ZERO HORA 26 de julho de 2015 | N° 18238
MARCELO RECH
No inverno, Brasília resplandece em dias amenos, secos e luminosos. Na Praça dos Três Poderes deste inverno de 2105, porém, há um caldeirão borbulhando em meio a um ciclone no qual mal se distinguem as figuras que se movimentam entre os torvelinhos. No caldeirão, ferve uma das maiores crises políticas já testemunhadas na história recente do Brasil, mesmo que os cozinheiros insistam em que não é bem assim.
O vice-presidente Michel Temer definiu a situação como “uma crisezinha”, recorrendo a um diminutivo que lembra a “marolinha” de Lula para descrever o tsunami econômico de 2008. Eduardo Cunha, o mestre-cuca que adiciona os ingredientes mais apimentados à fervura, afirma que não há crise institucional. Pode ser, mas até as pombas da Praça dos Três Poderes sabem que o vendaval político no Planalto tem dois agravantes que deixam o cenário mais turvo do que nos meses que antecederam o impeachment de Fernando Collor, em 1992.
Em primeiro lugar, naqueles dias sobressaltados, 23 anos atrás, todos tinham noção de qual seria o desfecho. Solitário, abandonado pelos grandes partidos e isolado na Casa da Dinda em suas fantasias com a República de Alagoas, Collor estava aniquilado politicamente. Era um morto-vivo à espera do sepultamento a caminho com a abertura do processo de impeachment na Câmara.
A segunda diferença: como antevisão do desenlace da crise de 1992, os jornais já publicavam perfis de Itamar Franco, o vice-presidente que iria assumir o poder no lugar de Collor. Ou seja, o país preparava-se para uma transição na qual se conheciam o roteiro e o fim do filme. Itamar era uma incógnita (e também turrão e meio ingênuo, como se viu), mas era um homem decente e de convicções claras, e esta percepção aplacou o país durante aqueles dias tempestuosos.
Agora, não. Ninguém sabe o que vai acontecer. Pode acontecer tudo, inclusive nada. A presidente Dilma pode sofrer um processo de impeachment, a chapa Dilma/Temer pode ser anulada, pode ser travada uma guerra nos tribunais superiores e outra nas ruas, com os movimentos sociais e os grupos anti-PT se digladiando. Pode surgir uma emenda parlamentarista, pode José Serra se tornar primeiro-ministro pelo PMDB, pode haver a prisão de dois ex-presidentes, pode haver a prisão dos presidentes da Câmara e do Senado, pode haver a quebradeira de alguns dos maiores grupos empresariais do país, pode o Brasil voltar a crescer e Dilma recuperar a popularidade. Pode, pode, pode...
Com tantas possibilidades pela frente, o caldeirão só começará a esfriar quando se vislumbrar um mínimo de certezas sobre o futuro político e econômico. Até lá, calma e serenidade nesta hora, além de muita fé na democracia e um outro tanto em Nossa Senhora Aparecida.
*Jornalista do Grupo RBS
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