ZERO HORA 16 de julho de 2015 | N° 18228
MARCELO GONZATTO*
Em períodos de escândalos de corrupção – ou seja, o tempo todo, embora alguns escândalos rendam mais assunto do que outros –, repete-se com frequência o bordão de que o político brasileiro não presta. Há outros: o Congresso é um covil, os partidos são quadrilhas, e as eleições, tempo perdido.
Uma das consequências da retórica da desilusão é projetar todo o mau-caratismo nacional na classe política, o que é um dos grandes erros da tal opinião pública. A sociedade brasileira é ainda pior do que o seu Congresso. Não igual, nem seu reflexo, pior mesmo. Só uma sociedade profundamente espúria consegue eleger legislativos tão ruins quanto o atual e, além disso, se manter nas primeiras posições dos rankings internacionais de homicídio e de acidentes de trânsito, aplaudir linchamentos e masmorras desumanas, seguidamente ofender e agredir quem é ou pensa diferente.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 64 mil pessoas sejam assassinadas por ano no país. No trânsito, são mais de 40 mil mortes anualmente. Cifras dessa magnitude não são deslizes, nem são obra do acaso ou de uma parcela minoritária de cidadãos. É preciso um esforço monumental e um ambiente favorável à selvageria – por ação ou omissão – para conseguir matar, aleijar e traumatizar tanta gente todo dia, toda semana, o tempo inteiro.
A sociedade brasileira pede paz, mas é violenta. Quer justiça, mas esbraveja se tomar multa. Quer cadeia para os filhos dos outros, mas não admite para os seus. Concentra toda sua indignação nos desmandos de vereadores, prefeitos, deputados, senadores, governadores ou presidentes, enquanto mantém a ilusão de que é formada por uma grande maioria de “cidadãos de bem” acossada por levas de políticos interesseiros e bandidos de nascença.
As razões para a falta de civilidade são complexas. Para o professor de Ética Política da Unicamp Roberto Romano, por exemplo, migramos rápido demais do Brasil rural para o Brasil urbano e ainda não aprendemos a conviver sob as novas circunstâncias e regras. Além de exigir paz e justiça em geral e honestidade de seus representantes, o cidadão brasileiro tem um duro dever de casa a cumprir. Sem isso, continuaremos sendo um país inteiro de nobres excelências.
*Repórter de Zero Hora
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Não posso concordar com o Marcelo. É uma visão pontual de uma questão sistêmica. Os países desenvolvidos só reagiram contra o crime quando houve uma grande mobilização da sociedade organizada para exigir seriedade dos políticos, leis duras, justiça comprometida e polícias fortes, todos num severo esforço integrado contra o crime. Ocorre que no Brasil vigora uma justiça leniente que é coniventes com suas mazelas, não exige leis coativas e nem é capaz de punir e banir da vida pública os maus políticos. Assim, a sociedade organizada é impotente para reagir e o povo é uma massa subserviente às estratégias de aliciamento e manipulação.
Porém, o Marcelo não está errado em sua visão ao dizer que a nossa sociedade tem parcela de culpa ao eleger políticos descompromissados com o clamor popular, pois é ela que dá poder para os políticos fazerem leis permissivas, legislarem em causa própria, aceitarem esta forma leniente de fazer justiça, e se lixarem para os direitos fundamentais do povo. Portanto, a sociedade precisa estabelecer uma cultura de solidariedade em torno de uma melhor qualidade de vida no Brasil. O alerta na conclusão é oportuno - "Além de exigir paz e justiça em geral e honestidade de seus representantes, o cidadão brasileiro tem um duro dever de casa a cumprir. Sem isso, continuaremos sendo um país inteiro de nobres excelências."
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