O ESTADO DE S.PAULO 07 de dezembro de 2013 | 2h 08
OPINIÃO
Ouvir os moradores dos bairros, por meio de representantes por eles eleitos, a respeito de suas necessidades e aspirações, para ajudar tanto no planejamento como na fiscalização das ações da Prefeitura, é sem dúvida uma boa iniciativa. Principalmente numa cidade das dimensões gigantescas de São Paulo, essa forma de descentralização - os conselhos de bairros, com um total de 1.125 integrantes, atuarão nas 32 Subprefeituras - pode, em princípio, ajudar a melhorar a qualidade da administração municipal.
O grande problema é como colocar em prática essa boa ideia, de forma a garantir que a população dos vários bairros esteja de fato representada, sem distorções provocadas pela capacidade de influência tanto dos partidos que controlam a máquina administrativa municipal como dos vereadores, sempre prontos a manipular as organizações de bairros em benefício de seus interesses eleitorais. E tudo indica que é exatamente isso que pode acontecer com os conselhos a serem eleitos no próximo domingo.
Poderá votar qualquer pessoa maior de 16 anos, com a simples apresentação de um documento com foto, em vez do título de eleitor, o que possibilita a participação dos imigrantes, estimados em 500 mil. A lista de candidatos tem 2.855 nomes. O prefeito Fernando Haddad - que já apresenta os conselhos como uma das grandes realizações de seu governo - diz esperar que entre os eleitos surjam novas lideranças regionais, aptas a alcançar no futuro os cargos de subprefeito.
A velha e tão decantada intenção do PT de aprimorar a democracia com o aumento da participação popular está muito longe de ser tão nobre e desinteressada quanto pode parecer, a julgar pelo exemplo dos conselhos. Daí as reações negativas à iniciativa de Haddad, que já começam a aparecer. A primeira partiu, como era de esperar, da oposição. O líder do PSDB na Câmara, vereador Floriano Pesaro, manifestou o temor de que os conselhos acabem por se transformar numa "espécie de subcâmara governista", caso seja eleito um grande número de candidatos indicados pelo PT. "Se isso acontecer", diz ele, "o que vamos ver é um monte de companheiros dizendo 'amém' para o governo."
Seus temores são bem fundados, porque, como mostra reportagem do Estado, a maioria dos locais de votação fica em áreas da periferia, nas quais é muito forte a influência do PT. Como se isso não bastasse, foi permitido que moradores de um bairro votem em candidatos de outro. Assim, um morador da Lapa, se quiser, pode votar em candidato de um bairro muito distante do seu - Parelheiros, por exemplo, situado no extremo sul da cidade.
A explicação da Prefeitura é de que segue recomendação do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), feita com base no fato de que 35% dos eleitores não votam no distrito onde moram. Ora, se o objetivo é estabelecer uma estreita ligação entre os eleitos e os problemas do bairro onde moram, o argumento não procede. Ou melhor, a constatação do TRE, que não tem relação direta com esse caso, está sendo usada espertamente com objetivos partidários.
Segundo o secretário municipal de Relações Governamentais, João Antônio (PT), encarregado de organizar a eleição - por que ele e não um grupo de representantes dos vários partidos, governistas e oposicionistas ? -, "o conselho deve ser o retrato da sociedade local. Se ela é ligada a um determinado partido, vai levar isso ao conselho". Com a escolha dos locais e as regras estabelecidas para a votação, a lógica do secretário se torna mais traiçoeira do que verdadeira, porque ela tende a criar condições que favorecem o PT.
A participação ativa na eleição dos vereadores de todos os partidos, que indicaram candidatos e ajudam na divulgação de seus nomes, é outro poderoso elemento que colabora para comprometer a representatividade dos conselhos. Se isso ocorrer, qual a sua utilidade, já que a sua composição será, numa boa medida, mero simulacro da Câmara? E, numa outra medida, uma caricatura do PT? A isso pode se reduzir a boa ideia de aumentar a participação dos moradores dos bairros na solução dos seus problemas.
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