Jorio Dauster
As manifestações populares que abalaram o país foram sepultadas sob os escombros da violência em que se associam falsos anarquistas e marginais de toda índole.
No entanto, aquelas marchas deixaram duas lições. A primeira é que a passividade do povo não deve ser entendida como aceitação, existindo um imenso deficit de representatividade. A segunda é que, dado o descrédito dos partidos e de instituições, as redes sociais mostraram impressionante capacidade de mobilização e passaram a ser fator inarredável do jogo político.
O problema essencial do Brasil é que, diante da multiplicação de partidos sem consistência doutrinária, o imperativo de governar por meio de coalizões oportunistas termina por corromper todos os agentes políticos, envolvendo-os numa incessante troca de interesses em que cargos e favores são a moeda com que se compra o voto de hoje e a traição de amanhã.
Pelo caráter espontâneo, as manifestações tinham quase tantas bandeiras quanto participantes, mas isso não representou uma fraqueza. Na realidade, a diversidade de reivindicações tornou patente que não há soluções tópicas --impõe-se uma solução sistêmica, em cuja base está uma ampla reforma política.
Não é a toa que Dilma Rousseff tentou ressuscitar a ideia de uma constituinte exclusiva com aquele fim, enquanto o Congresso acionou comissões encarregadas de fazer de conta que ali seriam examinadas com urgência questões já relegadas aos relatórios autofágicos que mantêm o status quo.
Como escapar ao impasse? O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, embora se esquive de fazer uma proposta formal devido a seu cargo, lançou uma bela ideia: nas próximas eleições presidenciais, cada candidato deveria, três meses antes, tornar pública sua proposta de reforma política. Assim, "quem escolher o candidato estaria escolhendo o modelo".
Diante dos desafios com que se defronta o país, a qualidade individual dos postulantes ao cargo de presidente não é por si só garantia de governabilidade, que passa também pela escolha de seus principais auxiliares. Até hoje, o mistério que cerca a formação da equipe de governo só se desfaz às vésperas do Ano Novo. Em grande parte, isso decorre das imperfeições de nosso processo político, pois a construção da base de apoio parlamentar extrapola a composição partidária em nível nacional e deve também atender à recomposição de forças decorrente das eleições estaduais. Ou seja, a partir do resultado das urnas, as preferências dos eleitores são substituídas por transações políticas que erodem a essência democrática do processo eleitoral.
A prática de surpreender o país com nomes tirados do bolso do colete se torna agora um risco inaceitável. O lento processo de formação da equipe estimula a especulação financeira e paralisa, durante meses, a administração pública.
Uma forma de mitigar esses efeitos nefastos consistiria em exigir que, antes do primeiro turno, os candidatos revelassem ao menos os nomes de seus quatro ministros-chave: Justiça, Fazenda, Relações Exteriores e Casa Civil.
Como nenhuma dessas ideias será aceita prazerosamente pela classe política, apenas as redes sociais serão capazes de transformá-las em exigências, dando enfim corpo aos protestos indistintos que nascem da angustiante falta de representatividade do cidadão brasileiro.
JORIO DAUSTER, 76, embaixador, é ex-presidente da Vale do Rio Doce
Nenhum comentário:
Postar um comentário