Deputados e senadores prestam desserviço ao País e revelam desleixo com as normas do Congresso ao convocarem sessão para apreciar três mil vetos. Conflito com o STF se acirra
Sérgio Pardellas e Izabelle Torres
DEBOCHE
Os presidentes do Senado, José Sarney, e da Câmara, Marco Maia,
desmoralizam o Congresso ao tentar derrubar o veto da presidenta
Dilma Rousseff ao artigo 3º da lei dos royalties do petróleo
Comandados por José Sarney (PMDB-AP) e Marco Maia (PT-RS), deputados e senadores protagonizaram uma palhaçada, na quarta-feira 19, quando tentaram realizar um inédito “assalto parlamentar” contra Estados produtores de petróleo, principalmente o Rio de Janeiro e o Espírito Santo. Numa reação sem precedentes, e se valendo de sutilezas capciosas, o Congresso havia aprovado no dia anterior requerimento convocando uma sessão para analisar 3.060 vetos presidenciais em tramitação há 12 anos. O objetivo era derrubar o veto da presidenta Dilma Rousseff ao artigo 3º da lei dos royalties do petróleo que modifica a divisão dos recursos dos campos de petróleo já licitados, por considerar que essa mudança implica a quebra de contratos em plena vigência. Lançando mão de pequenas espertezas, com o único propósito de surrupiar os recursos provenientes dos royalties do petróleo e distribuí-los aos demais Estados, os presidentes do Senado e da Câmara colocaram o Legislativo em confronto ainda maior com o Judiciário e o Executivo. Ainda revelaram o quanto os parlamentares são desleixados com suas próprias funções e debocham dos eleitores.
O golpe só não ocorreu porque a Mesa Diretora do Senado informou que, de acordo com o regimento interno e a Constituição, as bancadas do Rio e do Espírito Santo tinham direito de discutir cada veto. Assim, dez parlamentares poderiam se alternar na tribuna, cada um por até 20 minutos, para falar sobre cada um dos 3.060 assuntos em pauta. Como a sessão, observadas as regras em vigor, se estenderia por no mínimo três meses, os Estados não produtores jogaram a toalha. Sem acordo, o Congresso decidiu adiar a apreciação do tema para fevereiro de 2013, o que deve preservar pelo menos R$ 2 bilhões em arrecadação do Estado prevista para o ano que vem.
A batalha de chicanas regimentais foi deflagrada pelos parlamentares depois de o ministro do STF Luiz Fux suspender na terça-feira 18, por meio de liminar, sessão que votaria o veto de Dilma. Na semana passada, o Congresso havia aprovado por 408 votos a favor e 91 contra requerimento solicitando urgência no exame do tema. Ao justificar a concessão da liminar, Fux disse que os legisladores deveriam obedecer à cronologia dos vetos e tratar a divisão dos royalties como mais uma lei à espera de análise, como preveem as normas internas do Congresso. Irritados, os parlamentares decidiram peitar o Judiciário. Os gestos do Congresso demonstraram não apenas a pirraça de um poder com os demais, mas também o descaso dos legisladores com o teor de vetos a projetos e leis aprovados por eles mesmos ao longo de mais de uma década. Seria desmoralizante para o Legislativo decidir numa única sessão, às pressas e em bloco, sobre mais de três mil vetos presidenciais, sem o prévio exame e a discussão de seu conteúdo. Mesmo assim, os presidentes da Câmara e Senado fizeram de tudo para realizar a sessão. Graças ao regimento interno, e ao bom-senso de alguns, a tentativa não logrou êxito.
Ao promover uma série de abusos de formalidade, em meio à discussão sobre o veto de Dilma ao artigo 3º da lei dos royalties do petróleo, os parlamentares também passaram uma imagem de que as normas que regem o Parlamento são interpretadas de acordo com as circunstâncias e ao sabor de suas conveniências políticas. A Constituição é clara quanto à liturgia para a votação de veto presidencial pelo Congresso. O veto precisa ser examinado em sessão da Câmara e Senado no prazo de 30 dias, a partir de seu recebimento pelo Congresso. E só será derrubado por maioria absoluta, em votação secreta. Caso o Congresso não decida no prazo previsto, o veto deve ser colocado na ordem do dia da sessão seguinte até sua votação final. Mas a regra vem sendo desrespeitada há 12 anos pelos parlamentares, em boa parte dos casos mais interessados em defender seus interesses político-eleitorais, do que em cumprir as normas vigentes. Por isso, o acúmulo de 3.060 vetos sem votação. De repente, no afogadilho, eles resolvem exercer suas prerrogativas e observar o regimento?
Se a falta de bom-senso persistir no Congresso, a votação relâmpago de milhares de vetos pode acontecer no dia 5 de fevereiro, contaminada pelo clima de disputa pelas presidências da Câmara e do Senado. “Apesar do plano de derrubada ainda estar de pé, adiamos essa manobra. Não se podia conceber que, no apagar das luzes, houvesse a desmoralização do Congresso por aprovar vetos sem a noção do conteúdo deles. Por sorte, a resistência de alguns surtiu efeitos e esse erro foi adiado. Até lá as pessoas podem refletir sobre o mau passo que a derrubada desse veto representa”, opina o deputado Chico Alencar (Psol-RJ).
Até fevereiro, governo e representantes de Estados produtores tentarão convencer os parlamentares. Os argumentos são consistentes. O Executivo considera a proposta aprovada pelo Congresso inviável e alega não poder retirar previsões de receitas de entes federados de uma hora para outra, simplesmente porque os Estados não produtores se negam a esperar os novos contratos de exploração para abocanhar recursos do petróleo. Além disso, a presidenta Dilma Rousseff defende que o País precisa manter as regras de contratos em andamento, sob o risco de manchar a própria imagem perante investidores internacionais. Dilma lembra ainda que a partilha igualitária já está garantida em novos contratos e não é necessário mexer nos atuais. “É uma questão de bom-senso e respeito à Constituição”, diz o deputado Alexandre Molon (PT-RJ). “Estamos prontos para defender nosso direito até o fim. Seria penoso para o País mexer em contratos em andamento”, opina Renato Casagrande, governador do Espírito Santo. Se forem derrotados em 2013, os representantes dos Estados produtores prometem recorrer novamente à Justiça.
As ameaças dos parlamentares de apelar ao Judiciário não causariam nenhum impacto ao Legislativo se o cenário fosse outro. Nos últimos meses, o STF deu diversas demonstrações de que pretende obrigar o Congresso a fazer o dever de casa. E o conflito entre o Judiciário e o Legislativo se acirrou ainda mais. A interferência do ministro Luiz Fux no rito de votação dos vetos presidenciais, somada às declarações intimidatórias do presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), durante a discussão sobre a prisão dos condenados do mensalão, deteriorou de vez uma relação estremecida. Esse relacionamento já havia se tornado crítico no último dia 17, quando o Supremo, por maioria de votos, decidiu avocar para si o poder de cassar parlamentares condenados pela corte. Ministros ouvidos por ISTOÉ argumentaram que a decisão serve para o Judiciário se precaver de condutas corporativistas que possam retardar as punições. E, como se pôde observar durante o episódio envolvendo os vetos presidenciais, são fartos no Congresso os exemplos de comportamentos norteados pelo espírito de corpo.
REAÇÃO
Governador do Espírito Santo, Renato Casagrande:
"Será penoso mexer em contratos"
DEBOCHE
Os presidentes do Senado, José Sarney, e da Câmara, Marco Maia,
desmoralizam o Congresso ao tentar derrubar o veto da presidenta
Dilma Rousseff ao artigo 3º da lei dos royalties do petróleo
Comandados por José Sarney (PMDB-AP) e Marco Maia (PT-RS), deputados e senadores protagonizaram uma palhaçada, na quarta-feira 19, quando tentaram realizar um inédito “assalto parlamentar” contra Estados produtores de petróleo, principalmente o Rio de Janeiro e o Espírito Santo. Numa reação sem precedentes, e se valendo de sutilezas capciosas, o Congresso havia aprovado no dia anterior requerimento convocando uma sessão para analisar 3.060 vetos presidenciais em tramitação há 12 anos. O objetivo era derrubar o veto da presidenta Dilma Rousseff ao artigo 3º da lei dos royalties do petróleo que modifica a divisão dos recursos dos campos de petróleo já licitados, por considerar que essa mudança implica a quebra de contratos em plena vigência. Lançando mão de pequenas espertezas, com o único propósito de surrupiar os recursos provenientes dos royalties do petróleo e distribuí-los aos demais Estados, os presidentes do Senado e da Câmara colocaram o Legislativo em confronto ainda maior com o Judiciário e o Executivo. Ainda revelaram o quanto os parlamentares são desleixados com suas próprias funções e debocham dos eleitores.
O golpe só não ocorreu porque a Mesa Diretora do Senado informou que, de acordo com o regimento interno e a Constituição, as bancadas do Rio e do Espírito Santo tinham direito de discutir cada veto. Assim, dez parlamentares poderiam se alternar na tribuna, cada um por até 20 minutos, para falar sobre cada um dos 3.060 assuntos em pauta. Como a sessão, observadas as regras em vigor, se estenderia por no mínimo três meses, os Estados não produtores jogaram a toalha. Sem acordo, o Congresso decidiu adiar a apreciação do tema para fevereiro de 2013, o que deve preservar pelo menos R$ 2 bilhões em arrecadação do Estado prevista para o ano que vem.
A batalha de chicanas regimentais foi deflagrada pelos parlamentares depois de o ministro do STF Luiz Fux suspender na terça-feira 18, por meio de liminar, sessão que votaria o veto de Dilma. Na semana passada, o Congresso havia aprovado por 408 votos a favor e 91 contra requerimento solicitando urgência no exame do tema. Ao justificar a concessão da liminar, Fux disse que os legisladores deveriam obedecer à cronologia dos vetos e tratar a divisão dos royalties como mais uma lei à espera de análise, como preveem as normas internas do Congresso. Irritados, os parlamentares decidiram peitar o Judiciário. Os gestos do Congresso demonstraram não apenas a pirraça de um poder com os demais, mas também o descaso dos legisladores com o teor de vetos a projetos e leis aprovados por eles mesmos ao longo de mais de uma década. Seria desmoralizante para o Legislativo decidir numa única sessão, às pressas e em bloco, sobre mais de três mil vetos presidenciais, sem o prévio exame e a discussão de seu conteúdo. Mesmo assim, os presidentes da Câmara e Senado fizeram de tudo para realizar a sessão. Graças ao regimento interno, e ao bom-senso de alguns, a tentativa não logrou êxito.
Ao promover uma série de abusos de formalidade, em meio à discussão sobre o veto de Dilma ao artigo 3º da lei dos royalties do petróleo, os parlamentares também passaram uma imagem de que as normas que regem o Parlamento são interpretadas de acordo com as circunstâncias e ao sabor de suas conveniências políticas. A Constituição é clara quanto à liturgia para a votação de veto presidencial pelo Congresso. O veto precisa ser examinado em sessão da Câmara e Senado no prazo de 30 dias, a partir de seu recebimento pelo Congresso. E só será derrubado por maioria absoluta, em votação secreta. Caso o Congresso não decida no prazo previsto, o veto deve ser colocado na ordem do dia da sessão seguinte até sua votação final. Mas a regra vem sendo desrespeitada há 12 anos pelos parlamentares, em boa parte dos casos mais interessados em defender seus interesses político-eleitorais, do que em cumprir as normas vigentes. Por isso, o acúmulo de 3.060 vetos sem votação. De repente, no afogadilho, eles resolvem exercer suas prerrogativas e observar o regimento?
Se a falta de bom-senso persistir no Congresso, a votação relâmpago de milhares de vetos pode acontecer no dia 5 de fevereiro, contaminada pelo clima de disputa pelas presidências da Câmara e do Senado. “Apesar do plano de derrubada ainda estar de pé, adiamos essa manobra. Não se podia conceber que, no apagar das luzes, houvesse a desmoralização do Congresso por aprovar vetos sem a noção do conteúdo deles. Por sorte, a resistência de alguns surtiu efeitos e esse erro foi adiado. Até lá as pessoas podem refletir sobre o mau passo que a derrubada desse veto representa”, opina o deputado Chico Alencar (Psol-RJ).
Até fevereiro, governo e representantes de Estados produtores tentarão convencer os parlamentares. Os argumentos são consistentes. O Executivo considera a proposta aprovada pelo Congresso inviável e alega não poder retirar previsões de receitas de entes federados de uma hora para outra, simplesmente porque os Estados não produtores se negam a esperar os novos contratos de exploração para abocanhar recursos do petróleo. Além disso, a presidenta Dilma Rousseff defende que o País precisa manter as regras de contratos em andamento, sob o risco de manchar a própria imagem perante investidores internacionais. Dilma lembra ainda que a partilha igualitária já está garantida em novos contratos e não é necessário mexer nos atuais. “É uma questão de bom-senso e respeito à Constituição”, diz o deputado Alexandre Molon (PT-RJ). “Estamos prontos para defender nosso direito até o fim. Seria penoso para o País mexer em contratos em andamento”, opina Renato Casagrande, governador do Espírito Santo. Se forem derrotados em 2013, os representantes dos Estados produtores prometem recorrer novamente à Justiça.
As ameaças dos parlamentares de apelar ao Judiciário não causariam nenhum impacto ao Legislativo se o cenário fosse outro. Nos últimos meses, o STF deu diversas demonstrações de que pretende obrigar o Congresso a fazer o dever de casa. E o conflito entre o Judiciário e o Legislativo se acirrou ainda mais. A interferência do ministro Luiz Fux no rito de votação dos vetos presidenciais, somada às declarações intimidatórias do presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), durante a discussão sobre a prisão dos condenados do mensalão, deteriorou de vez uma relação estremecida. Esse relacionamento já havia se tornado crítico no último dia 17, quando o Supremo, por maioria de votos, decidiu avocar para si o poder de cassar parlamentares condenados pela corte. Ministros ouvidos por ISTOÉ argumentaram que a decisão serve para o Judiciário se precaver de condutas corporativistas que possam retardar as punições. E, como se pôde observar durante o episódio envolvendo os vetos presidenciais, são fartos no Congresso os exemplos de comportamentos norteados pelo espírito de corpo.
REAÇÃO
Governador do Espírito Santo, Renato Casagrande:
"Será penoso mexer em contratos"
Nenhum comentário:
Postar um comentário