OPINIÃO
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) é uma prerrogativa da minoria no Estado Democrático de Direito para evitar que a maioria imponha permanentemente e discricionariamente sua vontade política nas decisões parlamentares. Por meio dela o Parlamento exerce seu poder de fiscalizar atos do Executivo garantindo a impessoalidade e a probidade da gestão dos recursos públicos. Na política nacional, a prática anda bem distante da teoria: as CPIs têm servido, sem exceções notáveis, de mero instrumento de propaganda de partidos e políticos que ganham destaque no noticiário dos meios de comunicação sem que haja resultados práticos nas investigações. O caso específico da CPI reunida a pretexto de devassar as atividades criminosas do bicheiro goiano Carlinhos Cachoeira e suas relações espúrias com uma empreiteira de notório favoritismo em licitações federais, estaduais e municipais pelo País afora e com destacados membros da elite dirigente nacional foi ainda mais longe na sórdida exibição de desprezo dos representantes do povo pelo comezinho respeito aos interesses e valores públicos.
O descalabro teve início na motivação de sua instalação em abril deste ano. Até os patos que nadam no espelho d'água da Praça dos Três Poderes estavam informados de que nunca houve interesse em investigar e punir eventuais malfeitos, para usar expressão popularizada pelo lulopetismo. O que a motivou foi o personalíssimo desejo de vingança do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra o governador tucano de Goiás, Marconi Perillo, que ousara revelar publicamente que o informou da compra de apoio das bancadas do Congresso a projetos de interesse do governo. Por culpa desse pecado, nada de relevante foi revelado nos testemunhos prestados na CPI. A maioria governista, preocupada com a possibilidade da exposição de negociatas da construtora Delta, do empreiteiro Fernando Cavendish, tratou de bombardear quaisquer tentativas da exposição das relações contaminadas entre a empresa e figurões da República e governadores amigos, entre os quais o petista Agnello Queiroz e o fluminense Sérgio Cabral, cuja notória intimidade foi revelada em banquetes com o empreiteiro.
Nas sessões da comissão a Nação teve oportunidade de ver como uma CPI, convocada para examinar fato determinado, pode se prestar a ajustes de contas de toda ordem. O senador alagoano Fernando Collor de Mello, por exemplo, empreendeu todos os esforços para constranger o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e cinco jornalistas, entre os quais o editor-chefe e diretor da Sucursal da Veja, revista desafeta dele e dos petistas que ajudaram a apeá-lo da Presidência. Isso mais a ofensiva contra o governador tucano de Goiás, desafeto pessoal de Lula, deixaram para trás as apurações das traquinagens feitas com dinheiro público.
A primeira versão do relatório do deputado petista Odair Cunha (MG), que contemplou esses desvios de finalidade, provocou fortes reações de uma forma tão explícita a ponto de levá-lo a retirá-los do texto final, com 5 mil páginas ao todo. Essa concessão, contudo, não bastou para que o documento passasse pelo crivo da maioria na última reunião da CPI em 18 de dezembro. Rejeitado por 18 a 16, numa manobra da oposição com pequenas bancadas insatisfeitas, o relatório resumido terminou sendo substituído por outro, de apenas uma página e meia, da lavra do deputado Luiz Pitman (PMDB-DF), que cancelou os 40 pedidos de indiciamento e, sem apontar nenhum responsável pelos delitos que deveriam ter sido investigados, se limitou sugerir o envio dos dados em poder da CPI ao Ministério Público Federal.
Entre mortos e feridos escaparam todos, da Delta do empreiteiro Fernando Cavendish ao governador tucano Marconi Perillo, alvo da santa ira de Lula e motivação inicial da comissão. Mas a CPI deixou uma vítima oculta: a reputação do Poder Legislativo, onde é possível relatar-se uma série de escândalos em 5 mil páginas, depois reduzidas a uma página e meia, sem que os verdadeiros culpados pelas lambanças sejam indiciados.
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