OPINIÃO
O Ministério Público Federal (MPF) em Brasília abriu inquérito para investigar a enxurrada de funcionários comissionados, ou seja, admitidos não mediante concurso, mas por apadrinhamento, no Senado. Nove meses depois da posse do alagoano Renan Calheiros na sua presidência - e do anúncio de cortes de custos e na folha de pessoal - eles já são maioria na Casa. Somam 3.241 servidores, ou 52% de um total de 6.232. É a primeira vez que isso acontece em 11 anos. Conforme orientação do MPF, os sem-concurso deveriam representar menos da metade do contingente empregado.
O trem da alegria conduzido pelo mesmo Renan que prometeu fazer uma ampla reforma administrativa na instituição, para economizar R$ 300 milhões até o ano que vem, recebe cada vez mais passageiros especiais - um "número exacerbado", dizem os procuradores. Desde fevereiro, pelas contas do Portal da Transparência, foram admitidos apenas 3 concursados e 542 cujas credenciais se prestam mais ao loteamento político da Câmara Alta. Esse dado é maior que o do ano 2000 inteiro, quando a turma beneficiada pelo QI (Quem Indica) tinha só 370 membros.
O próprio Renan abriga em seu gabinete 12 filiados e ex-filiados do seu partido, o PMDB. A lista incluía um ficha-suja, de nome Nerigleikson Paiva de Melo, o Nery, que foi cassado sob a acusação de compra de votos nas eleições de 2008 para a Câmara de Vereadores de Maceió. (Dias atrás ele foi, afinal, exonerado.) Sabem, portanto, o que fazem os procuradores ao demandar acesso aos dados pessoais dos comissionados, incluindo a sua eventual filiação partidária. Querem saber também quem pediu ao diretor-geral da Casa que os nomeasse e quantos deles ocupam cargos de direção, chefia e assessoramento.
O ingresso risonho e franco de apaniguados daqueles que, com a indiferença de sempre pela ética pública, lhes abrem as portas para tê-los ao seu lado, segundo critérios de "estrita confiança", como se lê na nota do Senado sobre a iniciativa do MPF, é objeto legítimo de averiguação. Mas a lambança não pode obscurecer outra situação injustificável: entre protegidos e concursados, a Casa tem o equivalente a 77 funcionários para cada 1 dos seus 81 mandatários eleitos. E nem todas as vagas estão preenchidas. Até o fim do ano, por exemplo, 294 desses cargos deverão ser ocupados.
Eis por que a folha de pagamento do Senado consome R$ 3 bilhões por ano - sem falar no gasto com terceirizados. Há uma década, as despesas com pessoal somavam pouco mais de R$ 1 bilhão, ou R$ 1,83 bilhão em valores corrigidos. Em termos reais, portanto, o desembolso da Casa com os seus funcionários deu um salto da ordem de 60% - e não é que o número de senadores tenha aumentado. O mundo encantado dos benefícios que os parlamentares distribuem com incontida desenvoltura, repassando a fatura para o contribuinte, não se limita ao Senado. A Câmara também se mostra ágil e atuante quando se trata da distribuição de vantagens para a sua gente.
A mais nova extravagância incompreensível para os cidadãos comuns é o acréscimo de R$ 19 milhões, a partir do próximo ano, na sua folha de pagamento para cobrir os gastos com 89 funcionários adicionais e os 30 efetivos que passarão a ganhar um extra pelo exercício de cargos de confiança. Eles vão trabalhar para as lideranças das bancadas dos recém-criados partidos PROS e Solidariedade, um com 19 deputados, o outro com 22, que migraram de outras siglas. Mas - eis o escândalo - os partidos abandonados não perderão as suas cotas de funcionários. Estes não serão transferidos para os gabinetes dos líderes das novas legendas nem haverá um remanejamento de servidores para atender às mudanças na composição da Casa.
Se assim é, e se continuam sendo 513 os integrantes da Casa que já emprega mais de 15 mil pessoas, os 119 servidores, entre atuais e futuros, receberão dos cofres públicos para prestar serviços a duas entidades privadas, como são, juridicamente, as agremiações políticas. Só falta o Congresso voltar a acomodar nas suas dependências as sedes partidárias, como se fazia em tempos idos nesse Brasil patrimonialista.
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