrica de chocolate quais são as empresas que o vendedor dela vai visitar. Para os concorrentes, isso é uma maravilha.
ZH – Mas não estamos falando de adversários. Estamos falando da população.
Postal – O dia a dia, e eu falo isso com tranquilidade porque estou no quinto mandato, é diferente do prisma de quem está de fora.
ZH – Seria uma forma de dar transparência, não?
Postal – Se for aprovada a decisão da Mesa Diretora (que autoriza até seis assessores por parlamentar a trabalharem fora da Casa), todo mês vai ser divulgado onde estão os assessores. Mas isso não vai mudar nada na vida de ninguém.
PÁGINA 10 | ROSANE DE OLIVEIRA
Cabos eleitorais com salário
Tem explicação a resistência dos deputados estaduais em aprovar mecanismos de controle para o trabalho dos assessores que ocupam cargos em comissão: centenas deles são cabos eleitorais, uma tarefa que não cabe na regulamentação. Como não há movimento para fazer o mesmo na Câmara, quem está na Assembleia não quer ficar para trás.
Os eufemismos usados para definir a atuação dos assessores que trabalham na base dos parlamentares não conseguem ocultar a verdadeira natureza da função, como sintetizou o deputado federal Darcísio Perondi (PMDB):
– No regime presidencialista, sem voto distrital, onde um deputado tem de trabalhar em cem municípios para se eleger, é bom ter uma boa estrutura. Hoje, a Câmara dá uma estrutura muito boa para nós, deputados.
Louve-se a sinceridade de Perondi. Nem todos os parlamentares reconhecem com tanta clareza que esses assessores não são contratados para elaborar projetos, pesquisar a legislação de outros países, estudar as leis brasileiras, dissecar estudos que possam embasar uma emenda constitucional. Essa parte fica com as assessorias técnicas. O assessor lotado na base tanto pode fazer contatos com a imprensa regional para divulgar as atividades do parlamentar como ouvir as demandas dos eleitores, quebrar pequenos galhos ou representar o chefe numa festa da comunidade.
É por essas e outras que se convencionou dizer que um parlamentar tem financiamento público de campanha, o que dificulta a renovação. Cada um tem uma cota para gastar com assessores que não precisam conhecer o regimento interno, entender de legislação ou saber redigir um projeto de lei. Há quem tenha como principal atividade controlar o cadastro de eleitores para mandar o cartão de aniversário no dia certo.
O Brasil é campeão em número de assessores por deputado. Nos regimes parlamentaristas, com voto em lista ou voto distrital, os candidatos não precisam fazer essas maratonas: a campanha é dos partidos. No parlamento alemão, um deputado tem uma secretária, um chefe de gabinete e um assessor em sua cidade de origem. No Japão, o gabinete se resume à sala ocupada pelo parlamentar e uma saleta para a secretária, que é também recepcionista e telefonista. Mais austero, impossível.
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