REVISTA ISTO É N° Edição: 2361 | 27.Fev.15
Em meio a manifestações pelo impedimento de Dilma e fortalecido pela fragilidade do governo no Congresso, o PMDB volta a falar grosso e cresce no jogo político
Izabelle Torres
Inspirado no princípío de que em política não existe vácuo de poder, o PMDB corre para ocupar um espaço privilegiado no cenário nacional. Num momento de efervescência, em que o fantasma do impeachment insiste em assombrar o governo, o partido se impõe como o principal fiador da governabilidade da presidente Dilma Rousseff. Hoje, além de ocupar a vice-presidência da República, o PMDB contabiliza o maior número de governadores e prefeitos entre as legendas aliadas ao Planalto. Ainda comanda simultaneamente a Câmara e o Senado, exibindo farta musculatura onde o governo demonstra fraqueza. Esses trunfos conferem aos líderes peemedebistas um alto cacife na relação com o Planalto. Mais do que isso. As circunstâncias políticas transformaram o PMDB no principal dique de proteção da hoje frágil cidadela governista. Ciente de sua força e de seu poder, o partido resolveu falar grosso nos últimos dias. Em reuniões no Planalto, deixou mais do que claro que quer ser ouvido no processo de tomada de decisões. Qualquer que sejam elas – de uma simples nomeação para cargo de segundo escalão à definição de políticas públicas. Caso contrário, ameaça não apoiar no Congresso, por exemplo, os projetos do Executivo de ajuste fiscal, hoje considerado fundamental para que a economia volte aos trilhos.
PEÇA-CHAVE
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, transformou-se
num dos fiadores da governabilidade de Dilma
O tom das novas exigências foi dado pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), depois de um jantar na residência oficial do vice-presidente Michel Temer na noite de terça-feira 24, que contou com a participação do ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Ao deixar o encontro, Renan disse que a falta de espaço aos aliados deixou “capenga” a coalizão que sustenta o governo Dilma Rousseff. Sua declaração foi o resumo de um encontro marcado para que a equipe econômica do governo apresentasse a proposta de ajuste fiscal aos peemedebistas, numa tentativa desesperada de vencer as resistências da votação do pacote no Congresso. Embora a cúpula do partido tenha reiterado a promessa de apoiar o governo nessa discussão, o PMDB manteve no jantar a toada de reclamações e ameaças – privadas, abertas ou até subliminares.
Um dos recados foi emitido via programa eleitoral do partido exibido em rede nacional na quinta-feira 26. Com um forte cunho político, o programa abre com uma mensagem capaz de suscitar interpretações maliciosas. “Não são as estrelas que vão me guiar. São as escolhas”, afirmou o PMDB. O marqueteiro do partido, Elsinho Mouco, diz que “as estrelas” às quais se referiu em nada guarda relação com o símbolo do PT. “Foi poesia”, garantiu. Mas nem o mais inocente petista engoliu essa versão.
BEIJA-MÃO
Em jantar na noite da terça-feira 24, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy,
pediu o apoio do PMDB para a aprovação do pacote fiscal
que será encaminhado pelo governo ao Congresso
O tom de independência permeia a peça publicitária. O presidente da legenda e vice-presidente da República, Michel Temer, defende a liberdade de imprensa no exato momento em que os petistas fazem a defesa pública de uma proposta de regulamentação da mídia. A narradora encerra o programa com uma crítica ao atual momento por que passa o País. “A falta de credibilidade é a pior das crises”. “A crise acaba com a esperança (outra palavra celebrizada nas peças do PT)”, acrescenta ela.
Em tempos de calmaria política, o Planalto poderia reagir com retaliações. A pior delas para o PMDB seria a suspensão das nomeações de integrantes do partido para o segundo escalão. Mas, no atual cenário, jogadas de risco podem custar muito caro. Dilma sabe bem disso. Lula mais ainda. O ex-presidente foi um dos que acusaram o golpe. Na própria quinta-feira 26, Lula participou de um café da manhã na residência oficial do presidente do Senado, Renan Calheiros. No encontro, Lula fez coro às reivindicações da legenda. Lembrou que o vice dele, José Alencar, participava de “todas as decisões” do governo e que a mesma conduta deveria ocorrer agora.
Segundo o senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), Lula disse que o partido aliado é essencial, diante de um preocupante quadro político. O ministro Pepe Vargas, das Relações Institucionais, mostrou que o governo está em sintonia com a avaliação de Lula sobre o principal aliado. “Como sempre, precisa haver mais debate, mais conversa. O PMDB está dizendo que quer participar do debate. Está dizendo ‘nós queremos ter mais oportunidades de dialogar e de debater as decisões de governo’. E isso é positivo.” Um dos sintomas disso é que Dilma só aguarda a divulgação da lista dos parlamentares envolvidos no Petrolão para confirmar a nomeação do deputado Henrique Eduardo Alves para um cargo de primeiro escalão. Provavelmente, o comando do Ministério do Turismo.
Convencido de que tem espaço para se cacifar ainda mais na relação com o Planalto, o PMDB não economiza nas demonstrações de força. Na Câmara, o presidente Eduardo Cunha decidiu enfrentar todas as orientações sobre a necessidade de redução dos gastos públicos e aprovou um pacote de benesses para os próprios deputados. (leia box ao lado).
A Câmara, presidida por Cunha, é um palco fundamental, caso outro jogo seja jogado mais adiante. Embora a cúpula do PMDB afirme que não há motivação para discutir a possibilidade de um impeachment contra a presidente Dilma, nos bastidores, o partido já colhe os frutos da simples ameaça de que um processo dessa natureza possa vir a ganhar corpo. Outras razões levam o PMDB a ficar em posição privilegiada também nesse debate. Uma delas é que, na hipótese de impeachment, o vice Michel Temer (PMDB) assumiria o comando do País. Segundo ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ouvidos por ISTOÉ, Temer somente poderia ser impedido de tornar-se presidente se os autores das representações também incluíssem o vice-presidente na denúncia, trazendo-o para dentro do processo. Entretanto, nenhuma das dez representações contra Dilma apresentadas até agora à Câmara dos Deputados incluiu seu vice. Se incluísse, como se trata de um processo político, não há hipótese de uma ação de impeachment prosperar sem o apoio do Congresso, agora nas mãos dos peemedebistas Eduardo Cunha e Renan Calheiros. E hoje Cunha, a quem caberia encaminhar o pedido, é aliado de primeira hora de Temer. Ou seja, é muito complicado um processo de impedimento da presidente Dilma ir para a frente sem o aval do PMDB. Atualmente, nenhum partido governista dispõe de um capital político desse tamanho. Nem o PT. Nem o próprio governo.
Fotos: ANDRE DUSEK/ESTADÃO, ANDRE DUSEK/ESTADÃO; Adriano Machado/Agência Istoé
Em meio a manifestações pelo impedimento de Dilma e fortalecido pela fragilidade do governo no Congresso, o PMDB volta a falar grosso e cresce no jogo político
Izabelle Torres
Inspirado no princípío de que em política não existe vácuo de poder, o PMDB corre para ocupar um espaço privilegiado no cenário nacional. Num momento de efervescência, em que o fantasma do impeachment insiste em assombrar o governo, o partido se impõe como o principal fiador da governabilidade da presidente Dilma Rousseff. Hoje, além de ocupar a vice-presidência da República, o PMDB contabiliza o maior número de governadores e prefeitos entre as legendas aliadas ao Planalto. Ainda comanda simultaneamente a Câmara e o Senado, exibindo farta musculatura onde o governo demonstra fraqueza. Esses trunfos conferem aos líderes peemedebistas um alto cacife na relação com o Planalto. Mais do que isso. As circunstâncias políticas transformaram o PMDB no principal dique de proteção da hoje frágil cidadela governista. Ciente de sua força e de seu poder, o partido resolveu falar grosso nos últimos dias. Em reuniões no Planalto, deixou mais do que claro que quer ser ouvido no processo de tomada de decisões. Qualquer que sejam elas – de uma simples nomeação para cargo de segundo escalão à definição de políticas públicas. Caso contrário, ameaça não apoiar no Congresso, por exemplo, os projetos do Executivo de ajuste fiscal, hoje considerado fundamental para que a economia volte aos trilhos.
PEÇA-CHAVE
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, transformou-se
num dos fiadores da governabilidade de Dilma
O tom das novas exigências foi dado pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), depois de um jantar na residência oficial do vice-presidente Michel Temer na noite de terça-feira 24, que contou com a participação do ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Ao deixar o encontro, Renan disse que a falta de espaço aos aliados deixou “capenga” a coalizão que sustenta o governo Dilma Rousseff. Sua declaração foi o resumo de um encontro marcado para que a equipe econômica do governo apresentasse a proposta de ajuste fiscal aos peemedebistas, numa tentativa desesperada de vencer as resistências da votação do pacote no Congresso. Embora a cúpula do partido tenha reiterado a promessa de apoiar o governo nessa discussão, o PMDB manteve no jantar a toada de reclamações e ameaças – privadas, abertas ou até subliminares.
Um dos recados foi emitido via programa eleitoral do partido exibido em rede nacional na quinta-feira 26. Com um forte cunho político, o programa abre com uma mensagem capaz de suscitar interpretações maliciosas. “Não são as estrelas que vão me guiar. São as escolhas”, afirmou o PMDB. O marqueteiro do partido, Elsinho Mouco, diz que “as estrelas” às quais se referiu em nada guarda relação com o símbolo do PT. “Foi poesia”, garantiu. Mas nem o mais inocente petista engoliu essa versão.
BEIJA-MÃO
Em jantar na noite da terça-feira 24, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy,
pediu o apoio do PMDB para a aprovação do pacote fiscal
que será encaminhado pelo governo ao Congresso
O tom de independência permeia a peça publicitária. O presidente da legenda e vice-presidente da República, Michel Temer, defende a liberdade de imprensa no exato momento em que os petistas fazem a defesa pública de uma proposta de regulamentação da mídia. A narradora encerra o programa com uma crítica ao atual momento por que passa o País. “A falta de credibilidade é a pior das crises”. “A crise acaba com a esperança (outra palavra celebrizada nas peças do PT)”, acrescenta ela.
Em tempos de calmaria política, o Planalto poderia reagir com retaliações. A pior delas para o PMDB seria a suspensão das nomeações de integrantes do partido para o segundo escalão. Mas, no atual cenário, jogadas de risco podem custar muito caro. Dilma sabe bem disso. Lula mais ainda. O ex-presidente foi um dos que acusaram o golpe. Na própria quinta-feira 26, Lula participou de um café da manhã na residência oficial do presidente do Senado, Renan Calheiros. No encontro, Lula fez coro às reivindicações da legenda. Lembrou que o vice dele, José Alencar, participava de “todas as decisões” do governo e que a mesma conduta deveria ocorrer agora.
Segundo o senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), Lula disse que o partido aliado é essencial, diante de um preocupante quadro político. O ministro Pepe Vargas, das Relações Institucionais, mostrou que o governo está em sintonia com a avaliação de Lula sobre o principal aliado. “Como sempre, precisa haver mais debate, mais conversa. O PMDB está dizendo que quer participar do debate. Está dizendo ‘nós queremos ter mais oportunidades de dialogar e de debater as decisões de governo’. E isso é positivo.” Um dos sintomas disso é que Dilma só aguarda a divulgação da lista dos parlamentares envolvidos no Petrolão para confirmar a nomeação do deputado Henrique Eduardo Alves para um cargo de primeiro escalão. Provavelmente, o comando do Ministério do Turismo.
Convencido de que tem espaço para se cacifar ainda mais na relação com o Planalto, o PMDB não economiza nas demonstrações de força. Na Câmara, o presidente Eduardo Cunha decidiu enfrentar todas as orientações sobre a necessidade de redução dos gastos públicos e aprovou um pacote de benesses para os próprios deputados. (leia box ao lado).
A Câmara, presidida por Cunha, é um palco fundamental, caso outro jogo seja jogado mais adiante. Embora a cúpula do PMDB afirme que não há motivação para discutir a possibilidade de um impeachment contra a presidente Dilma, nos bastidores, o partido já colhe os frutos da simples ameaça de que um processo dessa natureza possa vir a ganhar corpo. Outras razões levam o PMDB a ficar em posição privilegiada também nesse debate. Uma delas é que, na hipótese de impeachment, o vice Michel Temer (PMDB) assumiria o comando do País. Segundo ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ouvidos por ISTOÉ, Temer somente poderia ser impedido de tornar-se presidente se os autores das representações também incluíssem o vice-presidente na denúncia, trazendo-o para dentro do processo. Entretanto, nenhuma das dez representações contra Dilma apresentadas até agora à Câmara dos Deputados incluiu seu vice. Se incluísse, como se trata de um processo político, não há hipótese de uma ação de impeachment prosperar sem o apoio do Congresso, agora nas mãos dos peemedebistas Eduardo Cunha e Renan Calheiros. E hoje Cunha, a quem caberia encaminhar o pedido, é aliado de primeira hora de Temer. Ou seja, é muito complicado um processo de impedimento da presidente Dilma ir para a frente sem o aval do PMDB. Atualmente, nenhum partido governista dispõe de um capital político desse tamanho. Nem o PT. Nem o próprio governo.
Fotos: ANDRE DUSEK/ESTADÃO, ANDRE DUSEK/ESTADÃO; Adriano Machado/Agência Istoé
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