O que deu errado?
Especialistas discutem por que, mesmo com incentivos de R$ 44 bilhões, economia cresceu pouco em 2012
Crescimento da renda familiar acima do ritmo do PIB divide opiniões
William Trajano trabalha na empresa KLLFoto: Félix Zucco / Agencia RBS
Nilson Mariano
A economia brasileira resfolegou e patinou ao longo do ano, como se fosse uma locomotiva a perder vigor, mas o desempenho insatisfatório que levou o Produto Interno Bruto (PIB) a ser depreciado à categoria de pibinho não comprometeu os empregos.
É o que os analistas definem como paradoxo — contradição que encontra respostas na própria situação do país.
O governo federal adotou um conjunto de medidas, em 2012, para que o trem da economia se mantivesse nos trilhos. Reduziu o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para incentivar a compra de automóveis e objetos de casa, baixou os juros bancários, renunciou a tributos na folha de pagamento (desoneração) de setores da indústria. Parte delas continuará vigorando em 2013, como anunciado na quarta-feira. Outra será ampliada, como a desoneração da folha, que passará a contemplar o comércio varejista.
Os efeitos das providências dividem os especialistas. Foram parciais? Inócuos? Ou será que, sem esses aditivos governamentais, a economia não iria à beira do abismo? O professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ), José Márcio Camargo, alinha-se entre os críticos.
— Apesar de todos os incentivos, a economia não reagiu — garante.
Para Camargo, é inevitável se perguntar por que os estímulos via redução de impostos não funcionaram. Ele mesmo responde com o argumento de que a necessidade do Brasil não era por mais demanda e consumo. Ao contrário, é por condições de competir no Exterior com melhores rodovias, aeroportos, portos e geração de energia.
— Nossos custos de produção são elevados e a infraestrutura está deteriorada — diz o economista, integrante da gestora de recursos Opus, do Rio.
Camargo qualifica algumas medidas da equipe de Dilma Rousseff como "tiros no pé". Exemplifica que a redução do IPI para facilitar a compra de automóveis tornou as estradas mais engarrafadas e as cidades caóticas, elevando custos e tempo de transporte de pessoas e mercadorias.
— Esta medida teve efeito negativo — aponta o professor da PUC/RJ.
Há quem não seja tão severo na avaliação sobre a performance da economia. O presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcelo Neri, observa que é cedo para julgar a eficácia dos incentivos do governo. Destaca que o PIB mostra indícios de retomada no quarto trimestre.
— Pode ser um sinal de que (as medidas governamentais) começaram a dar resultado — diz.
Mercado de trabalho resistiu à turbulência
O presidente do Ipea pondera que análises dependem do ângulo a ser aferido. Se o parâmetro for o PIB, será constatado que a economia travou. Se a escolha recair na vida das pessoas, a conclusão será positiva, porque a renda aumentou e a desigualdade social diminuiu. O instituto Gallup World Poll apurou que os brasileiros se deram nota 7,1 (de zero a 10) para seu grau de satisfação neste ano. Em 2010, foi 6,8.
— Pode-se deduzir que o Brasil não vai tão bem como o povo — interpreta Neri.
O economista afirma que o Brasil experimenta um paradoxo, que remonta a 2003 e se acentuou agora: a renda familiar cresceu mais do que o ritmo do PIB. Nos outros países, segundo Neri, ocorre o contrário.
A renda individual do brasileiro subiu 4,89% de 2011 para 2012 — acima da taxa média anual de 4,35% verificada desde 2003 —, conforme relatório do Ipea divulgado terça-feira. Isso graças à manutenção dos empregos.
O professor Paulo Gala, da Fundação Getulio Vargas (FGV), avalia que a fartura de vagas consolidou-se nos últimos cinco anos. Lembra que a economia, durante a década, expandiu-se em quase 15%, possibilitando o "pleno emprego" desfrutado hoje.
— A economia não caiu, em 2012, a ponto de causar desemprego — diz Gala.
O pesquisador da FGV sustenta que a economia "está estabilizada". A locomotiva não anda na velocidade que o governo desejaria, mas mantém o ritmo e resiste à crise que sacode países europeus e ameaça até os EUA.
— Se a economia voltar a crescer, vai empregar ainda mais — aposta Gala.
Quem é bom pode escolher emprego
Um dos vagões da locomotiva da economia parece não sentir os solavancos da crise e entrará no próximo ano operando a plena carga. É o que transporta os empregos.
Na sexta-feira, o IBGE divulgou que Porto Alegre registrou 3,5% de taxa de desemprego em novembro — a menor do país, cuja média ficou em 4,9%. Ambas são auspiciosas, se cotejadas com os índices de nações da Europa onde vagas estão sendo pulverizadas.
A situação é tão confortável que trabalhadores se dão ao luxo de escolher o emprego mais conveniente, fazer planos e investir na qualificação. William Trajano, com apenas 22 anos de idade, já tem a postura de veterano. Em fevereiro, demitiu-se de uma empresa de Porto Alegre, deixou de ser um operador que produzia autopeças.
Não é que estivesse descontente com o trabalho. Como queria progredir, William optou por uma indústria, a KLL de Alvorada, para se especializar em engenharia de processo na fabricação de ferramentas para prensa, solda e usinagem.
— Fiz a troca pensando no meu futuro — diz o jovem.
No batente desde os 16 anos, William percebeu que mão de obra qualificada é disputada como troféu por indústrias. Prestes a se formar em Engenharia Mecânica pela Ulbra, estuda inglês e está sempre disposto a aprender. A confiança é tanta que ficou noivo de Juliani, 23 anos, que conclui o curso de Gestão em Recursos Humanos.
— Pretendemos nos casar em 2013 — anuncia.
A segurança desfrutada por trabalhadores como William é explicada por analistas. O diretor-adjunto do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), Anselmo Luis dos Santos, diz que o foco das preocupações não será o desemprego, mas a falta de mão de obra especializada.
— As pequenas empresas estão numa chiadeira, porque não podem competir com as grandes e oferecer melhores salários aos funcionários — observa Santos.
Estabilidade adia entrada no mercado
Professor na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ao qual o Cesit está ligado, o economista aponta outros fatores para o nível de empregos. Lembra que as vagas foram obtidas nos últimos anos, aproveitando a onda de crescimento econômico. Com a estabilidade nas famílias, os jovens puderam adiar o ingresso no mercado, concentrando-se nos estudos.
— É um comportamento da população, a qual tem crescido pouco, então, a busca por trabalho diminuiu — diz Santos.
Lucia Garcia, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), confirma que os empregos foram gerados principalmente de 2005 a 2010, no auge da produção. Não há motivo para alarme, mas Lucia avisa que o cenário pode ficar parcialmente nublado nos próximos meses. Serão necessários investimentos para criar mais vagas.
— É como se estivéssemos subindo uma escada, desde 2005. Agora nos aproximamos do topo dela, o que pode causar algumas dificuldades — alerta a economista.
Coordenadora do Sistema de Pesquisa de Emprego e Desemprego do Dieese, Lucia destaca que uma das vantagens é o modelo distributivo de crescimento — o qual é combatido por certos economistas. A engrenagem funciona assim: cada trabalhador é incentivado a consumir, o que fortalece o comércio e abre mais vagas. Para 2013, a economista recomenda cautela:
— É fazer como o velho marinheiro, que navega devagar sob nevoeiro.
Até em apertos, empresas tentam reter talentos
A economia pode estar desacelerada, mas trabalhadores qualificados parecem imunes a crises — se ela não se prolongar, é lógico.
Empresários estão preferindo manter seus funcionários de alto padrão, mesmo em tempos de ociosidade, porque poderia custar mais caro treinar um substituto logo adiante. A orientação é segurar, enquanto for possível.
Estabelecida em Alvorada, a KLL fornece peças para montadoras, sob rigorosas exigências do setor automotivo, que só podem ser cumpridas por funcionários afiadíssimos nas suas funções. O presidente da empresa, Juarez Keiserman, lembra que houve apertos em alguns meses de 2012, quando o mercado de caminhões e ônibus se retraiu em até 40%, mas nenhum trabalhador foi demitido para compensar as dificuldades.
— A filosofia da nossa empresa é segurar os funcionários qualificados — diz Keiserman.
Empresas não suportariam reter os melhores quadros por longos períodos de baixa produção e sem perspectivas de retomada. No caso da KLL, Keiserman afirma que a decisão foi correta, pois o mercado voltou a aquecer e a capacidade da indústria de atender aos clientes permaneceu intacta.
Keiserman afirma que a qualificação é cara no Brasil. Por isso, torna-se um patrimônio das empresas. Sugere que também seja perseguida e valorizada pelos trabalhadores, por ser a melhor garantia de emprego.
Há estratégias para segurar um empregado em Amomentos críticos. Primeiro, o patrão concede férias. Depois, adianta as férias, caso ele ainda não tenha o direito adquirido. O cálculo é complexo, depende do fôlego da empresa. Mas leva em conta que, para determinadas tarefas, o treinamento de um novato na atividade pode demorar de um a dois anos.
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