REVISTA ISTO É N° Edição: 2373 | 23.Mai.15 - 09:59
Enquanto a CGU e o MP avaliam se as empreiteiras envolvidas na Lava Jato deveriam continuar a firmar contratos com o poder público, essas mesmas construtoras são beneficiadas pelo governo federal com reajustes em contratos de obras em rodovias
Josie Jeronimo
A fonte das grandes obras da Petrobras secou, mas nem por isso as empreiteiras investigadas pela Operação Lava Jato perderam o status de “vip” nas obras públicas do País. No momento em que a Controladoria-Geral da União (CGU) e o Ministério Público Federal examinam se as construtoras acusadas de corrupção poderão celebrar novos contratos com o governo, as empreiteiras são beneficiadas com reajustes contratuais de obras que já haviam estourado o orçamento. Nos últimos quatro meses, cinco contratos da OAS, UTC/Constran, Queiroz Galvão com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) para execução de obras em rodovias receberam R$ 43,2 milhões em aditivos. Há ainda na mesa da direção do DNIT um pedido de liberação de outros R$ 10 milhões em aditivos para obra da Ponte de Laguna, em Santa Catarina, tocada pela Camargo Corrêa. De abril a maio, pelo menos outras 47 obras receberam aditivos, em um total de R$ 119 milhões.
Os aditivos liberados nos últimos meses guardam relação direta com a Petrobras, além da coincidência de envolverem as mesmas empreiteiras investigadas no Petrolão. Na justificativa oficial, os reajustes seriam necessários para cobrir um aumento de 30% do preço do asfalto fornecido pela Petrobras. Ocorre que o reajuste do insumo é controverso. Até hoje, nem mesmo a estatal, única fornecedora de material betuminoso no País, conseguiu explicar de maneira objetiva a razão da subida do valor do asfalto. “Os reajustes de preços dos derivados da Petrobras obedecem a parâmetros estritamente internos”, afirmou a estatal.
O polêmico aumento do preço do asfalto da Petrobras se transformou em um fundamento técnico com ares de legalidade para amparar a concessão dos termos aditivos, mas funcionários do DNIT ouvidos por ISTOÉ denunciam que os acréscimos nos contratos estão sendo feitos sem qualquer critério e empreiteiras com maior trânsito político no governo têm levado vantagem. Essas empreiteiras, segundo as mesmas fontes, pressionaram a direção do DNIT a majorar o valor das obras em rodovias tão logo foi divulgado o aumento de 30% no asfalto da Petrobras, em dezembro de 2014. A concessão dos aditivos pelo governo às empresas implicadas na Lava Jato intrigou o TCU, que promete examinar o caso. Para o procurador do MP junto ao TCU, Marinus Marsico, o País precisa ficar atento a manobras de sobrepreço para que ocorrências de superfaturamento como as verificadas nas refinarias de Abreu e Lima (PE) e Comperj (RJ) não se repitam. “Vamos investigar. É preciso ver se os aditivos se adéquam à legislação para evitar o que ocorreu com as refinarias”, afirmou. Para sustentar que as construtoras estariam sendo beneficiadas, funcionários graduados do DNIT argumentam que, ao contrário do que foi feito, a readequação de valores contratuais deveria privilegiar os contratos mais recentes e não os antigos, referentes a obras que normalmente já se arrastam há anos e têm cronograma de entrega anterior ao reajuste feito pela Petrobras no valor do asfalto.
Uma das empreiteiras beneficiadas com aditivos foi a UTC/Constran. Em 2012, a construtora se comprometeu a entregar até julho de 2014 pouco mais de 50 quilômetros da duplicação na BR 116. A obra não ficou pronta no prazo e o valor inicial dos dois lotes da empreitada saltou de R$ 224,1 milhões para R$ 255,5 milhões. Só nos últimos meses foram pagos R$ 31,3 milhões em aditivos à empreiteira investigada pela Operação Lava Jato. A Constran faz parte do grupo UTC Engenharia, que era comandado por Ricardo Pessoa. Após quase seis meses de prisão na carceragem da Polícia Federal em Curitiba, o presidente do grupo UTC assinou acordo de delação premiada com a procuradoria-geral da República e contou detalhes do esquema de corrupção que envolvia empresas, políticos e diretores da Petrobras.
Obras da Queiroz Galvão no Rio de Janeiro e em Sergipe também foram turbinadas com aditivos. Quando firmou contrato com o DNIT em 2012, a previsão de entrega do acesso ao Porto de Itaguaí (RJ) era junho de 2014. Só este ano, a empreiteira recebeu em aditivos R$ 8,8 milhões, montante que ultrapassa 10% do total inicial do contrato que era de 81,8 milhões. A construtora tem, ainda, dois lotes de obras pendentes na duplicação da BR 101/SE e foi contemplada com R$ 1,2 milhão em aditivos para terminar o serviço iniciado em 2010. Também com obras não finalizadas há quase cinco anos, a OAS recebeu R$ 1,9 milhão de acréscimo contratual pelo trecho que foi designada a duplicar na BR101, altura de Alagoas.
A liberdade das empresas investigadas para continuar participando de licitações com a União decorre da decisão do governo de tentar fechar acordo de leniência com as empreiteiras. Em vez de entrarem para a lista de firmas inidôneas, as empresas teriam que pagar multa e colaborar com as apurações da Lava Jato. Para o deputado Ivan Valente (PSOL-SP), integrante da CPI da Petrobras na Câmara, a falta de punição favorece o ambiente de corrupção. “Entendo as dificuldades de paralisar as obras, mas temos que cumprir a função punitiva. Se as empresas sabiam que estariam cometendo irregularidades e isto comprometeria sua participação em obras públicas, então elas calcularam o risco. É preciso haver um grau de punição explícito, e isso ainda não foi feito”.
Procurado por ISTOÉ, o DNIT negou que o acréscimo nos contratos tenha relação com o reajuste promovido pela Petrobras. Mas,contraditoriamente, a própria autarquia, pressionada por seu corpo técnico, publicou um boletim administrativo designando uma comissão para avaliar critérios de reajuste dos contratos em virtude do aumento do preço do asfalto. É o Petrolão nas estradas.
Fotos: Adriano Machado/Ag. Istoé, Márcia Foletto/Ag. O Globo; Paulo lisboa/Brazil Photo Press; Alvarélio Kurossu/Ag. RBS
Enquanto a CGU e o MP avaliam se as empreiteiras envolvidas na Lava Jato deveriam continuar a firmar contratos com o poder público, essas mesmas construtoras são beneficiadas pelo governo federal com reajustes em contratos de obras em rodovias
Josie Jeronimo
A fonte das grandes obras da Petrobras secou, mas nem por isso as empreiteiras investigadas pela Operação Lava Jato perderam o status de “vip” nas obras públicas do País. No momento em que a Controladoria-Geral da União (CGU) e o Ministério Público Federal examinam se as construtoras acusadas de corrupção poderão celebrar novos contratos com o governo, as empreiteiras são beneficiadas com reajustes contratuais de obras que já haviam estourado o orçamento. Nos últimos quatro meses, cinco contratos da OAS, UTC/Constran, Queiroz Galvão com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) para execução de obras em rodovias receberam R$ 43,2 milhões em aditivos. Há ainda na mesa da direção do DNIT um pedido de liberação de outros R$ 10 milhões em aditivos para obra da Ponte de Laguna, em Santa Catarina, tocada pela Camargo Corrêa. De abril a maio, pelo menos outras 47 obras receberam aditivos, em um total de R$ 119 milhões.
Os aditivos liberados nos últimos meses guardam relação direta com a Petrobras, além da coincidência de envolverem as mesmas empreiteiras investigadas no Petrolão. Na justificativa oficial, os reajustes seriam necessários para cobrir um aumento de 30% do preço do asfalto fornecido pela Petrobras. Ocorre que o reajuste do insumo é controverso. Até hoje, nem mesmo a estatal, única fornecedora de material betuminoso no País, conseguiu explicar de maneira objetiva a razão da subida do valor do asfalto. “Os reajustes de preços dos derivados da Petrobras obedecem a parâmetros estritamente internos”, afirmou a estatal.
O polêmico aumento do preço do asfalto da Petrobras se transformou em um fundamento técnico com ares de legalidade para amparar a concessão dos termos aditivos, mas funcionários do DNIT ouvidos por ISTOÉ denunciam que os acréscimos nos contratos estão sendo feitos sem qualquer critério e empreiteiras com maior trânsito político no governo têm levado vantagem. Essas empreiteiras, segundo as mesmas fontes, pressionaram a direção do DNIT a majorar o valor das obras em rodovias tão logo foi divulgado o aumento de 30% no asfalto da Petrobras, em dezembro de 2014. A concessão dos aditivos pelo governo às empresas implicadas na Lava Jato intrigou o TCU, que promete examinar o caso. Para o procurador do MP junto ao TCU, Marinus Marsico, o País precisa ficar atento a manobras de sobrepreço para que ocorrências de superfaturamento como as verificadas nas refinarias de Abreu e Lima (PE) e Comperj (RJ) não se repitam. “Vamos investigar. É preciso ver se os aditivos se adéquam à legislação para evitar o que ocorreu com as refinarias”, afirmou. Para sustentar que as construtoras estariam sendo beneficiadas, funcionários graduados do DNIT argumentam que, ao contrário do que foi feito, a readequação de valores contratuais deveria privilegiar os contratos mais recentes e não os antigos, referentes a obras que normalmente já se arrastam há anos e têm cronograma de entrega anterior ao reajuste feito pela Petrobras no valor do asfalto.
Uma das empreiteiras beneficiadas com aditivos foi a UTC/Constran. Em 2012, a construtora se comprometeu a entregar até julho de 2014 pouco mais de 50 quilômetros da duplicação na BR 116. A obra não ficou pronta no prazo e o valor inicial dos dois lotes da empreitada saltou de R$ 224,1 milhões para R$ 255,5 milhões. Só nos últimos meses foram pagos R$ 31,3 milhões em aditivos à empreiteira investigada pela Operação Lava Jato. A Constran faz parte do grupo UTC Engenharia, que era comandado por Ricardo Pessoa. Após quase seis meses de prisão na carceragem da Polícia Federal em Curitiba, o presidente do grupo UTC assinou acordo de delação premiada com a procuradoria-geral da República e contou detalhes do esquema de corrupção que envolvia empresas, políticos e diretores da Petrobras.
Obras da Queiroz Galvão no Rio de Janeiro e em Sergipe também foram turbinadas com aditivos. Quando firmou contrato com o DNIT em 2012, a previsão de entrega do acesso ao Porto de Itaguaí (RJ) era junho de 2014. Só este ano, a empreiteira recebeu em aditivos R$ 8,8 milhões, montante que ultrapassa 10% do total inicial do contrato que era de 81,8 milhões. A construtora tem, ainda, dois lotes de obras pendentes na duplicação da BR 101/SE e foi contemplada com R$ 1,2 milhão em aditivos para terminar o serviço iniciado em 2010. Também com obras não finalizadas há quase cinco anos, a OAS recebeu R$ 1,9 milhão de acréscimo contratual pelo trecho que foi designada a duplicar na BR101, altura de Alagoas.
A liberdade das empresas investigadas para continuar participando de licitações com a União decorre da decisão do governo de tentar fechar acordo de leniência com as empreiteiras. Em vez de entrarem para a lista de firmas inidôneas, as empresas teriam que pagar multa e colaborar com as apurações da Lava Jato. Para o deputado Ivan Valente (PSOL-SP), integrante da CPI da Petrobras na Câmara, a falta de punição favorece o ambiente de corrupção. “Entendo as dificuldades de paralisar as obras, mas temos que cumprir a função punitiva. Se as empresas sabiam que estariam cometendo irregularidades e isto comprometeria sua participação em obras públicas, então elas calcularam o risco. É preciso haver um grau de punição explícito, e isso ainda não foi feito”.
Procurado por ISTOÉ, o DNIT negou que o acréscimo nos contratos tenha relação com o reajuste promovido pela Petrobras. Mas,contraditoriamente, a própria autarquia, pressionada por seu corpo técnico, publicou um boletim administrativo designando uma comissão para avaliar critérios de reajuste dos contratos em virtude do aumento do preço do asfalto. É o Petrolão nas estradas.
Fotos: Adriano Machado/Ag. Istoé, Márcia Foletto/Ag. O Globo; Paulo lisboa/Brazil Photo Press; Alvarélio Kurossu/Ag. RBS
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