ZERO HORA 18 de maio de 2014 | N° 17800
COM A PALAVRA
FERNANDO COLLOR DE MELLO
“Foi um erro primário atiçar o adversário sem ter defesas
Logo depois da absolvição no Supremo Tribunal Federal, no mês passado, o senhor perguntou na tribuna quem poderia devolver tudo o que perdeu. Já tem a resposta?
A frase, inclusive, é da lavra da minha mulher. Numa noite, após o julgamento, ela disse: “Quem vai lhe devolver tudo aquilo que você perdeu, ou que tiraram de você?” Eu disse que era uma boa pergunta, mas ela respondeu que o povo vai devolver, referindo-se às eleições. De certa forma, isso começou com a minha eleição lá atrás (em 2006, ao Senado por Alagoas). É a única instância do sistema democrático que poderá me devolver, ao menos em parte, aquilo que me foi tomado.
Como se sente em relação ao impeachment?
Os anos de humilhação e de execração, isso já ficou para trás, já faz parte do meu ser, como um sofrimento, que gerou um aprendizado. Agora, ninguém pode me devolver a tranquilidade familiar, corrigir os momentos (fecha os olhos) de angústia que vivi. Se a última instância da Justiça me absolveu das acusações, é porque houve erro.
O senhor espera algum tipo de reparação?
A reparação se dá com um gesto do povo de Alagoas, que me concedeu um mandato de senador, e eventualmente agora, candidato à reeleição que sou.
O senhor se beneficiou da lentidão da Justiça no caso dos crimes prescritos, como falsidade ideológica por contas fantasmas?
É mentira dizer que fui beneficiado, porque mesmo as acusações prescritas foram julgadas. Em nenhum momento quis me encobrir sob o manto da prescrição. Quem mais paga pela lentidão da Justiça é o réu inocente, que é o meu caso. A simples demora do fim do processo é uma pena pesadíssima. O meu primeiro julgamento foi rapidíssimo, dois anos após o impeachment. Esse último era um processo de 2000.
O presidente do STF, Joaquim Barbosa, creditou a absolvição à demora.
Sempre que ele age como juiz, ele age corretamente. E sempre que ele extrapola as atribuições e a liturgia do cargo, ele comete erros.
Julgamentos reescrevem a história?
Napoleão (Bonaparte, imperador francês) dizia que a única certeza que temos na vida é de que nosso passado será reescrito algumas vezes. E, sem dúvida, no que tange aos eventos do impeachment, a mais alta Corte de Justiça do país disse: ele é inocente. Portanto, se fui afastado somente na suposição de que as acusações eram verdadeiras, no momento em que essas suposições ficaram demonstradas na Justiça como falsas, onde fica o mandato que eu conquistei nas urnas, na primeira eleição direta em quase 30 anos? Tem uma lacuna aí.
O senhor tem pretensão de voltar a disputar a Presidência da República?
Por que não? Pretensão, não tenho. Agora, não posso dizer que não tenha pensado nisso. É possível, sim, dependendo das circunstâncias, do momento.
Imagina que algum dia a opinião pública também vai lhe absolver?
Não tenha dúvida. O tempo é o senhor da razão.
Depois de tudo o que se seguiu, o senhor repetiria o confisco da poupança?
Primeiro, não foi confisco. Fazendo atenção ao vernáculo, confisco é o ato de se apropriar de algo de alguém e não devolver. É confiscar, ficar para si. No caso, foi o bloqueio da poupança. Os recursos, todos os ativos financeiros, já que não foi só a poupança, foram devolvidos em 18 meses, conforme eu havia prometido, com remuneração de juros superior à taxa que remunerava na época a caderneta de poupança.
Confisco ou bloqueio, foi um trauma para as pessoas atingidas.
Para mim também. Isso me traumatizou. Foi uma medida extrema, muito rigorosa, que eu jamais repetiria. Jamais. Mas esse foi um aspecto que não teve a consequência que me levou ao impeachment, mas, sim, a falta de articulação com o Congresso.
O impeachment ocorreu por causa da falta de apoio no Congresso?
Percebi tarde que o presidente da República, antes de mais nada, é o líder político da nação e a ele é dada a obrigação de fazer política, elaborar políticas. Isso significa exercitar a capacidade de dialogar, conversar, trocar ideias e opiniões, não com os áulicos, que sempre estão disponíveis, mas com aqueles que têm opiniões divergentes da sua. O que eu não fiz.
É possível traçar um paralelo com o ex-presidente Lula, que enfrentou denúncias como o mensalão, mas que, além do apoio popular, tinha força no Congresso?
Não quero fazer comparações, até porque no meu governo não teve nenhuma acusação deste tipo. Em relação à questão do tratamento com a classe política, sem dúvida. Lula demonstrou uma capacidade excepcional de diálogo, de construir pontes. Uma vez, conversando com ele, disse como era impressionante a capacidade dele de se articular com o Congresso, porque eu não consegui fazer isso.
E o que ele disse?
O Lula respondeu: “Há uma diferença muito grande entre você e eu. Fui criado no meio da peãozada, liderando greves, conversando com patrões, exercitei o poder de convencer. Coisa que você não está acostumado, estava mais acostumado a mandar” (risos). Lula tem capacidade de agregar. Isso o ajudou em momentos difíceis, que não foram poucos.
No dia em que o senhor tentou agregar a população, convocando para sair às ruas de verde e amarelo, apareceu um mar de camisas e bandeiras pretas. Faltou apoio?
Aquilo ali foi a pá de cal. Eu estava submetido a uma enorme pressão, muito irritado com tudo aquilo. O grande apoio que eu sempre tive foi da massa, do povo. A gente não viu nessas manifestações nenhum descamisado. Naquele dia, numa cerimônia no Planalto, estávamos reduzindo o juro e ampliando o financiamento para táxis. O salão estava lotado de taxistas e eles foram com uma espécie de antena com uma fita verde-amarela. No fim, o pessoal começou a gritar: Fala Collor! Eu não queria. E aí foi aquele fatídico discurso.
Foi um erro o discurso?
Foi um erro primário atiçar o adversário quando você não está com todas as defesas cobertas. Usei uma frase do Ulysses (Guimarães): “O Brasil é maior que a crise”. Era a dedicatória de um livro que ele me deu em um café da manhã, com o impeachment fervilhando, quando disse que o PMDB não participaria. Eu usei a frase, sem dar o crédito, convocando todos a estar de verde e amarelo. Mas quem foi às ruas foi a classe média.
Nas manifestações de 2013, a classe média foi às ruas também contra Dilma?
A gente viu muita gente na rua, de classe média, jovens, de meia idade, alguns com filhos no colo. Gente sem bandeira de partido ou movimento social, com pedidos que não eram em uníssono. E isso é preocupante.
Por que preocupa?
Os caras-pintadas saíram com o Fora Collor, não eram rebeldes sem causa, havia partidos e movimentos sociais. Já toda manifestação com caráter difuso é perigosa, é influenciável. Quando a massa vai às ruas sem saber pelo que grita, é só chegar uma pessoa e falar algo que os rebeldes encontram uma causa.
O senhor criou a imagem de atleta, um superpresidente que iria derrotar a inflação com um ippon. Foi a melhor estratégia?
Ajudou a construiu uma boa imagem e também ajudou a desgastá-la. Ninguém aguentava mais ver o Collor voando, o Collor pulando (risos). Tinha coisas que eu queria fazer e não deixaram. Eu queria pular de paraquedas, queria subir o Aconcágua. Nunca fiz nada forçado, porque gostava e gosto, mas tinha vezes que eu mesmo cansava. Fazia exercícios terças, quintas e domingos, sendo que este era o dia da corrida pública. Tinha domingo que acordava e não queria fazer nada, queria ficar na cama, dormindo, lendo meu jornal. Aí, comentavam que eu não iria correr porque estava doente. Virei refém dessa imagem.
As corridas atiçavam a imprensa e o povo.
Quem escrevia não gostava, mas fotógrafo e cinegrafista adoravam. Uma vez, corri com o professor (Kenneth) Cooper, o cara que inventou o cooper. Fizemos 10 mil metros, e ele sem suar. No final, perguntei como eu tinha ido. Ele disse que a corrida, a velocidade, o tempo, estava tudo errado. Os repórteres ouviram e saiu no jornal que o Cooper reprovou o Collor.
O senhor mantém a rotina de exercícios?
Não com tanta assiduidade, não tenho a mesma idade e disposição. Faço aeróbica, corrida diária de dois a três quilômetros, e musculação três vezes por semana.
O senhor já disse que sua queda começou a ser tramada na Avenida Paulista. Por quê?
Em debates e palestras, sempre levava para o mundo empresarial meu programa de governo, exatamente como o implementei. Era o fim das reservas de mercado e da moratória da dívida externa, a reconciliação com sistema financeiro internacional, a competitividade da indústria, a abertura comercial. Era o que alguns nichos empresariais queriam ouvir. Só que aqueles que aplaudiam na eleição, achavam que a reserva de mercado deles não seria mexida, só as dos vizinhos. Quem perdeu a reserva de mercado ficou insatisfeito.
O senhor falava que os carros do Brasil pareciam carroças.
Eram os carros, os celulares, os computadores, as carroças que o Brasil tinha. Tínhamos quatro montadoras, hoje temos 40. A abertura comercial permite à população escolher produtos que caibam no seu bolso.
Denúncias fortes contra seu governo partiram de seu irmão Pedro. Como ficou a relação familiar?
Aquilo foi muito difícil, nefasto. Meu irmão tinha um ódio de mim que eu não havia detectado. O ódio é um sentimento avassalador, ainda mais junto com a inveja, o espírito de competição. Acho que ele foi vítima desses sentimentos que cultivou e sofreu muito. Teve uma morte prematura, vítima de três tumores.
Foi difícil segurar a situação?
Abalou a família. Minha mãe tinha pressão alta e estava no Rio quando, lendo um jornal, viu uma declaração do Pedro dizendo que não a reconhecia mais como mãe, porque ela o havia destituído das empresas da família. Ela tinha mais de 70 anos, teve o choque, a pressão subiu, teve uma parada cardíaca e ficou em coma dois anos e meio.
Como soube do problema da dona Leda?
Fui informado no Planalto. Parei tudo, pedi ao Adib Jatene, que era ministro da Saúde, para me acompanhar. No hospital, esperei uns 40 minutos. O doutor voltou, abriu a porta e falou: “Presidente, sua mãe está morta. Não morreu, mas terá uma vida vegetativa”. A família foi destroçada. Quem pode devolver minha mãe?
O senhor acredita que o ex-tesoureiro de sua campanha, PC Farias, foi morto pela namorada (Suzana Marcolino)?
Acredito, foi um fato muito esquadrinhado por imprensa e legistas. Eu estava no Exterior quando fui avisado da morte.
Manteve sua relação com PC após a CPI?
Não. Se não fosse o Paulo Cesar, não teria havido campanha presidencial. Ele foi a pessoa que, quando ninguém acreditava na candidatura, disse que acreditava e ajudaria. A campanha evoluiu, mas logo depois de iniciado o governo, começamos a nos distanciar, porque não queria ver questões particulares tangenciando interesses do governo. Ele poderia querer ajudar A, B ou C, mas eu disse a meus ministros que nem a minha família seria atendida.
Houve denúncias de pagamentos pessoais de PC ao senhor.
Isso ficou esclarecido. Não teve nada a ver as atividades do Paulo Cesar com as minhas pessoais. Ficou esclarecido e provado nos autos dos processos que foram usados recursos provenientes de sobras de campanha.
O senhor seria categórico em dizer que não ocorreu corrupção no seu governo?
Absolutamente categórico, até porque não há nenhuma acusação de corrupção no meu governo. Em todas que foram feitas, não há uma em que eu estivesse envolvido.
Em 2009, o senhor mandou o senador Pedro Simon (PMDB-RS) engolir as palavras. Tinha algo a revelar sobre ele?
Se em algum momento eu me excedi em relação ao senador Simon, lamento, eu o tenho como grande homem público. Não quero revelar nada. Ele é um político que merece atenção.
O ex-presidente Itamar Franco contribuiu para o impeachment?
Gostaria de respeitar a memória do Itamar e guardar as boas recordações dos momentos que juntos tivemos. Nada a comentar.
Seu governo teve um ministério enxuto. O senhor governaria com 39 ministros, como se organiza o governo hoje?
Eu ficaria louco, mas tudo depende de cada um. Se a presidente Dilma governa com quase 40, é uma decisão dela. Quando assumi, reduzi os ministérios, pois queria reunir à mesa de almoço de 12 lugares todos os ministros.
O senhor vai votar na presidente Dilma?
Vou votar na Dilma.
Não é daqueles que engrossam o coro do “Volta, Lula”?
Não! Eu sou dos que engrossam o de “Fica, Dilma” (risos).