ZERO HORA 23 de agosto de 2015 | N° 18271
ARTIGOS
por FLÁVIO TAVARES*
Qual a diferença, ou semelhança, entre o crime da Lomba do Pinheiro e o do presidente da Câmara dos Deputados, que estão aí como se competissem em horror e abjeção?
Surianny, a criança de cinco anos, estuprada e assassinada no auge messiânico dos efeitos do álcool e da cocaína, foi “escondida” no forro do sofá da sala, como se isso fizesse o crime desaparecer. A propina de US$ 5,5 milhões (mais de R$ 18 milhões em nossa moeda e que pode chegar a muito mais) recebida por Eduardo Cunha, do PMDB, como indica a Procuradoria- Geral da República, é parte dos US$ 40 milhões com que uma empresa coreana subornou o alto mundo da política na compra de navios-sonda para a Petrobras. Como tal, escondeu-se pulando de bancos suíços aos do Uruguai para se homiziar, até, na igreja Assembleia de Deus.
Aqui, o crime brotou do “surto” de um drogado. Lá, nos gabinetes atapetados do parlamento, em Brasília, mãos e mentes planejaram tudo em minúcias, com a autoridade impune da máquina do Estado.
O brutal, porém, é uma comum característica – a naturalidade com que perpetraram o crime e a desfaçatez com que negam a abjeção do ato em si. A violação e a morte de uma criança seriam apenas parte da vida humana. O assalto é parte do exercício do poder político.
Tempos atrás, saberíamos apenas do crime da Lomba do Pinheiro. Os delitos do poder escondiam-se no próprio poder. A ditadura direitista aboliu o direito à verdade, estuprou a imprensa, fez da crítica um crime e nos viciou no silêncio. Na redemocratização, continuamos calados e com medo do poder político.
Já protestávamos na rua, mas a esmo. A Procuradoria-Geral da República não usava o direito de investigar e informar. Engavetar valia mais do que denunciar. O Ministério Público era tido, ainda, como servo de elite do presidente da República, ou de suas graças.
Tudo mudou. No mensalão, o procurador-geral Roberto Gurgel suportou ofensas e ameaças sem recuar na denúncia que levou à condenação dos réus.
O inquérito da Lava-Jato é a fase adulta do Brasil. A Polícia Federal e os procuradores foram ao fundo do poço imundo e o juiz Sergio Moro, sem medo, chegou ao maior assalto da História, a partir de negociatas do então deputado José Janene, do PP, Partido Progressista. Surgiu, então, a trama sinistra comandada na Petrobras pelo próprio PP, em conluio com PT e PMDB, com migalhas ao resto da base alugada. E o núcleo inicial vinha dos tempos do PSDB...
Agora, a ira dos políticos cai sobre o procurador-geral Rodrigo Janot e os procuradores que, em Brasília, desdobram a Operação Lava-Jato. Em 19 de julho, aqui antecipei detalhes do suborno de US$ 40 milhões (uns R$ 140 milhões) angariados pelo “operador” do PMDB e, em parte, dados ao presidente da Câmara.
Com a denúncia ao Supremo Tribunal, o que poderia ser ilação vira realidade da perversão atual da política. Em sua “defesa”, o deputado Eduardo Cunha insiste em acusar a presidente Dilma Rousseff de forçar o procurador- geral a inventar tudo, como se os fatos e indícios reunidos, há meses, pelo grupo de procuradores em Brasília fossem farsa.
Mais perturbador, porém, é o silêncio dos partidos. Os três principais envolvidos (PT, PP e PMDB) não piaram e a oposição se calou. Aécio Neves, presidente do PSDB, que comandou as manifestações de rua do último domingo pela “renúncia de Dilma”, não quis comentar as denúncias. O líder do seu partido na Câmara decidiu “aguardar” o curso do processo. Na mesma linha, o dirigente do DEM crê que “não há motivo” para Cunha deixar a presidência da Câmara...
Querem estuprar e assassinar a República e, logo, fazer de conta que morreu de causas naturais?
*Jornalista e escritor
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