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domingo, 23 de junho de 2013

MOMENTO É DE REAÇÃO DOS GOVERNANTES


Protestos no Brasil: para analistas, o momento agora é de reação
Para especialistas ouvidos pelo GLOBO, é necessário que governos apresentem respostas rápidas aos protestos para evitar o caos nas cidades, nem que seja cortando gastos para cobrir passagens

ANDRÉ MIRANDA, ROBERTO KAZ E WILLIAM HELAL FILHO 
O GLOBO
Atualizado:22/06/13 - 22h50


Estudantes mostra cartaz durante protesto em frente ao Congresso: Agencia O Globo / André Coelho


RIO - “O que se pode fazer? Só sei que eu não gostaria de ser do governo agora”, diz o cientista político Marco Aurélio Nogueira, diretor do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Unesp. “E também sei que é necessário agir, nem que seja cortando gastos com assessores parlamentares no Brasil para cobrir os R$ 0,20 das passagens de ônibus”, acrescenta.

A proposta de Nogueira é uma das muitas feitas por sociólogos, cientistas políticos, advogados e antropólogos ouvidos pelo GLOBO sobre que postura se espera dos governos federal, estaduais e municipais frente aos protestos e atos de vandalismo ocorridos na última semana em todo o Brasil. Entre as ideias discutidas, estão também a instituição de audiências públicas sistemáticas, a criação de novos canais de comunicação com a sociedade, a remoção da PEC 37 da pauta do Congresso e a redefinição do papel das polícias no país. Todos concordam que é preciso atuar rapidamente para evitar a instauração do caos nas cidades. E nenhum deles quer ver forças militares nas ruas.

— O governo precisa anunciar que certas questões vão ser encaminhadas oficialmente. Hoje (sexta-feira), nas entrevistas do governador Sérgio Cabral e do prefeito Eduardo Paes, eles só falaram de vandalismo. Eles precisam reconhecer que o movimento não é só de vândalos — afirma Karina Kuschnir, professora do Departamento de Antropologia Cultural da UFRJ. — Com isso, é necessário dar voz a algumas das demandas, como o financiamento público de campanhas, a transparência nas contas públicas e divulgar detalhadamente os investimentos na Copa do Mundo. Essas já seriam respostas à população.

Dilma promete diálogo

Na última sexta-feira, em seu pronunciamento em cadeia nacional, a presidente Dilma Rousseff anunciou que vai se reunir com os presidentes do Legislativo e do Judiciário, e que pretende receber os líderes dos protestos para dialogar. Mas não explicou como isso será feito. Ela também falou em atrelar 100% dos royalties do petróleo para a Educação e de trazer médicos do exterior para aumentar o serviço do Sistema Único de Saúde. A presidente afirmou, ainda, que não vai aceitar o uso de violência nas ruas.

— Se os governos tiverem serenidade, podemos ter um grande ganho da população brasileira em nome da democracia — afirma Paulo Baía, professor do departamento de Sociologia da UFRJ. — O que podem fazer é abrir o processo de decisão em audiências públicas, chamando todos os setores para discutir questões como a PEC 37 e o transporte público. Para que as pessoas possam ter voz nas decisões.

Antes do pronunciamento de Dilma, a medida mais concreta tomada pelos governos havia sido a anulação do aumento de R$ 0,20 nas passagens de ônibus em alguns municípios. Mas, apesar disso, os protestos não só continuaram como aumentaram em muito de tamanho: no Rio, por exemplo, 100 mil pessoas foram às ruas na segunda-feira, a passagem foi reduzida na quarta e 300 mil manifestantes estiveram nas ruas na quinta.

— De um modo geral, não há demandas específicas — afirma Marcelo Simas, professor de Ciência Política do Iuperj. — Uma possibilidade seria retirar a PEC 37 da pauta. Mas, se você olhar a massa dos manifestantes, você saberia dizer quantos endossam a retirada da PEC 37? Já surgiu, entre os protestos, até mesmo quem pedisse a redução da maioridade penal. São insatisfações sem propostas.

Professor sugere campanha na rede

Para Simas, então, a solução seria criar canais de comunicação entre o governo e a sociedade, tanto para compreender melhor as razões dos protestos, quanto para deixar claro o que será feito como solução:

— O governo já falou em criar conferências nacionais com a sociedade, que seriam instrumentos de vocalização das demandas. O problema é que isso vai levar algum tempo. Enquanto isso, uma maneira de tirar esses protestos das ruas seria uma campanha das autoridades via redes sociais. Usar novos mecanismos de comunicação para chegar aos manifestantes.

Sem diálogos com os manifestantes, há dois temores principais na sociedade: que, por um lado, as cenas de vandalismo, como as da última quinta-feira, perpetradas por pequenos grupos em meio aos protestos, voltem a ocorrer; e que, por outro, a repressão policial seja desmedida, gerando mais violência.

— Ontem (quinta-feira), na minha faculdade, 250 pessoas procuraram abrigo porque a reação estatal foi tão violenta que ficaram com medo de ir para rua. Cercaram a faculdade. São reações despropositadas — diz Flavio Alves Martins, diretor da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ. — A primeira coisa que o governo deve fazer é reconhecer o movimento popular forte e colocar as pautas numa mesa de negociações. As manifestações ficaram fora de controle porque há pessoas com pautas bem diferentes que resolveram extravasar tudo de uma vez. Não estamos acostumados a isso.

No tocante ao possível uso de forças militares para controlar os atos de vandalismo, o sociólogo Ignácio Cano, da Uerj, é taxativo:

— A Força Nacional deve ser usada apenas para defender lugares emblemáticos, como o Palácio do Itamaraty. Fora isso, não acho que seja o caso de convocar o Exército. O exercito tem que preservar a nação contra uma ameaça externa. Seria um grande erro político, mandaria a mensagem de que o Estado está sob ameaça. As pessoas não querem derrubar o Estado, querem um Estado mais justo. Tem uma minoria que provoca a violência — afirma Cano, que descarta o decreto de Estado de Sítio. — Seria desnecessário e contraproducente. O Estado de Sítio restringe o direito à manifestação, se decreta após terremotos, em situações com vítimas, perda muito grande de controle da realidade. Manifestações populares não entram nesse cenário. Se fizerem isso, os manifestantes ficariam com mais raiva.

Secretário geral do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o sociólogo Renato Sérgio de Lima concorda:

— Não é necessário nenhum recurso extraordinário. Não precisamos de Exército ou Força Nacional nas ruas. O que precisamos é de um acordo muito claro e transparente do que as polícias devem fazer. As polícias brasileiras têm excelência técnica. Se você conseguir explicitar quais são as atribuições delas, elas mesmas são aptas a lidar com o problema hoje — diz. — O Brasil não dispõe de uma doutrina sobre o uso da Força Nacional ou do Exército. Não há nada que especifique quando devem ou não ser usadas balas de borracha, nada sobre a forma de lidar com manifestantes, nada sobre a forma de autuá-los. As instituições não estão preparadas para lidar com conflitos dessa natureza.

Hora de articulação partidária

Para todos, após o pronunciamento de Dilma, os próximos dias serão fundamentais para que se compreenda se o movimento vai perder força ou vai continuar ocupando as ruas.

—É hora de os governos fazerem uma articulação suprapartidária. Um governo com representação do povo não pode acabar. Se não houver governo, quem vai fazer isso? É o risco de aparecer um ditador, um líder populista ou um rei — afirma o cientista político Marco Aurélio Nogueira. — Mas é necessária a recriação do governo representativo. Como isso vai ser feito e em que velocidade, a gente não sabe. Mas uma Reforma Política, com R e P maiúsculos, seria um primeiro passo.

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