O ESTADO DE S.PAULO 24 Agosto 2014 | 02h 05
OPINIÃO
Dizia Montesquieu que na política é essencial atentar para as semelhanças entre as coisas diferentes e as diferenças entre as coisas semelhantes. É natural que, decepcionados com a política e os políticos, os brasileiros tendam a acreditar, especialmente quando entra em cena o discurso eleitoreiro, que "político é tudo igual". Não é bem assim, claro. Por isso, no momento em que a campanha eleitoral ingressa em sua fase decisiva com o início da propaganda dita gratuita, é mais do que oportuno lembrar a recomendação do filósofo francês, um dos principais arquitetos do Estado moderno, e atentar para as principais diferenças entre os discursos das duas - pelo menos, até agora - mais importantes forças concorrentes no próximo pleito presidencial: o lulopetismo no poder e a oposição tucana.
Como bem observou a colunista Dora Kramer no dia seguinte à inauguração da propaganda no rádio e na TV, foi notável a "diferença central" na conceituação dos dois primeiros discursos de PT e PSDB no que diz respeito ao papel do governo na relação com a sociedade.
De fato, os programas inaugurais dos antagonistas Dilma Rousseff e Aécio Neves transmitiram mensagens substancialmente distintas, radicalmente divergentes, que com toda certeza marcarão o tom de toda a campanha: para o lulopetismo, o governo é o grande provedor do bem comum, o todo-poderoso gerente-geral da felicidade dos cidadãos e fora dele não há garantia de conquistas sociais e progresso. Para os tucanos, no Brasil de hoje o maior problema é o próprio governo do PT, que desde que o País deixou de surfar na onda internacional de prosperidade tragada pela crise de 2009 meteu os pés pelas mãos e, especialmente durante o mandato da atual presidente, não tem sido capaz de conter o retrocesso econômico que ameaça comprometer até mesmo as conquistas sociais e econômicas da administração Lula.
Dizer que as divergências entre os dois grupos são de natureza ideológica implicaria admitir que o balaio de gatos que abriga os atuais detentores do poder - petistas e "base aliada" - seja fiel a alguma ideia que não a do mero apego ao poder. O PT nasceu como resultado da associação do voluntarismo obreirista com os influxos progressistas da militância católica e a arrogância autoindulgente de intelectuais e acadêmicos "de esquerda". O tempo se encarregou de fazer vazar pelo ralo do fisiologismo as veleidades "redentoras" do partido "dos trabalhadores" e acabou sobrando apenas o séquito dos deslumbrados com as benesses do poder.
No que diz respeito ao outro lado, há quem se anime ainda a identificar traços do pensamento social-democrata que inspirou a fundação do PSDB, estabilizou a economia e recolocou o País nos trilhos do desenvolvimento social e econômico a partir de 1995. Escamoteado na campanha eleitoral de 2002, que acabou resultando na entrega do poder ao populismo lulopetista, esse pensamento permanece no momento à espera de alguma explicitação capaz de empolgar quem não se satisfaz em saber apenas o que não deseja para o País.
De modo que, se é difícil de identificar alguma substância programática no discurso dos dois principais, até agora, concorrentes à Presidência, o tom da campanha pelo menos revela claramente, de um lado, que na hipótese da reeleição de Dilma o que se pode esperar é mais do mesmo estatismo populista que, a continuar evoluindo na contramão da História, estará abrindo para os brasileiros as portas do paraíso bolivariano. De outro lado, os tucanos limitam-se a apontar os erros do governo, tarefa fácil na atual conjuntura - é isso que também se espera da oposição. Mas é muito pouco, mesmo que qualquer alternativa ao pesadelo lulopetista possa ser considerada uma bênção. O eleitor consciente merece mais do que ter de optar pelo que é menos pior.
O que importa é que existe, sim, uma diferença essencial entre a visão de mundo inerente ao discurso e à prática lulopetistas de que a sociedade precisa ser tutelada por um Estado todo-poderoso e onipresente, e a convicção oposta, escorada nos fundamentos da sociedade democrática, de que o poder deve ser exercido em nome dos interesses da cidadania e não ser monopolizado por autointitulados benfeitores da Humanidade incapazes de enxergar além do próprio umbigo.
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