O Estado de S.Paulo
Primeiro, porque a CPI sabia, como todos quantos acompanham o melancólico espetáculo em curso no Congresso Nacional, que o bicheiro entraria mudo e sairia calado da sessão - ou melhor, falaria apenas para dizer que não falaria. O seu advogado, o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, havia anunciado que o cliente faria pleno uso do direito constitucional de permanecer em silêncio para não se incriminar eventualmente. E para não convalidar as evidências coletadas pelas operações da Polícia Federal que o advogado quer ver declaradas ilegais.
Ainda assim a oitiva se arrastou por cerca de duas horas e meia, com mais de 50 perguntas inúteis, ouvidas pelo inquirido com apropriado ar irônico beirando o deboche, até que a senadora desse o seu exasperado alerta. Com as suas indagações, diligentemente anotadas por Thomaz Bastos, sentado à esquerda de Cachoeira, os parlamentares de fato entregavam o ouro ao presumível bandido, sob a forma de um roteiro para a sua defesa - se não perante à CPI à qual ele só aceitaria voltar para continuar mudo - no processo a que responde na Justiça Federal de Goiás.
A outra razão por que o depoimento merece ser considerado uma farsa está nas perguntas que senadores e deputados deram de fazer a fim de tirar o proveito que pudessem dos holofotes da mídia, embora cientes de que o País não parou para acompanhar o momentoso evento nem prenderia o fôlego quando o assunto aparecesse nos telejornais da noite. Os congressistas alinhados com o Planalto exibiram a sua lealdade insistindo uma vez e outra, e outra ainda, na documentada proximidade de Cachoeira com o governador de Goiás, o tucano Marconi Perillo.
Já a oposição, além de fazer o mesmo em relação ao governador petista do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, tentou cavoucar os bastidores do primeiro governo Lula. Com isso, uns e outros comprovaram que a CPI surgiu para levar à berlinda os respectivos adversários políticos, como se o esquema Cachoeira não fosse rigorosamente suprapartidário. Mirando o lado de lá, os perguntadores naturalmente blindavam o lado de cá, o deles. Seguiam assim à risca a máxima de Vaccarezza, o deputado petista que mandou ao governador fluminense, Sérgio Cabral, do PMDB, o tranquilizador SMS do "você é nosso e nós somos teu".
A base aliada vinha tentando blindar também a recordista de contratos com o governo federal e o do Rio de Janeiro, a empreiteira Delta, então do querido amigo de Cabral, Fernando Cavendish, tido como "sócio oculto" de Cachoeira. Na semana passada, o relator da CPI, deputado Odair Cunha, do PT de Minas Gerais, excluiu o empresário e a matriz da construtora da lista de pessoas físicas e jurídicas a terem os seus sigilos quebrados. Com isso, pareceu comprar pelo valor de face a alegação da Delta nacional de que desconhecia as traficâncias de seu ex-diretor no Centro-Oeste Cláudio Abreu, parceiro do contraventor.
Como que atenuando o fiasco em que a CPI se enfiara, a certa altura do interrogatório de Cachoeira o deputado Onyx Lorenzoni, do DEM de Santa Catarina, trouxe à luz as descobertas de uma investigação de que pouco se fala - a Saint-Michel, deflagrada pelo Ministério Público na sequência da Monte Carlo, conduzida pela Polícia Federal. Os procuradores apuraram que a cúpula da Delta deu a Abreu procuração para movimentar pelo menos dez contas bancárias da empresa no País. De uma delas, já se sabia, saíram R$ 39 milhões para firmas fictícias usadas pela organização de Cachoeira.
Diante disso, a CPI está obrigada a quebrar os sigilos da Delta em âmbito nacional e do seu ex-controlador. É, de resto, a sua tábua de salvação.
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