Diana Lichtenstein Corso*
Em catástrofes evitáveis, como o incêndio da boate que matou 241 jovens em Santa Maria, a punição dos culpados é uma necessidade para os enlutados. Julgamentos exemplares e de grande repercussão revelam uma eficiência da Justiça que gostaríamos de ver mais frequentemente. Mas há uma questão polêmica relativa ao episódio: o indiciamento de pessoas ligadas à administração pública, as quais não foram responsáveis diretas pelos fatos.
Para minha surpresa, estes se declararam injustiçados, dizem ser objeto de perseguição política, sugerindo que sua responsabilização não passa de um lance no jogo partidário. Acredito que tais indiciamentos são corretos justamente por serem políticos, o que nos ajuda a lembrar o que é política. A política não é, ou não deveria ser, como um tabuleiro de jogo alheio à realidade. Um prefeito, assim como nossos demais representantes das várias câmaras, são eleitos para administrar nossa vida de acordo com um determinado plano de trabalho. É nisso que votamos. As barganhas eleitorais são uma perversão das nossas escolhas, sintomático da nossa omissão.
O que acontece numa gestão onde os bombeiros não zelam pela segurança, onde os fiscais são no mínimo omissos e centenas de jovens morrem é política, sim. Política é o exercício da procuração que passamos a um cidadão para cuidar de nós e do nosso patrimônio comum. Político não é um produto que adquirimos se a propaganda for boa. Compreendendo a vida pública como território privado dos políticos de carreira, agimos como se não fôssemos também, todos nós, figuras públicas.
Pensava nisso, numa espécie de balanço moral, questionando qual é o maior valor que nos cabe seguir e legar. O concernimento, que, trocando em miúdos, é o envolvimento com o que transcende nosso umbigo. Sempre que possível, nos voltamos para dentro, alheios, alienígenas, alienados da conexão com o que nos revolta. Contamos com o alívio da indignação, esse barulhento instrumento da paralisia: “Não me acuse de nada, não fiz nada, sou uma alma pura”. Igual a uma das máximas de Homer Simpson: “Quando cheguei aqui, já estava assim”.
Gostaríamos de gerar vencedores, de criar filhos capazes de ser colocados no páreo da competição. Mas filhos, como políticos, não são um produto a ser bem colocado no mercado, precisamos ajudar os mais jovens a entrar no mérito das consequências sociais de suas escolhas e atitudes. Cada gesto que fazemos, mesmo os mais banais, fazem diferença para todos. São pequenos atos, feitos por cidadãos políticos, profissionais ou não, como a designação de um subordinado, ou atitudes privadas de reciclagem, de responsabilidade social. O modo como vivemos não é um irrelevante grão de areia na praia, é parte de uma rede, de uma reação em cadeia. Talvez esse possa ser o maior valor moral contemporâneo a ser cultivado: a consciência de que somos responsáveis pelo todo, saber-nos coletivos, políticos. Cada um de nós recebe do próximo a procuração que responsabiliza pela gestão do destino comum. Honremos esse compromisso.
PSICANALISTA
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