O ESTADO DE SÃO PAULO, 21 de maio de 2012 | 3h 07
DENIS LERRER ROSENFIELD, PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS.
Nesse sentido, é alentador observar dois recentes movimentos que contrarrestam essa tendência: a CPI dita do Cachoeira, na verdade, também da empresa Delta e dos políticos e governantes por eles envolvidos; e a votação do novo Código Florestal, com a Câmara retomando o seu protagonismo, alterando o texto do Senado. No passado recente não foi criada nenhuma CPI, quer por inação do Poder Legislativo, quer por clara intromissão do Poder Executivo, temendo qualquer investigação. Há, aqui, uma novidade de monta que merece ser ressaltada.
Primeiro, a presidente Dilma não se opôs à criação da CPI, embora não fosse essa uma opção propriamente sua. Poderia ter jogado todo o seu poder para torná-la inviável e não o fez, o que não deixa de ser uma posição propriamente institucional. Segundo, o presidente da Câmara agiu como magistrado, tendo sabido articular e compor as forças em presença. Aliás, vale enfatizar que o deputado Marco Maia, em sua carreira política, não tem nada que o desabone moralmente, o que por si só, na conjuntura atual, é digno de louvor.
O mundo em geral, e o da política em particular, não é um mundo de anjos. Cada partido político, ao acolher a ideia de criação da CPI, agiu segundo seus interesses particulares, acreditando acertar o seu concorrente ou adversário. O PT procura acertar o PSDB por meio do governador de Goiás, Marconi Perillo, que não cessa de se contradizer sobre suas ligações com o contraventor Carlos Cachoeira. O PSDB procura acertar o PT via Agnelo Queiroz, governador do Distrito Federal. Outros ou os mesmos protagonistas procuram acertar o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, do PMDB, cada vez mais enrolado em sua "amizade" com o dono da Delta, Fernando Cavendish. O blog do Garotinho aproveita-se da situação para tornar públicas fotos extremamente constrangedoras para Cabral.
No meio de tudo isso, aparecem novos dados sobre essa empresa de construção, cujos tentáculos se estendem por toda a administração pública nos níveis federal, estadual e municipal. Uma empresa que cresce vertiginosamente com contratos públicos, aproveitando-se de seus mais distintos contatos no Estado, produzindo uma espécie de milagre na produção de riqueza. De repente, tudo o que estava "escondido" surge publicamente, pondo a Nação diante de fatos cuja dimensão não era possível prever.
Independentemente dos interesses particulares em jogo, cada um visando a sua satisfação própria, muitos dos quais orientados por vícios privados, partidários, o resultado não deixa de ser alentador, pois a divulgação dos desmandos políticos e das obscuras relações de um contraventor com políticos e governantes, incluída uma grande empresa, exibe esse outro lado de um Brasil que reluta, politicamente, em se modernizar. O País é a sexta potência do mundo do ponto de vista de seu PIB, mas não pode ostentar, infelizmente, essa marca na moralização da vida pública.
Acontece que esses vícios privados, para utilizar uma expressão de Bernard de Mandeville, estão produzindo virtudes públicas, dentre as quais convém ressaltar a transparência enfim alcançada das investigações da Polícia Federal, do Ministério Público e da própria CPI. Não importa que haja ainda muito por fazer, com o trabalho dos deputados se realizando parcialmente em sigilo e em reuniões fechadas. Nada como o tempo para dar transparência a atos que relutam em vir a público.
O mais relevante reside em que os vícios privados se estão tornando virtudes públicas, com o País fazendo uma parte de sua tão necessária faxina ética. O resultado da CPI, por escusos que possam ter sido para alguns os seus motivos, vai muito além do que foi planejado por certos de seus autores, contribuindo decisivamente para a formação da opinião pública brasileira.
A reelaboração do projeto de lei do Código Florestal é outro exemplo de uma retomada do protagonismo legislativo - no caso, da Câmara dos Deputados. Não podemos esquecer que o projeto ganhou nova dimensão e abrangência graças ao relatório do deputado Aldo Rebelo, indo em seguida para o Senado, onde foi reformulado a partir de um acordo suprapartidário, e voltando depois para a Câmara.
Houve um impasse, com alguns defendendo a simples aprovação do texto do Senado, outros advogando por outra reformulação, na defesa dos pequenos agricultores, que não teriam condições de atender a todas as exigências de recomposição das áreas de proteção permanente (APPs). Os mal informados andam dizendo que foi uma reação do agronegócio, quando para este não faz a menor diferença a recomposição de APPs, pois suas áreas são grandes e não perderia com isso. O impacto é maior entre os agricultores familiares, os pequenos e médios produtores, para os quais alguns metros a mais ou a menos nas margens de rios fazem enorme diferença.
Os deputados foram sensíveis a essa escuta, com o presidente da Câmara se comprometendo a pôr o texto em votação, o que alguns mais radicais se recusavam a fazer. Terminou valendo o ponto de vista propriamente institucional de uma votação necessária, pois o País não pode mais continuar nessa insegurança. A Câmara dos Deputados soube, assim, se colocar como protagonista, contribuindo para melhorar a sua imagem perante a opinião pública. O Brasil está ganhando com isso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário