EDITORIAL
São muitas as evidências, oferecidas pelo próprio Congresso, de que a maioria dos parlamentares não tem a intenção de dar encaminhamento a uma reforma política. O assunto, abordado ontem em ZH, em entrevista com o cientista político Sérgio Abranches, traz à tona pelo menos a possibilidade de uma alternativa às mudanças que o Parlamento se nega a fazer. Defendeu o cientista que o Brasil, em vez de aguardar uma reforma que talvez não aconteça, comece a considerar a possibilidade de adoção de outras formas de controle social da atividade pública, inclusive com o chamado recall de ocupantes de cargos eletivos.
Mesmo que possa parecer uma utopia, num país que se nega a debater saídas concretas para a crise de representação política, a proposta deve pelo menos subsidiar a discussão, em contrapartida ao imobilismo. O recall é um mecanismo existente em alguns países, entre os quais os Estados Unidos, que prevê o respeito às manifestações da opinião pública sempre que um ou mais eleitos tenham suas performances questionadas por desvios de conduta, irregularidades ou mesmo inoperância. São muitas as formas para a viabilização de tal mecanismo, que resultaria na substituição dos questionados, mas o Brasil apenas ensaia o debate da opção, com apoio de estudiosos das muitas facetas da representação política.
O interessante é que a ideia abordada agora pelo cientista pode sensibilizar os que se esforçam pelo aperfeiçoamento da democracia, submetida a coalizões em que prevalecem os interesses específicos dos que chegam ao poder – e não as demandas da sociedade – e precisam fazer valer planos e projetos. É o que ocorre hoje no país, numa repetição de outros governos, em que o lastro de apoio partidário envolve conluios, troca de favores, cargos e disputa por verbas públicas, numa distorção que se acentua em períodos eleitorais.
Mesmo que o chamado recall seja inviável a curto prazo, porque também dependeria do apoio parlamentar, o certo é que o eleitor não pode fazer valer seu ponto de vista, em relação aos ocupantes de cargos executivos e legislativos, apenas a cada eleição. O controle da atividade pública, favorecido pela lei da transparência, exige vigilância permanente, através das instituições fiscalizadoras. O eleitor não pode ficar esperando que um Congresso apegado a privilégios descarte o que sustenta seus vícios e seus próprios desmandos.
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