EDITORIAL INTERATIVO
Os privilégios de maneira geral, que em muitos outros países são encarados como exceção, no Brasil tendem a ser vistos como regra, em boa parte devido a crônicas desigualdades sociais que dão margem a sua existência e ajudam a preservá-los. Sob diferentes óticas, o debate sobre esse tema ampliou-se nos últimos meses a partir de integrantes de movimentos que foram às ruas pleitear passe livre nos ônibus e está também no centro das discussões relacionadas ao mensalão. Réus condenados no processo argumentam que o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) não lhes dá chance a um outro grau de jurisdição, o que de fato corresponde à verdade. Omitem, porém, o aspecto de jamais terem se insurgido contra essa deformação até o STF começar a desfazer a sensação de impunidade historicamente associada a julgamentos de políticos. Este é um momento oportuno para brasileiros nas ruas e políticos nos gabinetes reavaliarem seriamente vantagens discutíveis concedidas a uma minoria, e cuja conta é transferida para toda a sociedade.
Os benefícios arcados pelo conjunto dos contribuintes se apresentam sob diferentes formas. Começam com aposentadorias especiais e megassalários para algumas categorias de servidores e incluem até mesmo o direito a meia-entrada e passe livre defendido por manifestantes nas ruas. A polêmica instalação de celas VIPs para abrigar políticos condenados em Brasília, rechaçada nos últimos dias pelos brasileiros, é um exemplo típico de até onde essas vantagens podem chegar. Sobram exemplos também tanto na área social quanto na econômica, onde há diferenças gritantes sob o ponto de vista tributário, por exemplo.
Em muitos casos, o tratamento discricionário se mantém por falta de transparência – ou, como definiu o antropólogo Roberto DaMatta, em consequência da “opacidade de um sistema de governo desenhado para manter os labirintos sombrios dos que se tornam aristocratas (e milionários!) pela política”. E isso só pode ter fim, na sua opinião, com uma diminuição na distância entre o ético e o legal. A redução do elevado custo dessas deformações depende de uma ampla mudança cultural que imponha maior transparência aos “jeitinhos” oficiais, permitindo à sociedade se manter devidamente inteirada sobre o custo com o qual arca para que seja dispensado a uns poucos tratamento diferente do concedido aos demais.
O Brasil do carteiraço e do “sabe com quem está falando?” convive com regalias excessivas que precisam ser revistas. O país não pode se conformar em continuar sendo chamado de “República da meia-entrada”, como o definiu o economista Marcos Lisboa num polêmico artigo publicado recentemente.
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