ZERO HORA 14 de fevereiro de 2015 | N° 18073
EDITORIAL
A autonomia dos parlamentares para determinar emendas ao orçamento da União só fortalece alguns dos piores vícios da política brasileira.
O Congresso conseguiu produzir mais um atraso, ao assegurar total autonomia aos parlamentares, para que disponham como bem entendem do chamado orçamento impositivo. Essa é uma denominação apropriada a um instrumento a serviço da politicagem e da manutenção de currais. Com esse recurso, os congressistas podem adicionar livremente emendas ao orçamento da União, em atendimento a demandas paroquiais. Parece, num primeiro momento, que tal dispositivo atenderia de fato ao princípio da democratização das decisões orçamentárias, já que o parlamentar seria a pessoa habilitada a expressar as necessidades de suas comunidades. Sabe-se que não é bem assim.
O orçamento impositivo já era uma distorção quando o governo determinava, ao analisar as emendas, o que queria ou não liberar. Agora, ficou pior. Como parte de movimento de rebeldia do Legislativo, a Câmara aprovou uma mudança segundo a qual os parlamentares poderão dispor automaticamente de verbas públicas para aplicar em suas bases eleitorais. O Executivo não teria mais o direito de filtrar emendas. No sistema antigo, em que o Planalto detinha esse poder, estabelecia- se a troca de interesses entre Executivo e Legislativo. Os afinados com o governo poderiam ser melhor contemplados em suas ambições.
A alteração é um desvio do desvio, mesmo que, com a modificação, parte expressiva do total a ser liberado pelas emendas tenha que ser vinculada à área da saúde. As verbas públicas têm de ser utilizadas em benefício de todos, e não como estratégia de conquista ou manutenção do eleitorado. Cada um dos 594 congressistas tem, pelo sistema em vigor, o direito de destinar até R$ 16 milhões aos seus redutos. Obras cujas prioridades são questionáveis passam a fazer parte da previsão de despesas do ano, sem que ninguém possa interferir. O resultado é a manutenção de vínculos políticos viciados e, claro, a obtenção de benefícios eleitorais.
O orçamento impositivo é um defeito da atividade pública brasileira, que não pode ser mudado em nome de pretensas melhorias. Deve, sim, ser extinto, para que a definição da distribuição de verbas passe pelo debate do Congresso, como deve ser numa democracia, mas sem a apresentação de emendas e da imposição que está no próprio nome do recurso agora questionado. O mal está feito e dificilmente será remendado. Mas fica o alerta de que a mudança vai propiciar mais desperdício, mais desvios e mais corrupção.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Na tripartição dos poderes na república federativa do Brasil, está ocorrendo um forte ativismo contra o Poder Executivo que gera desarmonia entre os poderes em nome de interesses pessoais e corporativos dos membros dos Poderes Legislativo e Judiciário. Começou com a emenda 41 que tirou o teto salarial dos cargos do Executivo; depois com a autoconcessão de supersalários e superauxílios indiferente à saúde dos cofres públicos, ao valor da salário mínimo e aos investimentos em direitos básicos da população; e agora com a autoconcessão impositiva de emendas por parte de um poder que é normativo, fiscal e representativo do povo, mas nada assistencialista. Além de fonte de corrupção, as emendas submetem os parlamentares a outros interesses nada parlamentares. Seria bem mais produtivo, ao invés de emendas, a Poder Executivo prever verbas orçamentárias em projetos indicados pelos parlamentares que passem pelo controle da viabilidade, custos reais (sem desvios, propinas ou desperdício), aplicação concreta (começo e fim) e benefícios de interesse público.
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