ZERO HORA 24 de janeiro de 2013 | N° 17322
PÁGINA 10 | ROSANE DE OLIVEIRA
Há duas unanimidades entre os brasileiros que assistiram ao filme Lincoln em sessões especiais ou em cópias piratas: que é o mensalão dos Estados Unidos e que o desempenho de Daniel Day-Lewis é tão extraordinário que dele ninguém tira o Oscar de melhor ator. As duas premissas são verdadeiras, mas Lincoln é muito mais do que isso. Não é um um filme para arrebatar plateias fora dos Estados Unidos como são, em geral, as produções de Steven Spielberg. Lincoln é para quem gosta de política, tem um mínimo de conhecimento da história e paciência para assistir a sessões de casas legislativas e se encanta com um bom texto.
O filme de Spielberg não tem a ternura de ET, a carga dramática de A Lista de Schindler, a emoção de O Resgate do Soldado Ryan, a tensão de Parque dos Dinossauros ou o ritmo aventureiro de Indiana Jones. Se comparar com outras obras do mesmo diretor é um tanto monótono, filmado em tons sombrios, com a maioria das cenas feitas em gabinetes fechados ou no plenário de uma acanhada Câmara dos Deputados, em fins do século 19. Não tem carros explodindo, não tem cenas de sexo, não tem mulheres bonitas nem homens atléticos. Os principais personagens são senhores idosos, que envergam um figurino de gosto duvidoso. Isso sem falar nos estereótipos – do lobista sem escrúpulos, do oposicionista histérico, do político fraco e manipulável. E, mesmo assim, é um grande filme.
Lincoln é a paixão de um homem por uma causa, a da abolição, em meio à guerra civil que o cinema popularizou em E o Vento Levou. Seu maior mérito é provocar a reflexão sobre os limites de um homem ético quando está em jogo uma causa maior. Em outras palavras, é a pergunta contida nas entrelinhas que o espectador precisa responder: até que ponto os fins justificam os meios?
Em uma das cenas finais, Tommy Lee Jones, no papel do abolicionista Thaddeus Stevens, pronuncia uma frase emblemática:
– A mais grandiosa medida do século 19 passou por meio da corrupção endossada e promovida pelo homem mais puro da América.
Sim, o que Lincoln manda seus assessores fazerem é comprar o apoio de democratas para garantir os votos que faltam mesmo com o apoio unânime dos republicanos. Não há distribuição de dinheiro, mas compra de apoio com chantagem e promessa de cargos. Quando seus interlocutores fracassam na tentativa de obter maioria, e faltam os derradeiros votos, Lincoln entra em cena, apelando para os princípios dos homens a quem precisa conquistar. Não suja as mãos, não usa o verbo comprar, mas dá aval ao jogo sujo que seus enviados fazem para atingir o objetivo.
O filme também abre espaço para a discussão do direito adquirido e das verdades de cada época. Para os adversários da emancipação dos negros, o fim da escravidão seria caótico para a economia dos Estados Unidos, e o voto feminino, uma tragédia. Foram necessários mais de 140 anos para que o negro Barack Obama chegasse à Presidência da República e, reeleito, fizesse um discurso de posse que em vários momentos lembrou a obsessão de Lincoln pela igualdade.
ALIÁS
Qualquer semelhança entre a forma como Lincoln conseguiu maioria para abolir a escravatura e os métodos usados no governo Lula para ter maioria no Congresso é mera coincidência.
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