ZH 21 de setembro de 2014 | N° 17929
CARLOS ROLLSING
O PODER E O BANCO CENTRAL
INDEPENDÊNCIA DA INSTITUIÇÃO, que poderia significar a liberdade para os dirigentes tomarem decisões sobre juro sem interferência do governo, esquentou os debates
Registrado na página 46 do programa de governo de Marina Silva (PSB), o tópico que fala em “assegurar a independência do Banco Central”, com “regime de metas”, “mandato fixo para o presidente” e “regras de destituição da diretoria”, foi carregado para o núcleo das polêmicas da eleição. Enquanto Marina sustenta o ponto de vista, Aécio Neves (PSDB) promete autonomia operacional em momentos de decisões, julgando ser desnecessário garantir a diretriz em lei, e Dilma Rousseff (PT) afirma que a medida causaria desemprego e até fome.
Tema complexo, a independência do Banco Central, que significaria total liberdade para os dirigentes da instituição tomarem decisões sobre juro – entre outras – sem qualquer interferência do governo, envolve questões relevantes: variação da moeda, geração e manutenção de emprego, preços dos produtos comprados pela população e inflação. Os favoráveis à autonomia legal dizem que, atualmente, o Banco Central é suscetível a pressões políticas, exposto a crises de credibilidade que afugentam investidores.
– O maior benefício do Banco Central independente é a credibilidade. É uma ofensa dizer que, com esse modelo, cairia nas mãos dos bancos. A instituição é comprometida com a racionalidade. Hoje existe um cenário de intervenção do governo Dilma que levou a economia do país a total descrédito – opina Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor do Banco Central na gestão de Armínio Fraga.
Para os críticos da independência, a proposta interessa ao mercado financeiro, defensor dos juros altos praticados no Brasil como forma de desaquecer a economia e segurar a inflação.
– É uma pauta do mercado financeiro, que busca maior previsibilidade. O Banco Central já tem relativa autonomia no Brasil. Tanto é assim que pratica as maiores taxas de juros do mundo – diz Antonio Corrêa de Lacerda, coordenador do programa de estudos pós-graduados em Economia Política da PUC-SP.
Lacerda ainda opina que a política monetária do Banco Central precisa ser “coesa” com a do Ministério da Fazenda e de bancos públicos como a Caixa Econômica Federal. Todos devem, avalia Lacerda, caminhar articulados e com uma estratégia econômica compartilhada.
– Dizer que os bancos centrais independentes são subservientes ao mercado financeiro é algo que não se sustenta diante da análise dos fatos. Nos Estados Unidos e na Europa, existe independência. E lá a taxa de juro está perto de zero, abaixo da inflação. É disso que os banqueiros gostam? É assim que o povo vai passar fome? Evidente que não. A taxa de juro está baixa porque esses bancos centrais estão preocupados com o emprego – avalia Fernando de Holanda Barbosa, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV).
MODELO SEMELHANTE AO DOS EUA É ALTERNATIVA
Para especialistas, a eventual independência do Banco Central no Brasil exigiria uma alteração de suas funções. Hoje, o seu compromisso fundamental é com o controle da inflação. Livre das amarras do governo, poderia apenas elevar o juro a níveis exorbitantes para reduzir a demanda por produtos, diminuindo a inflação.
Para equilibrar a atuação, a alternativa seria adotar um modelo semelhante ao dos Estados Unidos, onde o Federal Reserve (Fed) precisa conciliar controle de preços com o maior nível de emprego possível. Esse casamento traria moderação e equilíbrio nas mexidas do juro, acreditam especialistas.
– Com independência, o Banco Central seria blindado de qualquer pressão popular, com a indicação de tecnocratas que partilham da visão do juro alto, redução do consumo popular e do gasto público que atende à população. E por quê? Para aumentar o superávit primário, que serve para pagar os títulos da dívida – afirma Pedro Paulo Bastos, do Instituto de Economia da Unicamp.
Para Bastos, existe um diagnóstico equivocado no Brasil, que sempre aponta a alta demanda por produtos como causadora da inflação. E a alternativa para debelar preços altos não é só juro alto.
– Não é uma questão só de demanda. Houve desvalorização cambial (o juro baixo nos EUA causou fuga de capitais para outros países, incluindo o Brasil) e uma forte quebra de safra em 2012 – aponta Bastos.
No Congresso, projetos protocolados por petistas para garantir a autonomia
Na propaganda de Dilma Rousseff na TV, o PT ataca a ideia do Banco Central independente, mostrando encenações de engravatados ávidos por dinheiro e famílias passando fome. No Congresso, tramitam pelo menos dois projetos de lei, protocolados por petistas, para assegurar a liberdade do Banco Central e mandatos para os seus diretores. O primeiro deles foi apresentado por Virgílio Guimarães (PT-MG), em 2001, para “fixar mandato para o presidente do Banco Central e normas para sua escolha”. O segundo, protocolado em 2004 por Eduardo Valverde (PT-RO), falecido em 2011 em um acidente de carro, “inclui nas atribuições do Banco Central a competência para formular e executar a política monetária e cambial, exercendo com autonomia e sob sua inteira responsabilidade o papel de guardião da moeda nacional”.
BC TEVE AUTONOMIA NOS GOVERNOS DE FH E LULA
De autoria de petistas à época de sua apresentação, as duas propostas seguem em tramitação e são alinhadas à defesa da independência do Banco Central. Para economistas, a instituição desfrutou de total autonomia durante os governos Fernando Henrique e Lula. Os dois ex-presidentes, mesmo sem constar em lei, delegaram à instituição as decisões sobre subidas ou descidas nos juros diante do quadro inflacionário. Essa política mudou no governo Dilma.
– São características da Dilma que a levam a fazer intervenções em todos os setores, desde mexidas no juro até o controle de preços – avalia Fernando de Holanda Barbosa, da FGV.
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