Flávio Tavares*
A prova profunda de vida e vitalidade é sentir a morte no íntimo de nós mesmos e espantá-la para longe, como se abanássemos uma mosca da ponta do nariz. Não há experiência existencial acima disto – visitar a morte e, da sala de visitas, nos instantes derradeiros e finais, recomeçar a vida já no futuro. Foi esta a sensação que nosso L.F. Verissimo me transmitiu na crônica de retorno, três dias atrás, ao contar do sonho com que despertou para a recuperação, no hospital.
“O sonho me oferecia alternativas para a morte, se eu fizesse a escolha certa. Ou me dava um minuto para pensar em todas as escolhas erradas”, escreveu ele. Bastariam a obra e a vida de Verissimo para definir sua lucidez e humanismo, mas ter convivido com o peso da morte e dialogado com o imponderável, deve tê-lo posto na condição de quase anjo, além do entendimento comum.
A vida plena significa saber da morte. Mas da “morte morrida” (como se diz no nordeste do Brasil), definida por nosso corpo e sentidos. Pouco sei disto, mesmo tendo conhecido o que seja “morte matada”. Mas a “matada” é morte de crime, em que sobreviver depende do criminoso e, assim, aprendemos muito sobre a maldade humana, mas pouco sobre nossos pulmões, coração ou consciência.
Mais do que tudo, saber da morte nos livra (em vida) da condição de provocador gratuito. Portanto, obrigado, Luis Fernando Verissimo, pela volta na hora exata.
Sim, pois o ano começa com a provocação gratuita instalada no cume do poder político, em Brasília. Num desafio à Justiça e ao Supremo Tribunal, o ex-presidente nacional do PT José Genoino, suplente de deputado, assumiu na Câmara Federal, mesmo condenado a seis anos e 11 meses de prisão no episódio do “mensalão”. Dizer “assumiu” é vício de linguagem, pois a Câmara está em férias, sem funcionar e, assim, o gesto se torna grotesco acinte aos poderes estabelecidos na própria Constituição. A não ser que ele só esteja de olho na polpuda ajuda de custos reservada aos “novos deputados”, mesmo inertes...
Até aqui, o suplente Genoino nunca fora imprescindível ao Legislativo, mas fez questão de “assumir”, agora (após a sentença e antes da prisão), por lhe sobrar um lugar ao sol, já que três ou quatro titulares foram eleitos prefeitos no interior paulista. Ao ser condenado pelo STF, ele renunciou à assessoria do ministro da Defesa, o que faz ainda mais esdrúxula essa súbita metamorfose: se não podia assessorar o ministro, pode propor e aprovar leis?
A provocação envolve a ampla maioria do Legislativo. Dos partidos da “base alugada” do governo até deputados da oposição, como o secretário da Câmara Federal (do PSDB) que lhe deu “posse”, todos defendem a extemporânea subida aos céus. E, quando o STF mandar prendê-lo, o Parlamento decidirá se aceita ou não?
Este 6 de janeiro marca os 50 anos do plebiscito que devolveu plenos poderes ao presidente João Goulart, em 1963. Quase 80% do eleitorado apoiou o programa de reformas do governo, numa avalanche que a direita interpretou como “provocação popular” e fez crescer a ação concreta dos Estados Unidos para dividir as Forças Armadas e chegar ao golpe de Estado do ano seguinte.*JORNALISTA E ESCRITOR
A prova profunda de vida e vitalidade é sentir a morte no íntimo de nós mesmos e espantá-la para longe, como se abanássemos uma mosca da ponta do nariz. Não há experiência existencial acima disto – visitar a morte e, da sala de visitas, nos instantes derradeiros e finais, recomeçar a vida já no futuro. Foi esta a sensação que nosso L.F. Verissimo me transmitiu na crônica de retorno, três dias atrás, ao contar do sonho com que despertou para a recuperação, no hospital.
“O sonho me oferecia alternativas para a morte, se eu fizesse a escolha certa. Ou me dava um minuto para pensar em todas as escolhas erradas”, escreveu ele. Bastariam a obra e a vida de Verissimo para definir sua lucidez e humanismo, mas ter convivido com o peso da morte e dialogado com o imponderável, deve tê-lo posto na condição de quase anjo, além do entendimento comum.
A vida plena significa saber da morte. Mas da “morte morrida” (como se diz no nordeste do Brasil), definida por nosso corpo e sentidos. Pouco sei disto, mesmo tendo conhecido o que seja “morte matada”. Mas a “matada” é morte de crime, em que sobreviver depende do criminoso e, assim, aprendemos muito sobre a maldade humana, mas pouco sobre nossos pulmões, coração ou consciência.
Mais do que tudo, saber da morte nos livra (em vida) da condição de provocador gratuito. Portanto, obrigado, Luis Fernando Verissimo, pela volta na hora exata.
Sim, pois o ano começa com a provocação gratuita instalada no cume do poder político, em Brasília. Num desafio à Justiça e ao Supremo Tribunal, o ex-presidente nacional do PT José Genoino, suplente de deputado, assumiu na Câmara Federal, mesmo condenado a seis anos e 11 meses de prisão no episódio do “mensalão”. Dizer “assumiu” é vício de linguagem, pois a Câmara está em férias, sem funcionar e, assim, o gesto se torna grotesco acinte aos poderes estabelecidos na própria Constituição. A não ser que ele só esteja de olho na polpuda ajuda de custos reservada aos “novos deputados”, mesmo inertes...
Até aqui, o suplente Genoino nunca fora imprescindível ao Legislativo, mas fez questão de “assumir”, agora (após a sentença e antes da prisão), por lhe sobrar um lugar ao sol, já que três ou quatro titulares foram eleitos prefeitos no interior paulista. Ao ser condenado pelo STF, ele renunciou à assessoria do ministro da Defesa, o que faz ainda mais esdrúxula essa súbita metamorfose: se não podia assessorar o ministro, pode propor e aprovar leis?
A provocação envolve a ampla maioria do Legislativo. Dos partidos da “base alugada” do governo até deputados da oposição, como o secretário da Câmara Federal (do PSDB) que lhe deu “posse”, todos defendem a extemporânea subida aos céus. E, quando o STF mandar prendê-lo, o Parlamento decidirá se aceita ou não?
Este 6 de janeiro marca os 50 anos do plebiscito que devolveu plenos poderes ao presidente João Goulart, em 1963. Quase 80% do eleitorado apoiou o programa de reformas do governo, numa avalanche que a direita interpretou como “provocação popular” e fez crescer a ação concreta dos Estados Unidos para dividir as Forças Armadas e chegar ao golpe de Estado do ano seguinte.*JORNALISTA E ESCRITOR
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