ZERO HORA 02 de fevereiro de 2015 | N° 18061
EDITORIAL
Depois da disputa pela presidência marcada por condutas deploráveis, a Câmara não pode se render à condição de linha auxiliar do Executivo.
Uma eleição deveria ser saudada como uma das maiores expressões da democracia. Nem sempre, no entanto, uma disputa decidida no voto pode ser acolhida como exemplo inquestionável de livres escolhas na política. A eleição de ontem, para a presidência da Câmara Federal, é um bom exemplo de como o Congresso contribui para a desqualificação da própria atividade parlamentar. Independentemente de quem viesse a ser eleito, o duelo estabelecido pelas campanhas já antecipava há dias o espírito do confronto. Esse não foi um processo comum, mas marcado pelas anomalias que têm desfigurado a política brasileira, em meio à proliferação de denúncias de corrupção.
Além dos deputados, que afinal consagraram o peemedebista Eduardo Cunha, os senadores elegeram ontem o líder da Casa, o também peemedebista Renan Calheiros, que chega pela quarta vez ao cargo. Foi na campanha pela Câmara que a política brasileira reforçou, não o apreço pela democracia, mas suas condutas mais deploráveis.
A guerra criada pelo confronto entre governistas e oposicionistas deixou claro que, ao contrário do que poderia ser esperado, os desmandos em investigação no país, que atingem estatais, Executivo e Congresso, não contribuíram para mudanças de comportamento. É exemplar, pelos seus aspectos negativos, na batalha travada por apoios, a manifestação da deputada Gorete Pereira (PR-CE). Na tentativa de conquistar o voto da parlamentar, o staff governista criado para fazer pressão lembrou que ela poderia dispor de um cargo no Dnit, o departamento federal de infraestrutura de transporte.
A deputada não se sentiu contemplada, porque tal cargo já teria sido conquistado no governo anterior. “Esse cargo é meu”, disse Gorete, ou seja, ela poderia dispor da vaga como bem entendesse, para agradar a algum protegido. É sintomático que o vitorioso seja integrante de um partido aliado, mas declarado crítico do governo e apoiado pela oposição. O senhor Eduardo Cunha terá a chance, como prometeu ontem, de questionar na Câmara os superpoderes do Executivo, que governa por medidas provisórias, manobra em CPIs e potencializa o recurso da troca de cargos e favores para não ter sua base avariada.
Espera-se da gestão do peemedebista que a Câmara não se curve ao governo, num ano difícil na economia e na política. O Congresso não pode ser mera linha auxiliar do Planalto. Também será tarefa da liderança eleita, entre outras atribuições, contribuir para que os desdobramentos da Operação Lava-Jato na área política não encontrem resistências corporativas intransponíveis no Legislativo.
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