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sábado, 7 de setembro de 2013

MENOS QUE UM CACHORRO

ZERO HORA 07 de setembro de 2013 | N° 17546

ARTIGOS

Jorge Barcellos*


Sei que ZH não vai publicar, mas desculpem o desabafo. Fundada em 6 de setembro de 1773, na última sexta-feira a Câmara Municipal de Porto Alegre comemorou 240 anos de história. Estou triste porque nenhum articulista de ZH registrou a data, que não teve bolo nem vela no Legislativo. No entanto, referências a animais de estimação foram abundantes no jornal: Tulio Milman reiterou duas vezes a importância do cuidado com cães no espaço público; a gata Mingau, de 11 meses, e a cachorrinha Rihanna, cujo charme é o dentinho foram notícia e descobrimos os novos apetrechos tecnológicos dedicados a gatos e cachorros como Chopp, filhote de shinh-tzu da dentista Gabriela Ferreira. O Legislativo só é notícia quanto há polêmica, como no caso da reportagem sobre a publicação do livro O Escudeiro da Luz em Os Zumbis da Pedra envolvendo o secretário municipal de Saúde César Casartelli (PTB).

Esquecer o aniversário do Legislativo não é privilégio de ZH: todos os demais veículos de comunicação da cidade agiram da mesma forma. E não foi por falta de lembrete: 20 outdoors foram espalhados pela cidade e a assessoria de imprensa tratou de registrar e enviar para os veículos de comunicação pauta a respeito. Correndo o risco da crítica dos defensores dos animais e da imprensa, minha conclusão é de que para a imprensa local, a história da Câmara Municipal vale menos que a de um cachorro. Dizia Goethe que o que é difícil é o que parece fácil, isto é, “poder ver com os olhos o que se tem diante deles”. Quer dizer, para mim faltou atenção no olhar da imprensa à data pois o movimento de dar atenção às coisas do Legislativo não é frequente, é raro. Depois da invasão, o Legislativo perdeu o respeito de parte de seus cidadãos, principalmente a juventude. Ninguém mais dá atenção à história da Câmara e eu fico pelos corredores do Legislativo como a velhinha de Taubaté, famosa por ser “a última pessoa que acreditava no governo”. Para mim, essa falta de atenção é um problema porque ela sempre dota o olhar de um significado moral. Olhar ou afastar o olhar é sempre feito por respeito, e se o jornalismo local já não olha mais para a história de seu parlamento é porque há muito tempo já perdeu o respeito por ele.

É verdade que muitas vezes o parlamento já justificou essa atitude, com suas idiossincrasias, discursos populistas e projetos de lei inúteis comuns no passado. Mas isso mudou e manter a atitude de indiferença em relação à Câmara tem um significado moral. Ignorar a data máxima do legislativo significa desconsiderá-lo, pois dar atenção é primeiro um movimento com significação ética. “O respeito requer uma atenção, e a atenção, um acercamento, uma aproximação”, diz Josep M. Esquirol em O Respeito ou o Olhar Atento (Autêntica, 2013). Por isso, a ignorância é antagônica ao respeito. Em Dersu Uzala, o filme de Akira Kurosawa, Dersu é o velho caçador cujo olhar atento às coisas da terra é o fato mais marcante do filme. Dersu respeita porque vê, bem ao contrário dos demais cidadãos e da imprensa local, que não viram a data máxima de seu parlamento.

Trabalho na Câmara e é uma pena que isso seja assim. A Câmara tem seu valor, basta um olhar atento à sua produção para se ter uma ideia. Entre 2001 e 2008, de projetos de lei a pedidos de providências, a Câmara produziu 30.546 proposições. No mesmo período, o Executivo teve a iniciativa de 543 proposições. Em termos de defesa da educação, no mesmo período, a Câmara Municipal produziu 877 proposições, contra 28 do prefeito. A ideia de um parlamento omisso na área social é produto do desconhecimento das responsabilidades dos vereadores, que sua política de transparência veio recentemente combater. No mínimo, a Câmara merecia um “bolo com velinhas” e uma nota de pé de página em algum canto do jornal. Não teve nem isso. Mingau teve.

*DOUTOR EM EDUCAÇÃO PELA UFRGS

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