17 de junho de 2013 | 2h 06
JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO - O Estado de S.Paulo
Balas de chumbo e borracha tomaram o lugar da política na resolução de conflitos entre o Estado e segmentos da sociedade no Brasil. Índios, manifestantes e jornalistas acabaram do lado errado dos canos das armas da polícia - enquanto autoridades se escudavam atrás de microfones na segurança de seus gabinetes.
A inapetência das lideranças políticas brasileiras não distingue partidos. Nem prefeito, nem governador, nem sequer um vereador deu a cara nas cenas de conflito para tentar mediar impasses. Passaram a responsabilidade para policiais. Deu no que deu.
Se os políticos profissionais se escalam para assistir jogo da seleção - e, quiçá, vaiar os colegas -, mas evitam as esquinas onde seus eleitores aspiram gás lacrimogêneo, cabe perguntar: eles servem a quem?
O apagão de lideranças no Brasil é mais contundente do que os cassetetes da PM paulista. Não é coincidência que o movimento que pretende parar as maiores cidades do país se declare "horizontal, autônomo, independente e apartidário". A ausência de um líder tradicional parece confundir políticos e policiais.
Um comandante da PM de Brasília reclamou da falta de interlocutor à altura de sua patente do outro lado - o lado dos manifestantes anti-Copa que ele dispersou a balas e bombas. Os políticos também parecem aturdidos com a falta de hierarquia dos manifestantes.
Não há "cabeças" com quem barganhar, a quem cooptar nem para cortar. Essa é, porém, a maior característica da pós-política. Organização em rede, voluntária, heterogênea e sem estrutura de comando. Só não confunda ausência de líderes com falta de liderança. É bagunça organizada. Começa no dia e hora marcados em locais previamente combinados.
No sumiço dos políticos, nota-se um cálculo marqueteiro: de qual lado ficar para mais faturar? O prefeito Fernando Haddad (PT) ainda está calculando. Já o governador Geraldo Alckmin (PSDB) achou que seria do lado da repressão. Tudo caminhava para ele se consagrar como quem pôs ordem na casa, até a crise tomar um atalho.
Na narrativa preponderante, a manifestação contra o aumento do ônibus/metrô começou como uma curiosidade, virou um estorvo, evoluiu para baderna e tinha tudo para acabar com a glória da repressão policial na quinta-feira passada. No palco escolhido, a esquina da Consolação com Maria Antonia, havia espaço suficiente para acomodar helicópteros de todas as emissoras de televisão.
Mas aí a sede de vingança da tropa falou mais alto - vingança pelo quase linchamento de um policial na manifestação anterior. O pelotão de choque começou a batalha atirando para onde estava virado. Bombardeou posto de gasolina, carro, idoso, apartamento.
Multidão dispersada, começou a caçada aleatória a transeuntes. Por azar, falta de mira ou intenção, os policias acertaram 15 jornalistas. A narrativa muda quando o narrador vira parte da história. De vítima, a polícia virou algoz. E Alckmin teve que ouvir lição de moral ao vivo num programa televisivo.
Não que o governador não possa sair dessa ainda mais favorito à reeleição. No interior paulista, quem não gasta quatro horas diárias para ir e voltar do trabalho em ônibus cada vez mais lotados talvez simpatize com sua posição a favor da ordem.
Já na capital, a pesquisa Datafolha, feita a quente, mostrou uma cidade dividida. "A molecada está certa", resumiu um passageiro. Ele explica os 55% de apoio às manifestações: se o serviço é ruim e só piora, aumento da passagem é tapa na cara do usuário. As depredações e os engarrafamentos engordam os 40% que são contra.
Unanimidade, só a do vinagre. Sua posse, mesmo podendo levar à prisão, virou item de primeira necessidade.
É o único alívio contra a lacrimejante atmosfera paulistana. Vinagre é o novo tomate.
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