ZH 27/09/2014 | 18h01
"Essa história de caixa dois não existe
no Brasil", diz o presidente do TSE. Dias Toffoli argumenta que no
Brasil "o caixa 1 contempla tudo, porque você não tem limite de gastos"por
Carolina Bahia e Guilherme MazuiIndicado
por Lula em 2009, Dias Toffoli, que foi advogado do PT em campanhas
presidenciais, tomou posse no Supremo aos 41 anos Foto: Roberto Jayme /
TSE,Divulgação
O homem que comanda a disputa nas urnas de
2014 é categórico ao negar a existência de caixa 2 nas campanhas
políticas no Brasil. Para o presidente do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE), ministro José Antonio Dias Toffoli, trata-se de um "não assunto".
Sem limitação estabelecida de gastos para as campanhas, a contabilidade
oficial de candidatos e partidos comporta todas as despesas, afirma o
ministro.
Aos 46 anos, Toffoli conhece as entranhas da política.
Natural de Marília (SP), formado pela Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo (USP), foi assessor jurídico da liderança do
PT na Câmara, advogado do partido em campanhas presidenciais,
subordinado de José Dirceu na Casa Civil e Advogado-Geral da União (AGU)
no governo Lula.
A relação com a sigla e o ex-presidente valeu a
indicação feita por Lula para o Supremo Tribunal Federal (STF). Toffoli
tomou posse em 2009, aos 41 anos. Ignorou a pressão para se declarar
impedido e julgou o processo do mensalão, no qual o ex-chefe José Dirceu
era réu. Em maio passado, ao assumir o TSE, garantiu desprendimento do
passado:
– É página virada.
Pelo
menos três candidatos a governador renunciaram ao serem barrados pela
Lei da Ficha Limpa. A lei está cumprindo sua função? Torna a eleição
mais limpa?Mais importante do que a Lei da Ficha Limpa foi a
fixação de um prazo anterior às eleições para as renúncias. Fui
designado relator pela ministra Cármen Lúcia para fazer as instruções
das eleições de 2014, quando estabeleci um prazo de renúncia. Em 2012,
os prefeitos renunciavam na véspera da eleição e eram substituídos pelo
filho ou pela mulher. Não havia tempo para que o substituto fosse
submetido ao crivo do contraditório, do debate de ideias, da disputa
política. Foi determinante estabelecer que, ao menos 20 dias antes da
eleição, aquele que fosse candidato majoritário não poderia renunciar. É
uma conjugação: a Lei da Ficha Limpa junto com essa determinação. Sem
ela, talvez uma candidatura como a do Arruda (José Roberto, no Distrito
Federal) fosse até a véspera da eleição.
Contudo, substituir o candidato por parentes ainda é um hábito.A
questão do parentesco é muito mais profunda. Em uma federação como o
Brasil, teríamos de entrar em estudos de sociologia, antropologia e
cultura política para ver que o parentesco é uma das formas de formação
da elite no país.
É preciso mudar a lei, proibir mulher ou filho de substituir um candidato que renuncia na véspera da eleição?É
uma das questões que precisamos romper. Temos a súmula vinculante
número 13 no Supremo Tribunal Federal, que impede as nomeações de
parentes em cargos públicos, o que é um grande avanço civilizatório em
uma cultura de formação de elites pelo parentesco e pela política de
famílias.
O Supremo Tribunal Federal deve decidir sobre o financiamento de campanha público ou privado?Quando
provocado, é. Todos que foram eleitos receberam dinheiro de empresas na
campanha. O julgamento das doações de empresas já foi um início maduro
de discussão. Na França, o limite de doação de pessoa física é de 4,6
mil euros (cerca de R$ 14,2 mil), nos EUA, de US$ 2,6 mil (R$ 6,2 mil).
No Brasil, o cidadão pode doar até 10% da sua renda conforme o imposto
de renda. Aqui, você não tem uma igualdade como há em outros países. Uma
pessoa que teve uma renda de R$ 100 milhões, e existem no Brasil
pessoas com essa renda, pode doar R$ 10 milhões. Já quem recebe um
salário mínimo (R$ 724) doa pouco.
O senhor é a favor do financiamento público?Exclusivo,
não. O cidadão tem o direito de contribuir para sua campanha como
contribui para sua igreja, seu clube. Agora, tem de haver limite para
ter igualdade, para que os que têm muito dinheiro não extrapolem sua
influência nas eleições. Limite de doação e limite de gastos são
importantes.
O limite de gastos é um tema que não anda no Congresso.Nos
EUA, uma candidatura à Presidência teria direito a receber de
financiamento público, mais ou menos, cerca de US$ 95 milhões (em torno
de R$ 228 milhões). Ainda é menos do que as principais candidaturas
declaram no Brasil. Na França, o limite do primeiro turno é de 15
milhões de euros (R$ 46 milhões) e, no segundo turno, de 20 milhões de
euros (R$ 61,4 milhões).
E o caixa 2, ministro? A fiscalização e a Justiça Eleitoral conseguem barrar essa prática nas campanhas?Temos
condições de coibir o caixa 2, o problema é que no Brasil o caixa 1
contempla tudo, porque você não tem limite de gastos. No Brasil, você
não precisa de caixa 2. O partido chega e fala que vai gastar R$ 400
milhões na campanha para presidente da República. Alguém precisa de
caixa 2 no Brasil?
Então, por que os partidos e candidatos fazem caixa 2?Na
campanha para presidente da República, acho que não fazem. Falo com
sinceridade, não fazem. Caixa 2 só se justifica quando há limite de
gastos, e aí você quer escamotear o limite. Essa história de caixa 2 não
existe no Brasil.
Mas e o recurso não declarado, que aparece em investigações e escândalos?Alguém
consegue gastar mais de R$ 400 milhões em uma campanha presidencial? O
caixa 1 contempla tudo no Brasil. Nós temos de parar de agir com essas
metáforas e mitos, e enfrentar a realidade. Nas campanhas, não há que se
falar em caixa 2, porque no Brasil não há limite de gastos. Se tivesse,
poderia se falar em caixa 2. A gente fica discutindo um não assunto.
Mas não é o caixa 2 que financia a corrupção?É
outra coisa. Se você tem a possibilidade de pessoa jurídica financiar
campanha, você pode dizer que se cria um compromisso entre o financiador
e o financiado. Nos EUA, em 1907, isso foi proibido. Em 1947, com o
surgimento do sindicalismo, então se introduziu a proibição dos
sindicatos contribuírem para as campanhas. Esse debate não é exclusivo
do Brasil.
As empresas deveriam doar para as campanhas?Uma
coisa é falar de caixa 2, que acho que não tem nas disputas eleitorais,
pois é o próprio candidato que define o seu limite de gastos. As
doações são outra discussão. Pessoa jurídica vota? Se pessoa jurídica
não vota, por que ela contribui? A questão não é falar em financiamento
de candidatura ou de partido. Quem financia a democracia? No Brasil, é o
grande capital. Isso é bom para democracia brasileira? Não. No mundo
ocidental, tem se mostrado uma corrupção da vontade popular.
Mensalão: Toffoli ignorou a pressão para se declarar impedido de julgar e absolveu Dirceu, que acabou condenado.
O
Supremo julgou exaustivamente o mensalão. Durante o julgamento, a
defesa argumentava que era um esquema de recursos não contabilizados.
Não foi caso de caixa 2?A tática do caixa 2 na defesa do
mensalão se mostrou absolutamente equivocada. Aquilo não era questão de
campanha eleitoral, por isso que o Supremo condenou. Não foi julgado na
Justiça Eleitoral.
O que o julgamento representou para o país? Foi um golpe na impunidade, mudou algo no Brasil?A história vai dizer se mudou ou não o país.
A reeleição entrou no debate da campanha presidencial. O senhor é a favor ou contra?No
Brasil, se formos olhar da Proclamação da República até hoje, não se
passou maior período de estabilidade democrática senão a partir da
Constituição de 1988. Se olharmos a história do Brasil, todo presidente
eleito é submetido a um teste de derrubada. Não digo que quem está no
poder deva ser reeleito, mas a instituição da reeleição trouxe uma
estabilidade em um país sem uma elite nacional, formado por uma
confederação de elites regionais.
Então, a reeleição torna o Brasil mais estável para governar?Para
aquele que está no poder ter o mínimo de estabilidade, ele deve ter o
direito de tentar a reeleição. O Brasil errou ao criar a República sem a
reeleição. A Constituição de 1946 não conseguiu dar estabilidade com
mandato de cinco anos. Depois, a redemocratização sem reeleição levou ao
impeachment do primeiro presidente eleito pelo voto popular (Fernando
Collor de Mello, em 1992), o que não é pouca coisa. No primeiro mandato
de Fernando Henrique Cardoso, diziam "fora FHC", e ele se reelegeu (em
1998). Lula quase caiu com o mensalão. Se não houvesse a possibilidade
de reeleição, Lula teria caído. Voltar ao mandato de cinco anos é voltar
à Constituição de 1946, que foi testada e não deu certo.
O senhor diz que não existe uma elite nacional no Brasil. Por quê?Todo
mundo que está no Brasil está de passagem, quem está em Brasília está
de passagem. Alguns ficam, como o Sarney (José Sarney, senador e
ex-presidente da República), que está há 60 anos no poder, ganhou de Dom
Pedro II em tempo no poder. Mas é caso isolado, não se pode dizer que
no Brasil exista alguém que represente politicamente uma estabilidade
nacional. O país é muito difícil de governar.
Como as elites se organizaram no país?A
partir da Revolução de 1930, o Brasil deixou de ser uma elite de
proprietários de terras e passou a ser um país que tentou e tenta ser
cada vez mais moderno e civilizado. No período colonial e no Império, o
Brasil teve uma unidade nacional entre as várias províncias baseada, do
ponto de vista econômico, na escravatura. Os historiadores nunca
disseram, ou, quando disseram, foi de forma envergonhada, que a
escravatura negra foi uma das razões para o Brasil ter se mantido unido
como nação, ao contrário da América espanhola.
A escravidão ajudou a manter o país unido?No
Brasil, o regime da escravatura foi um regime econômico que fez as
elites locais permanecerem unidas junto a um modelo de império com um
governante que fosse um imperador. Esse modelo veio à ruína depois da
abolição da escravatura, e o Brasil quase se desmilinguiu com a
República.
Perto do poder: depois de atuar nas campanhas presidenciais do PT, foi advogado-geral da União no governo Lula
Voltando
à reeleição, ela está inserida no debate da reforma política. Alguns
candidatos dizem que é a reforma das reformas. O senhor acredita nisso?
Que reforma deve ser feita?Os partidos políticos surgiram no
século 19. No Brasil, os partidos são o único meio de acesso ao poder, e
são os partidos que dizem em quem nós podemos votar. Vivemos em uma
democracia ou em uma partidocracia? Os partidos políticos representam a
sociedade ou não? Penso que as manifestações de junho de 2013 indicaram
uma insatisfação da sociedade com os meios tradicionais de
representação, ou seja, numa época em que os partidos se configuravam
entre direita e esquerda, naquela clássica divisão marxista de lutas de
classe, isso está superado.
Os partidos precisam se reciclar?No
mundo, você tem pessoas que, ao mesmo tempo, são contrárias ao aborto,
mas a favor do divórcio, ou pessoas favoráveis ao livre mercado, mas
contrárias à liberação das drogas e do jogo ou do casamento gay. Quem
representa as nossas ideias? Os partidos perderam completamente aquele
veículo de ser a representação da sociedade.
E qual seria o caminho?Não
podemos olhar o retrovisor. Temos de olhar o futuro, essa nova maneira
de se comunicar, as relações de uma sociedade online. Temos de pensar em
outra democracia. Se quisermos encaixar essa nova sociedade nas
caixinhas dos conceitos sociológicos anteriores, vamos estancar os meios
de possibilidade de a sociedade extrapolar os seus desejos, e isso gera
revolução.
O Brasil tem 32 partidos políticos. É um número adequado para o país?De
maneira alguma, pois não existem 30 ideologias. Os partidos políticos
são mandados por suas cúpulas. Temos de rediscutir isso. A sociedade
brasileira dizia que, na época do governo militar, você não poderia
eleger diretamente, então fomos à praça pública, Diretas Já, queremos
eleger nosso presidente. Quem escolhe quem é candidato à Presidência?
Dizia-se antigamente que eram os militares. E hoje, quem escolhe?
Os partidos políticos nos oferecem candidatos.Vocês
que estão dizendo (risos). Quem escolheu a Dilma candidata em 2010? Foi
o Lula. Quem escolheu Aécio, Serra ou Alckmin? Meia dúzia do PSDB. Quem
escolheu Eduardo Campos? Ele próprio.
Qual a melhor forma de escolher um candidato?Não
estou aqui para dar respostas, estou aqui para realmente chocar e dizer
o seguinte: temos de reformular a nossa democracia para o futuro. Não é
de hoje que os agrupamentos no Congresso são muito menos por partidos e
muito mais por segmento de interesse. Bancada ruralista, bancada
evangélica, bancada católica, bancada de trabalhadores, bancada de
banqueiro, da OAB, dos médicos etc. Isso já existia e cada vez vai ser
mais assim. Temos de repensar: a sociedade quer ser representada de
forma segmentada?
Mas qual seria o fórum para essa discussão? O Congresso?Toda
a sociedade. O Congresso é uma representação parcial da sociedade.
Temos de encontrar uma nova forma de pensar a sociedade. Não se trata de
uma Constituinte. Aliás, sou contra uma nova Constituinte. Sou a favor
de um debate nacional, talvez com uma maior prática de referendos e
plebiscitos, porque em uma sociedade online isso vai naturalmente ser
demandado, senão o povo vai sair às ruas. Os partidos têm de se adaptar a
isso, ou eles vão ser superados por outros movimentos.
As
agendas mais progressistas no país têm encontrado espaço e palavra final
no STF. Já o Congresso critica o Supremo por uma suposta vontade de
querer legislar. A crítica está correta?O Judiciário é um poder
eunuco, é um poder sem desejo. O Judiciário não age de ofício, ele só
age provocado. Então, como falar que o Judiciário tem ativismo? Aos
poucos, desde 1988 o Judiciário no Brasil assume o papel do Judiciário
em uma real democracia como foi nos EUA, o de ser o poder moderador. No
Brasil imperial, o poder moderador era o imperador, a nobreza fazia o
papel de ser a unidade da nação, a defensora da unidade das elites
locais e de árbitra dos conflitos. Com o fim da escravidão, veio a
República, e o Brasil só não se desmilinguiu porque havia os militares.
Até 1964, os militares tomaram conta desse poder. Quando havia crise,
eles vinham, intervinham e saíam. Qual foi o grande erro? Em 1964, eles
tomaram gosto e optaram por ficar, em vez de fazer a intervenção
cirúrgica e sair. O Brasil e eles pagam um preço enorme.
Hoje, o poder moderador é realizado, de fato, pelo Judiciário?A
redemocratização trouxe de volta aquilo que estava previsto para 1889:
quem faz o poder moderador de uma sociedade é uma Suprema Corte. Então,
quando você fala de ativismo judiciário hoje, você fala daquilo que há
200 anos nos EUA é aceito pela sociedade. Nós moderamos os conflitos
entre as unidades da federação, entre os poderes, tratamos das questões
culturais. Quem diz se pode ou não pode abortar nos EUA não é o
parlamento, é a Suprema Corte, assim como nós dissemos aqui. São
questões que a sociedade brasileira nunca vai resolver.
Discussões como o aborto passam longe de um acordo no Congresso.Os
candidatos têm eleitores nos dois lados da discussão, é um empate que
não se resolve. Quem tem de decidir e destravar é o Judiciário. Isso não
é ativismo, é um desbloqueio de empates de disputas que há na
sociedade.
O senhor foi advogado do PT, trabalhou com José
Dirceu e depois foi advogado-geral da União no governo Lula, que o
indicou para o Supremo. Em algum momento, pensou em se declarar impedido
de julgar o mensalão?Tive histórico no PT com muito orgulho,
consta no meu currículo. De jeito nenhum me senti pressionado. Quando
você assume o posto de ministro do Supremo, tem toda a independência
para julgar.
Pessoalmente, o senhor ficou tranquilo após sua participação no julgamento?Tranquilo.
Um juiz não pode ter desejo. Se o juiz quer ter desejo, ele tem de
deixar a magistratura e fazer política. O juiz julga de acordo com a
Constituição e as leis. Pessoalmente, gostaria muito que no Brasil não
tivesse o direito de greve para o servidor público, mas está na
Constituição. Acho um absurdo que o meu servidor no TSE faça uma greve e
ainda venha reivindicar a remuneração, mas não posso ignorar o direito
previsto na Constituição.
Posse no STF: em 2009, posando para fotos com Lula e o irmão, José Eduardo, portador de síndrome de Down.
O
senhor tomou posse no STF aos 41 anos, jovem para um ministro. Pensa em
se aposentar mais cedo ou pretende ficar na Corte até a aposentadoria
compulsória, aos 70 anos?De jeito nenhum. Não tenho medo de ser
juiz. Gosto de ser juiz. Espero ir aos 110 anos (risos). Espero que o
Congresso aprove emenda que transforme no Brasil a vitaliciedade humana e
não limitada, assim como é nos EUA, que a pessoa vai até morrer.
O primeiro turno das eleições ocorre em 5 de outubro. Qual a expectativa do senhor? São
as eleições mais tranquilas que nós estamos vivendo, o Brasil mostra
maturidade democrática. Temos condições de ter as melhores eleições.
Está sendo uma campanha que o senhor considera cara?Acho que não. Do ponto de vista ostensivo, as eleições estão menos caras, não vejo tanta publicidade.
Nas eleições atuais, vencerá quem tem mais recursos ou quem apresentar as melhores propostas?Hoje, se elege quem tem mais recursos. Quem tem mais recursos tem mais condições de aparecer.