ZERO HORA 21 de dezembro de 2013 | N° 17651
CAUE FONSECA, GUILHERME MAZUI E RODRIGO SACCONE | BRASÍLIA
GASTO PARLAMENTAR. Veículos ligados a deputado são abastecidos em um estabelecimento, várias vezes em uma mesma data e até simultaneamente
De acordo com a prestação de contas do deputado federal Sérgio Moraes (PTB-RS), carros do seu gabinete passaram o último Carnaval entre idas e vindas em um posto de combustíveis. Da sexta a terça-feira do feriadão de fevereiro, os veículos ligados ao parlamentar abasteceram 43 vezes no mesmo posto de Santa Cruz do Sul.
Em apenas cinco dias, o deputado gastou R$ 4,5 mil, o teto mensal estabelecido pela Câmara para compra de combustível. A quantidade de abastecimentos ocorreu nas bombas da Abastecedora de Combustíveis TW (Posto 1), conforme as notas e cupons fiscais apresentados por Moraes para pedir o reembolso das despesas, o que é permitido pela Câmara.
Desde o início da atual legislatura, em 2011, Moraes é o deputado gaúcho que mais usa a cota parlamentar, uma ajuda de custo mensal da Câmara, na rubrica combustível. Até setembro, gastou R$ 142,29 mil, a maior parte no posto de Santa Cruz.
Ao acumular cupons suficientes para justificar o gasto de R$ 4,5 mil, uma nota fiscal com a soma dos valores abastecidos é enviada à Câmara, que faz o reembolso, dentro das regras para a cota parlamentar. Considerando o preço atual da gasolina na TW, conforme a ANP (R$ 3,098), com o valor é possível comprar mais de 1,4 mil litros de combustível, suficiente para rodar 14 mil quilômetros.
Via Lei de Acesso à Informação, ZH obteve 1.176 cupons fiscais da prestação de contas do parlamentar entre janeiro de 2012 e junho de 2013. Além do número de abastecimentos (média de 65 por mês), os cupons chamam atenção pelos valores, datas e horários. Pela documentação, a equipe de Moraes – composta por 25 assessores, divididos entre o Estado e Brasília – faz abastecimentos sequenciais, alguns com diferenças de minutos, concentrados nos primeiros dias de cada mês.
A curiosa rotina nas bombas de combustível teve seu ápice em maio de 2012. Moraes afirma ter feito 114 abastecimentos entre o do dia 1º e 5. Chama a atenção a quantidade de cupons fiscais de baixo valor: no dia 2, foram 37 (11 deles de R$ 20). No dia 4, em que o deputado gastou R$ 1.763,98 em 43 abastecimentos, 29 deles tinham valores abaixo de R$ 50.
Em alguns dias, há cupons de abastecimentos simultâneos
No mês seguinte, há mais fatos inusitados nos 105 comprovantes. No dia 3 de junho, um domingo, foram 49 passagens pelo posto entre 7h22min e 21h55min. Em quatro oportunidades, ocorreram abastecimentos simultâneos: às 14h25min, 15h40min, 17h12min e 19h08min.
Em janeiro deste ano, época de recesso parlamentar, o deputado atingiu a cota em dois dias. Só na sexta-feira do dia 4, abasteceu 40 vezes, consumindo R$ 2,8 mil. Para o secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castelo Branco, os números são suspeitos:
– Há indícios graves de irregularidades nestas notas. É inimaginável fazer 30, 40 abastecimentos num mesmo dia, alguns no mesmo horário. Seria impensável uma fila indiana de funcionários do gabinete abastecendo.
Moraes promete averiguar despesas
O deputado Sérgio Moraes justifica os abastecimentos pela quantidade de municípios atendidos por seu gabinete. Sobre os valores e horários inusitados, levanta duas hipóteses:
– Acredito que seja devido aos carros ou motos estarem juntos no mesmo horário abastecendo ao final ou antes de uma reunião. Mas também pode ter acontecido que o estabelecimento tenha acumulado cupons e tenha juntado com a nota.
Moraes se refere à nota eletrônica, emitida com um único valor, e enviada à Câmara com os comprovantes em anexo. Ele promete averiguar:
– Se está errado, tem dois lugares que erraram. Ou foi o posto que pegou assinatura da nota e depois emitiu o cupom. Isso está errado, não acompanho esta parte. Ou aqui no meu gabinete, ao ter remetido para a prestação de contas, não prestou atenção neste fato. Vou atrás e vou conferir.
Ele salienta que gasta apenas com rubricas necessárias para o exercício do mandato, e que não atinge o limite da cota parlamentar. Não usa a cota, por exemplo, com divulgação e correspondência. Moraes afirma que o limite para combustíveis deveria ser superior a R$ 4,5 mil. Declara que gasta mais do que isso, pagando o excedente do seu próprio bolso:
– Só a minha caminhonete roda de 6 a 8 mil quilômetros por mês. Só um carro, tu pensas todos os outros.
Em nota, a Câmara afirma que a solicitação de reembolso da cota é efetuada mediante um requerimento padrão, assinado pelo deputado, que declara assumir responsabilidade pela liquidação da despesa e pela veracidade da documentação apresentada.
Luiz Fernando Freire Webster, sócio da abastecedora TW, afirmou ter mais de 300 clientes conveniados, sendo que cada um preenche um cadastro, no qual autoriza outras pessoas a abastecerem em seu nome. Quem é autorizado pode assinar o comprovante do abastecimento ou apresentar ordem assinada pelo titular da conta. A nota fiscal, que reúne os cupons do mês, só é emitida para os conveniados.
COMO FUNCIONA O REEMBOLSO
Cada deputado federal pode gastar R$ 4,5 mil em combustíveis por mês, valor que é reembolsado pela Câmara mediante comprovação.
- A despesa integra a cota para o exercício da atividade parlamentar, ajuda de custo que varia conforme o Estado do deputado – no RS é de R$ 37.256 mensais.
- Para ser ressarcido, o deputado apresenta à Câmara a nota fiscal que discrimina o gasto, de preferência com os respectivos cupons fiscais. Após, é feito o reembolso.
- Não há restrição para o número de carros que podem receber combustível pago com a conta e nem há identificação do veículo abastecido.
- Até fevereiro de 2013, Sérgio Moraes apresentava uma nota por mês, no valor máximo de R$ 4,5 mil. E anexava os cupons dos abastecimentos.
- As notas saíram no nome do mesmo posto, TW. Concentram os gastos nos primeiros dias do mês e com intervalos curtos entre cada abastecimento.
- Em março, o comportamento é alterado. É o primeiro mês em que o deputado apresenta notas fiscais de outros postos. Mas o TW segue presente, com notas de valores altos baseadas em cupons de pequenas somas.
CAUE FONSECA, GUILHERME MAZUI E RODRIGO SACCONE | BRASÍLIA
GASTO PARLAMENTAR. Veículos ligados a deputado são abastecidos em um estabelecimento, várias vezes em uma mesma data e até simultaneamente
De acordo com a prestação de contas do deputado federal Sérgio Moraes (PTB-RS), carros do seu gabinete passaram o último Carnaval entre idas e vindas em um posto de combustíveis. Da sexta a terça-feira do feriadão de fevereiro, os veículos ligados ao parlamentar abasteceram 43 vezes no mesmo posto de Santa Cruz do Sul.
Em apenas cinco dias, o deputado gastou R$ 4,5 mil, o teto mensal estabelecido pela Câmara para compra de combustível. A quantidade de abastecimentos ocorreu nas bombas da Abastecedora de Combustíveis TW (Posto 1), conforme as notas e cupons fiscais apresentados por Moraes para pedir o reembolso das despesas, o que é permitido pela Câmara.
Desde o início da atual legislatura, em 2011, Moraes é o deputado gaúcho que mais usa a cota parlamentar, uma ajuda de custo mensal da Câmara, na rubrica combustível. Até setembro, gastou R$ 142,29 mil, a maior parte no posto de Santa Cruz.
Ao acumular cupons suficientes para justificar o gasto de R$ 4,5 mil, uma nota fiscal com a soma dos valores abastecidos é enviada à Câmara, que faz o reembolso, dentro das regras para a cota parlamentar. Considerando o preço atual da gasolina na TW, conforme a ANP (R$ 3,098), com o valor é possível comprar mais de 1,4 mil litros de combustível, suficiente para rodar 14 mil quilômetros.
Via Lei de Acesso à Informação, ZH obteve 1.176 cupons fiscais da prestação de contas do parlamentar entre janeiro de 2012 e junho de 2013. Além do número de abastecimentos (média de 65 por mês), os cupons chamam atenção pelos valores, datas e horários. Pela documentação, a equipe de Moraes – composta por 25 assessores, divididos entre o Estado e Brasília – faz abastecimentos sequenciais, alguns com diferenças de minutos, concentrados nos primeiros dias de cada mês.
A curiosa rotina nas bombas de combustível teve seu ápice em maio de 2012. Moraes afirma ter feito 114 abastecimentos entre o do dia 1º e 5. Chama a atenção a quantidade de cupons fiscais de baixo valor: no dia 2, foram 37 (11 deles de R$ 20). No dia 4, em que o deputado gastou R$ 1.763,98 em 43 abastecimentos, 29 deles tinham valores abaixo de R$ 50.
Em alguns dias, há cupons de abastecimentos simultâneos
No mês seguinte, há mais fatos inusitados nos 105 comprovantes. No dia 3 de junho, um domingo, foram 49 passagens pelo posto entre 7h22min e 21h55min. Em quatro oportunidades, ocorreram abastecimentos simultâneos: às 14h25min, 15h40min, 17h12min e 19h08min.
Em janeiro deste ano, época de recesso parlamentar, o deputado atingiu a cota em dois dias. Só na sexta-feira do dia 4, abasteceu 40 vezes, consumindo R$ 2,8 mil. Para o secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castelo Branco, os números são suspeitos:
– Há indícios graves de irregularidades nestas notas. É inimaginável fazer 30, 40 abastecimentos num mesmo dia, alguns no mesmo horário. Seria impensável uma fila indiana de funcionários do gabinete abastecendo.
Moraes promete averiguar despesas
O deputado Sérgio Moraes justifica os abastecimentos pela quantidade de municípios atendidos por seu gabinete. Sobre os valores e horários inusitados, levanta duas hipóteses:
– Acredito que seja devido aos carros ou motos estarem juntos no mesmo horário abastecendo ao final ou antes de uma reunião. Mas também pode ter acontecido que o estabelecimento tenha acumulado cupons e tenha juntado com a nota.
Moraes se refere à nota eletrônica, emitida com um único valor, e enviada à Câmara com os comprovantes em anexo. Ele promete averiguar:
– Se está errado, tem dois lugares que erraram. Ou foi o posto que pegou assinatura da nota e depois emitiu o cupom. Isso está errado, não acompanho esta parte. Ou aqui no meu gabinete, ao ter remetido para a prestação de contas, não prestou atenção neste fato. Vou atrás e vou conferir.
Ele salienta que gasta apenas com rubricas necessárias para o exercício do mandato, e que não atinge o limite da cota parlamentar. Não usa a cota, por exemplo, com divulgação e correspondência. Moraes afirma que o limite para combustíveis deveria ser superior a R$ 4,5 mil. Declara que gasta mais do que isso, pagando o excedente do seu próprio bolso:
– Só a minha caminhonete roda de 6 a 8 mil quilômetros por mês. Só um carro, tu pensas todos os outros.
Em nota, a Câmara afirma que a solicitação de reembolso da cota é efetuada mediante um requerimento padrão, assinado pelo deputado, que declara assumir responsabilidade pela liquidação da despesa e pela veracidade da documentação apresentada.
Luiz Fernando Freire Webster, sócio da abastecedora TW, afirmou ter mais de 300 clientes conveniados, sendo que cada um preenche um cadastro, no qual autoriza outras pessoas a abastecerem em seu nome. Quem é autorizado pode assinar o comprovante do abastecimento ou apresentar ordem assinada pelo titular da conta. A nota fiscal, que reúne os cupons do mês, só é emitida para os conveniados.
COMO FUNCIONA O REEMBOLSO
Cada deputado federal pode gastar R$ 4,5 mil em combustíveis por mês, valor que é reembolsado pela Câmara mediante comprovação.
- A despesa integra a cota para o exercício da atividade parlamentar, ajuda de custo que varia conforme o Estado do deputado – no RS é de R$ 37.256 mensais.
- Para ser ressarcido, o deputado apresenta à Câmara a nota fiscal que discrimina o gasto, de preferência com os respectivos cupons fiscais. Após, é feito o reembolso.
- Não há restrição para o número de carros que podem receber combustível pago com a conta e nem há identificação do veículo abastecido.
- Até fevereiro de 2013, Sérgio Moraes apresentava uma nota por mês, no valor máximo de R$ 4,5 mil. E anexava os cupons dos abastecimentos.
- As notas saíram no nome do mesmo posto, TW. Concentram os gastos nos primeiros dias do mês e com intervalos curtos entre cada abastecimento.
- Em março, o comportamento é alterado. É o primeiro mês em que o deputado apresenta notas fiscais de outros postos. Mas o TW segue presente, com notas de valores altos baseadas em cupons de pequenas somas.
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