CARLOS ALBERTO DI FRANCO
A seção Cartas dos Leitores do jornal O Popular, prestigioso diário de Goiânia, publicou uma que merece ser compartilhada. O autor, Fernando Rocha Lima Nogueira, é um adolescente de 16 anos. O texto, leve e solto, pautou este artigo.
"Tentei contar o número de mensagens que troquei hoje pelo whatsapp, desisti, pois se tornou uma tarefa impossível. Confesso que não sei ficar sem o meu telefone celular, com um carregador sempre por perto, me sinto pronto para me comunicar com o mundo, inclusive com os meus pais. Dentro de minha própria casa não tenho constrangimento em usar da tecnologia para dizer que já estou indo almoçar, ou para outro fim qualquer. Não me sinto mal por isso. Na escola, tenho como referência meus amigos, que não fazem nada muito diferente do que eu faço. Somos fruto de uma geração que cresceu maravilhada com os canais infantis de tv a cabo, game boy, psp e wi-fi. Não aprendemos nada sozinhos. Na edição de segunda-feira 28/10/2013, João Lemes reflete sobre a comunicação dentro de casa. Acredito que não há caminho de volta, a comunicação virtual é uma realidade, mas nada, nenhuma rede social até hoje substituiu um carinho de mãe, ou boas risadas em volta da mesa de almoço, ou aquelas graças que só têm graça ao vivo e a cores."
Fernando deu um recado muito legal. A comunicação virtual é um fato irreversível. Mas o que dá sentido à vida não está nas plataformas digitais. Está na alegria, na graça, no carinho da família. Nada, nada mesmo, supera a força, o ímã, a magia do ambiente familiar.
A demanda doméstica, tão bem flagrada na carta do jovem goiano, não é novidade para quem mantém contato permanente com o universo estudantil. A juventude real está identificando valores como respeito, fidelidade, família, ética. Há uma busca de âncoras morais e de normalidade afetiva.
O desinteresse pela política - evidente e medido em inúmeras pesquisas de opinião - é, na verdade, uma rejeição ao comportamento imoral e cínico de grande parte dos políticos. E isso é bom. Trata-se, no fundo, de um sinal afirmativo. Os jovens estão em rota de colisão com a politicagem tradicional.
Os políticos não se dão conta, mas o modelo está se esgotando. Os partidos, se quiserem ter alguma interlocução com a moçada, vão ter de se reinventar. A renovação ética do Brasil não virá do blá-blá-blá vazio dos caciques partidários, mas da base da pirâmide etária. A política das coligações, marcadas pelo pragmatismo aético, vai ruir como um castelo de cartas. É só uma questão de tempo.
Mas há também em andamento profundas mudanças comportamentais. O relacionamento descartável vai sendo substituído pelo sentido do compromisso. A juventude atual, não a desenhada por certa indústria cultural que vive isolada numa bolha ideológica e de costas para a realidade, manifesta uma procura de firmeza moral, de valores familiares e religiosos. Deus, família, fidelidade, trabalho, realidades tidas como anacrônicas nas últimas décadas, são valores em alta. A Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro, foi fortemente reveladora. Mais de 2 milhões de jovens se reuniram com o papa Francisco num espetáculo de fé, alegria, descontração e comprometimento. É muito mais do que a Copa do Mundo e a Olimpíada juntas.
A família, não obstante sua crise evidente, é uma forte aspiração dos jovens. Ao contrário do que se pensa em certos ambientes politicamente corretos, os adolescentes atribuem importância decisiva ao ambiente familiar. Mesmo os jovens que convivem com a violência doméstica consideram importante a base familiar. A relação no lar é fundamental, ainda que haja conflito. Parece paradoxal, mas é assim. Eles acham melhor ter uma família danificada do que não ter ninguém. Em casa deixaram de rotular os pais de "caretas" para buscarem neles a figura do companheiro. Os jovens, em numerosas pesquisas, apontam a família tradicional como a instituição de maior ascendência em suas decisões.
Alguns, no entanto, defendem um modelo de família que não bate com esse anseio dos jovens. Respeito a divergência e convivo com o contraditório. Sem problema. Mas não duvido que é na família, na família tradicional, mais do que em qualquer outro quadro de convivência, o lugar onde podem ser cultivados os valores, as virtudes e as competências que constituem o melhor fundamento da educação para a cidadania. E os jovens sabem disso.
No campo da afetividade, antes marcado pelo relacionamento descartável e pela falta de vínculos, vai-se impondo a cultura da fidelidade. O tema da sexualidade, puritanamente evitado pela geração que se formou na caricata moral dos tabus e das proibições, acabou explodindo, sem limites, na síndrome do relacionamento promíscuo e transitório. Agora o rio está voltando ao seu leito. O frequente uso de alianças na mão direita, manifestação visível de compromisso afetivo, revela algo mais profundo: os jovens estão apostando em relações duradouras.
Assiste-se, na universidade e no ambiente de trabalho, ao ocaso das ideologias e ao surgimento de um forte profissionalismo. Ao contrário das utopias do passado, os jovens acreditam na excelência e no mérito como forma de fazer a verdadeira revolução. Eles defendem o pluralismo e o debate das ideias. O pensamento divergente é saudável. As pessoas querem um discurso diverso, não um local onde se pregue apenas uma corrente de pensamento.
O mundo está mudando. Quem não perceber, na mídia e fora dela, essa virada comportamental perderá a conexão com importante segmento do mercado de consumo editorial.
DOUTOR EM COMUNICAÇÃO PELA UNIVERSIDADE DE NAVARRA, É DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO DO INSTITUTO INTERNACIONAL DE CIÊNCIAS SOCIAIS
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