CORREIO DO POVO 8 de maio de 2015
JUREMIR MACHADO DA SILVA
A política é arte de dizer uma coisa na campanha e outra na cidade.
A campanha é o momento em que todos viram caçadores. Tudo é campo.
A cidade é quanto as presas foram abatidas e os caçadores foram para Brasília.
Brasileiro é infiel em quase tudo, até nas frases. A autoria de uma boa tirada varia com o tempo e com a memória. Quanto mais o tempo passa, mais a memória fica parecida com a terceirização: flexível. Dizem que é de Nelson Rodrigues a ideia de que no Brasil até prostituta se apaixona. Pelo cliente. Volta e meia, porém, a autoria dessa sacada é atribuída a outros. Há quem garanta que é de Tim Maia, aparentemente mais versado no assunto do que Nelson. Em outra versão, Tim Maia teria melhorado a frase original: “No Brasil, prostituta se apaixona e cafetão tem ciúme”. Por que prostituta não se apaixonaria? Cliente retribui. Por que cafetão não sentiria ciúme? É a posse.
Somos originais. Os dois homens mais poderosos do país no momento, os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, Eduardo Cunha e Renan Calheiros, são objeto de investigação policial. A Polícia Federal foi autorizada a vasculhar as gavetas e os computadores de Cunha no seu local de trabalho, de onde chantageia a presidente da República, o Senado e quem mais atravessar o seu caminho. Se a presidente da República for objeto de investigação policial, a oposição, com toda razão, pedirá o seu impeachment. Por que o mesmo não é feito com Calheiros e Cunha? Porque não conseguimos ser fiéis a uma ideia por muito tempo. É o nosso jeitinho. Alguns deputados do PDT, partido de Leonel Brizola, votaram a favor da lei das terceirizações, que flexibiliza a CLT.
O governo petista é contra a terceirização total, por entender que retira direitos trabalhistas, mas propõe um pacotaço fiscal que faz o mesmo por outros meios.
O jeitinho brasileiro confunde a cabeça dos estrangeiros, esses seres bitolados pelo excesso de coerência: projeto do governo defende as ideias da oposição, que não pode votar a favor para não fazer o jogo da situação. O partido do governo rebela-se contra o projeto por ver nele as impressões digitais da oposição, mas vota a favor para não deixar mal a presidente da República, que não pode abrir a boca para não ouvir panelaço. Fica assim: a situação propõe o que pretensamente combate. A oposição vota contra o que defende. As centrais sindicais simpáticas ao governo ficam na saia justa: são contra o projeto governista, mas não querem favorecer a oposição.
Tem que opte por outra fórmula do jeitinho brasileiro: dizer uma coisa e fazer outra. Na televisão, o PT combate a terceirização. No Congresso Nacional, aprova o ajuste fiscal. Na telinha, o PT anuncia que não aceita mais financiamento empresarial para campanhas. Nas contas de todas as suas vitórias eleitorais, porém, as “doações” empresariais garantiram o marketing e muitos votos. No programa da TV, o PT diz que vai expulsar condenados por corrupção. Na realidade, José Dirceu e José Genoíno, condenados do mensalão, continuam filiados. Delúbio Soares foi reintegrado. No Brasil, prostituta se apaixona e ladrão vai a televisão pedir que o país seja passado a limpo a partir do seu exemplo. O delator Paulo Roberto Costa deu lição de moral aos políticos. A culpa não seria dele. É sempre nossa. O PSDB não expulsa condenados. Nenhum dos seus suspeitos é julgado. Falta juiz. Falta tempo. Falta tribunal.
A política é a arte de transformar a promessa não cumprida em necessidade.
Um jeitinho que sempre funciona.
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