JULIANA BUBLITZ
SIGLAS S.A.. Partidos no Brasil, menos ideologia e mais interesses
A estreia de dois novos partidos no tabuleiro nacional expôs, nas últimas semanas, algo que os eleitores já desconfiavam: a política brasileira se transformou em um grande balcão de negócios. Nele, o que está em jogo é tempo de rádio e TV, dinheiro do Fundo Partidário e cargos e benesses do poder público. A um ano da eleição – período-chave para quem planeja concorrer –, as movimentações políticas indicam que o que menos conta é ideologia e projetos para o país.
Se o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) atrapalhou os planos presidenciais de Marina Silva ao rejeitar a criação da Rede Sustentabilidade, a decisão de quinta-feira não chega a ser um baque no sistema partidário brasileiro. Dias antes, a mesma Corte havia dado aval ao PROS e ao Solidariedade – duas legendas que nascem sem nenhuma característica marcante capaz de diferenciá-las das outras 30 já existentes.
Pelo contrário, os líderes das duas agremiações se jogaram em negociações para garantir a filiação de deputados federais. Foi o vale-tudo de sempre, em busca de tempo de rádio e TV, cargos no governo e repasses do Fundo Partidário. A conduta do PROS e do Solidariedade expôs a barganha que impera na política nacional. No Brasil, criar um partido virou um negócio, no qual ideologia e um programa para o país são elementos secundários.
Um dos pontos altos desse mercado é o Fundo Partidário. Só em 2012, o total liberado para as siglas chegou a R$ 350 milhões, dinheiro suficiente para pavimentar 230 quilômetros de estrada. Desse valor, R$ 8,2 milhões caíram na conta de cinco agremiações que não foram capazes de eleger, juntas, nem 15 prefeitos no país. E o Brasil tem mais de 5 mil municípios.
Quanto mais numerosa a bancada na Câmara, maior a fatia da sigla no fundo. Por isso, a corrida de PROS e Solidariedade atrás de deputados. Até o fim da tarde de sexta-feira, a estimativa era de que ambas as legendas pudessem angariar, juntas, 50 parlamentares. Na Câmara, deputados falaram até na instalação de uma banca para facilitar o troca-troca. Secretário nacional de comunicação do PROS, Felipe Espírito Santo nega que tenha havido negociatas. O deputado Paulinho da Força, do Solidariedade, garante que nenhum balcão foi montado.
Nos bastidores, as negociações incluíram desde a entrega do comando dos partidos nos Estados até a promessa de destinar um percentual maior do Fundo às executivas estaduais. Também entrou a disposição das siglas de dar espaço àqueles que se sentiam desprestigiados. Deputado pelo PSD, Ademir Camilo (MG) diz que optou pelo PROS porque pretendia se candidatar ao Senado e não tinha a chancela de sua antiga agremiação. Agora, é o presidente da nova legenda em seu Estado.
– Muitos partidos não repassam nada do Fundo. Essa é uma reclamação geral, mas o PROS já sinalizou que vai ser diferente. Isso é prestígio. Quem fala mal é quem está perdendo gente – alfineta Camilo.
Mesmo que o PROS e o Solidariedade ficassem sem deputado, receberiam R$ 600 mil por ano, cada um. Com as adesões, eles podem receber, juntos, de R$ 20 milhões a R$ 40 milhões. E não é só isso. Os novos partidos nascem com tempo de rádio e TV assegurado. São segundos preciosos que também acabam se tornando instrumentos de barganha por cargos e por poder.
Tudo isso, na avaliação de especialistas, contribui para a descrença generalizada nos partidos. Para alguns, a solução é a cláusula de barreira (veja na página 10), que vigora em países como a Alemanha. Para outros, entre eles o cientista político José Niemeyer, do Ibmec, depende de uma reforma política:
– Sem o fim das coligações nas eleições proporcionais não vejo solução. Se isso não mudar, a troca de favores tende a se acentuar.
Por que a criação de uma legenda atrai os políticos?
Na sua opinião, que interesses estão por trás da proliferação de novos partidos políticos no Brasil?
RACHEL MENEGUELLO, Cientista política da Unicamp - Infelizmente, a proliferação de siglas no Brasil tem respondido a interesses simplesmente eleitoreiros. Não responde a demandas específicas ou a grupos excluídos do processo representativo, mas ao uso de benefícios que a fundação de legendas traz consigo, como os recursos do Fundo Partidário ou os espaços políticos. O número de partidos não é o problema em si, mas sim o “pacote de possibilidades” que a legislação permite. Esse contexto produz deficiências graves na qualidade da nossa democracia. É grave, por exemplo, que os partidos sejam as instituições com menor credibilidade e confiança, conforme mostram as pesquisas.
MARCO ANTONIO CARVALHO TEIXEIRA, Cientista político da FGV-SP - Esses partidos estão nascendo para abrigar lideranças e viabilizar projetos pessoais. O fenômeno ficou claro, principalmente, a partir da criação do PSD, em 2011, para acomodar o projeto de poder do ex-prefeito Gilberto Kassab, e vem se manifestando na maior parte dos pequenos partidos desde a redemocratização. O resultado é um excesso de siglas, que acaba por confundir o eleitor. Fica difícil diferenciar claramente as propostas. Isso ajuda o eleitor a fazer escolhas se baseando mais em personalidades públicas do que no debate de ideias. A exceção era a Rede, que vinha debatendo um projeto alternativo de sociedade.
GAUDÊNCIO TORQUATO, Doutor em Comunicação e professor da USP - O que estamos vendo é uma disputa por poder e uma reacomodação de interesses, incluindo vantagens financeiras. Não há preocupação com programa ou com ideologia. É um mero balcão de negócios. Algumas legendas chegaram a oferecer dinheiro do Fundo Partidário para as campanhas dos deputados dispostos a migrar, o que não deixa de ser uma espécie de mensalinho. Não há nenhuma condição de o país avançar com essa teia partidária. A solução exige uma reforma eleitoral profunda, incluindo a implementação da cláusula de barreira e o fim das coligações nas eleições proporcionais.
SIGLAS S.A.. Partidos no Brasil, menos ideologia e mais interesses
A estreia de dois novos partidos no tabuleiro nacional expôs, nas últimas semanas, algo que os eleitores já desconfiavam: a política brasileira se transformou em um grande balcão de negócios. Nele, o que está em jogo é tempo de rádio e TV, dinheiro do Fundo Partidário e cargos e benesses do poder público. A um ano da eleição – período-chave para quem planeja concorrer –, as movimentações políticas indicam que o que menos conta é ideologia e projetos para o país.
Se o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) atrapalhou os planos presidenciais de Marina Silva ao rejeitar a criação da Rede Sustentabilidade, a decisão de quinta-feira não chega a ser um baque no sistema partidário brasileiro. Dias antes, a mesma Corte havia dado aval ao PROS e ao Solidariedade – duas legendas que nascem sem nenhuma característica marcante capaz de diferenciá-las das outras 30 já existentes.
Pelo contrário, os líderes das duas agremiações se jogaram em negociações para garantir a filiação de deputados federais. Foi o vale-tudo de sempre, em busca de tempo de rádio e TV, cargos no governo e repasses do Fundo Partidário. A conduta do PROS e do Solidariedade expôs a barganha que impera na política nacional. No Brasil, criar um partido virou um negócio, no qual ideologia e um programa para o país são elementos secundários.
Um dos pontos altos desse mercado é o Fundo Partidário. Só em 2012, o total liberado para as siglas chegou a R$ 350 milhões, dinheiro suficiente para pavimentar 230 quilômetros de estrada. Desse valor, R$ 8,2 milhões caíram na conta de cinco agremiações que não foram capazes de eleger, juntas, nem 15 prefeitos no país. E o Brasil tem mais de 5 mil municípios.
Quanto mais numerosa a bancada na Câmara, maior a fatia da sigla no fundo. Por isso, a corrida de PROS e Solidariedade atrás de deputados. Até o fim da tarde de sexta-feira, a estimativa era de que ambas as legendas pudessem angariar, juntas, 50 parlamentares. Na Câmara, deputados falaram até na instalação de uma banca para facilitar o troca-troca. Secretário nacional de comunicação do PROS, Felipe Espírito Santo nega que tenha havido negociatas. O deputado Paulinho da Força, do Solidariedade, garante que nenhum balcão foi montado.
Nos bastidores, as negociações incluíram desde a entrega do comando dos partidos nos Estados até a promessa de destinar um percentual maior do Fundo às executivas estaduais. Também entrou a disposição das siglas de dar espaço àqueles que se sentiam desprestigiados. Deputado pelo PSD, Ademir Camilo (MG) diz que optou pelo PROS porque pretendia se candidatar ao Senado e não tinha a chancela de sua antiga agremiação. Agora, é o presidente da nova legenda em seu Estado.
– Muitos partidos não repassam nada do Fundo. Essa é uma reclamação geral, mas o PROS já sinalizou que vai ser diferente. Isso é prestígio. Quem fala mal é quem está perdendo gente – alfineta Camilo.
Mesmo que o PROS e o Solidariedade ficassem sem deputado, receberiam R$ 600 mil por ano, cada um. Com as adesões, eles podem receber, juntos, de R$ 20 milhões a R$ 40 milhões. E não é só isso. Os novos partidos nascem com tempo de rádio e TV assegurado. São segundos preciosos que também acabam se tornando instrumentos de barganha por cargos e por poder.
Tudo isso, na avaliação de especialistas, contribui para a descrença generalizada nos partidos. Para alguns, a solução é a cláusula de barreira (veja na página 10), que vigora em países como a Alemanha. Para outros, entre eles o cientista político José Niemeyer, do Ibmec, depende de uma reforma política:
– Sem o fim das coligações nas eleições proporcionais não vejo solução. Se isso não mudar, a troca de favores tende a se acentuar.
Por que a criação de uma legenda atrai os políticos?
AS VANTAGENS
1) Acesso garantido ao Fundo Partidário, que só em 2012 distribuiu R$ 349,5 milhões. A sigla com a menor fatia, o PEN, ficou com R$ 343,3 mil.
2) Direito a tempo de rádio e TV, uma preciosa moeda de troca em negociações eleitorais, capaz de garantir cargos e poder.
3) Vazão aos interesses pessoais, já que, com uma legenda própria, não é preciso disputar espaço com outros líderes ou correntes internas.
A VISÃO DOS ESPECIALISTAS
1) Acesso garantido ao Fundo Partidário, que só em 2012 distribuiu R$ 349,5 milhões. A sigla com a menor fatia, o PEN, ficou com R$ 343,3 mil.
2) Direito a tempo de rádio e TV, uma preciosa moeda de troca em negociações eleitorais, capaz de garantir cargos e poder.
3) Vazão aos interesses pessoais, já que, com uma legenda própria, não é preciso disputar espaço com outros líderes ou correntes internas.
A VISÃO DOS ESPECIALISTAS
Na sua opinião, que interesses estão por trás da proliferação de novos partidos políticos no Brasil?
RACHEL MENEGUELLO, Cientista política da Unicamp - Infelizmente, a proliferação de siglas no Brasil tem respondido a interesses simplesmente eleitoreiros. Não responde a demandas específicas ou a grupos excluídos do processo representativo, mas ao uso de benefícios que a fundação de legendas traz consigo, como os recursos do Fundo Partidário ou os espaços políticos. O número de partidos não é o problema em si, mas sim o “pacote de possibilidades” que a legislação permite. Esse contexto produz deficiências graves na qualidade da nossa democracia. É grave, por exemplo, que os partidos sejam as instituições com menor credibilidade e confiança, conforme mostram as pesquisas.
MARCO ANTONIO CARVALHO TEIXEIRA, Cientista político da FGV-SP - Esses partidos estão nascendo para abrigar lideranças e viabilizar projetos pessoais. O fenômeno ficou claro, principalmente, a partir da criação do PSD, em 2011, para acomodar o projeto de poder do ex-prefeito Gilberto Kassab, e vem se manifestando na maior parte dos pequenos partidos desde a redemocratização. O resultado é um excesso de siglas, que acaba por confundir o eleitor. Fica difícil diferenciar claramente as propostas. Isso ajuda o eleitor a fazer escolhas se baseando mais em personalidades públicas do que no debate de ideias. A exceção era a Rede, que vinha debatendo um projeto alternativo de sociedade.
GAUDÊNCIO TORQUATO, Doutor em Comunicação e professor da USP - O que estamos vendo é uma disputa por poder e uma reacomodação de interesses, incluindo vantagens financeiras. Não há preocupação com programa ou com ideologia. É um mero balcão de negócios. Algumas legendas chegaram a oferecer dinheiro do Fundo Partidário para as campanhas dos deputados dispostos a migrar, o que não deixa de ser uma espécie de mensalinho. Não há nenhuma condição de o país avançar com essa teia partidária. A solução exige uma reforma eleitoral profunda, incluindo a implementação da cláusula de barreira e o fim das coligações nas eleições proporcionais.
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