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domingo, 10 de março de 2013

QUEM GOVERNA QUEM GOVERNA?



ZERO HORA 10 de março de 2013 | N° 17367 ARTIGOS

AYRES BRITTO*


Comecemos por uma afirmação óbvia: o Poder Executivo de qualquer das quatro unidades da nossa federação tem um chefe. Estrutura-se ele, Poder Executivo, sob a chefia ou autoridade máxima de um agente político. Prefeito, governador, presidente da República, todos dirigem superiormente uma dada Administração Pública e daí se postam aos olhos do povo como a própria encarnação do governo. A face mais visível do poder público.

Estamos a falar, portanto, de um tipo de agente que é popularmente eleito para ficar no topo de um dos poderes elementares do Estado. Poder, esse, mais fisicamente próximo do conjunto da população, por lhe competir implementar as políticas públicas mais cotidianamente significativas dos interesses e valores juridicamente qualificados como próprios dessa população mesma. Interesses e valores que mais de perto viabilizam a sobrevivência, o equilíbrio e a evolução do conjunto da sociedade, por conseguinte. Donde a instantânea identificação entre chefe do Poder Executivo e o governo de toda pessoa estatal-federada: União, Estados, Distrito Federal e municípios.

Pois bem, haveria alguém acima desse governante que é o chefe do Poder Executivo? Claro que não! Nenhuma pessoa física, nenhum outro agente público, ninguém, enfim, se coloca aos olhos do povo como acima daquela autoridade que já estampa, em sua unipessoalidade, o governo de todo um povo geograficamente diferenciado e juridicamente personalizado. Mas, se não existe alguém, existe algo. Esse algo superior aos próprios governantes é a Constituição.

Com efeito, a Constituição governa quem governa. Governa de modo permanente quem governa de modo transitório. Por isso que o termo de posse do próprio chefe do Poder Executivo federal, que é o presidente da República, se dá pela prestação do “compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição”. Em sequência é que vem a promessa de “observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil” (art. 78, cabeça, da nossa Magna Carta Federal).

Não pode ser diferente. A Constituição é o mais estrutural, o mais abrangente e o mais permanente projeto de vida nacional. Para além de se traduzir na Lei Fundamental do Estado e de todo o povo brasileiro, ela é a Lei Fundamental da própria nação igualmente brasileira. Sabido que a nação, por ser a linha invisível que faz a costura da unidade entre o passado, o presente e o futuro, é instituição que tanto engloba o povo de hoje como o povo de ontem e o povo de amanhã. Logo, à semelhança de cada família em apartado, nação é um misto de ideia e sentimento que faz a contemporaneidade caminhar de braços dados com a ancestralidade e a posteridade (“A pátria é a família amplificada”, bem sentenciou Rui Barbosa).

Ora bem, sendo obra dessa realidade atemporal que é a nação, a Magna Carta Federal exprime uma vontade transgeracional. Que já é a vontade mais qualificadamente coletiva, no sentido de que unifica história e geografia do Brasil por todo o tempo. Vontade coletiva permanente, então, a se impor à vontade transitória dos governantes que se sucedem a cada eleição geral.

Diga-se mais: a Constituição é comando pra valer. Ela cuidou de se fazer imperativa e para isso é que habilitou os cidadãos e instituiu órgãos como os Tribunais de Contas e o Ministério Público para saírem em defesa da sua irrestrita aplicabilidade. Ao lado deles, e como instância derradeira de sua autodefesa, a nossa Lei Maior apetrechou o Poder Judiciário. Não que ele, Poder Judiciário, fosse aquinhoado com a função de governar. Não é isso. Mas, se não tem do governo a função, o Judiciário tem do governo a força. A força de impedir o desgoverno. O desmando. A desordem. Desgoverno ou desmando ou desordem tanto mais intoleráveis quanto resultem do desrespeito à Constituição.

Em suma, só há governabilidade legítima nos marcos da Constituição e das leis, nessa ordem. Fora desses marcos de civilidade jurídica, o que se tem já é puro arbítrio. Autoritarismo, e não autoridade. Uma predisposição para sequenciar o promíscuo jogo do vale-tudo político-partidário, ou político-parlamentar, ou político-empresarial. Ou as três coisas juntas, para maior desgraça da nossa qualidade de vida política. Essa qualidade de vida política a que aspiramos como a primeira das nossas afirmações coletivas.


*MINISTRO APOSENTADO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E POETA

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Seguindo ensinamentos de Hely Lopes Meirelles, o Poder Executivo não governa sozinho na clássica tripartição de Montesquieu adotada na Constituição da República Federativa do Brasil. O Estado é constituído pelo Povo, Território e Governo Soberano. A vontade estatal se manifesta nos três Poderes de Estado: Executivo, Legislativo e Judiciário, independentes e harmônicos entre si, desempenhando ações conjuntas e papéis que se complementam e interagem na governança do Estado. O Poder Executivo governa convertendo a lei em ato individual e concreto (função administrativa), o Poder Legislativo governa elaborando as leis (função normativa) e o Poder Judiciário governa aplicando as leis com coatividade (função judicial). Um dos maiores erros neste País é jogar a responsabilidade de Estado e do Governo apenas ao Poder Executivo, desprezando os deveres de Estado do Legislativo e do Judiciário.

A Justiça Criminal é o maior exemplo de uma governança separada, corporativa e divergente exercida no Estado brasileiro. Leis são elaboradas e nem sempre executadas e,ou aplicadas. O culpa pelo caos prisional é jogada no Poder Executivo que faz a guarda e a custódia dos apenados da JUSTIÇA, enquanto o Judiciário sentencia, determina o regime penal, controla as penas, supervisiona a execução penal, concede benefícios e solta. As forças policiais e penitenciárias são administradas pelo Executivo e desprezadas pelo MP e Judiciário, apesar delas auxiliarem a justiça com o poder de polícia e o poder da guarda e custódia de presos à disposição do Judiciário.

O que estão fazendo os Poderes Legislativo e o Judiciário diante do retrabalho policial no combate ao crime e da inércia do Executivo em construir presídios para ressocializar os apenados da justiça? Ao ficarem elaborando leis benevolentes e soltando a bandidagem, demonstram atitudes próprias de quem não se vê como governo responsável pela pela ordem pública e paz social.

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