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sábado, 1 de março de 2014

A MARCHA DOS INDIGNADOS NO CARNAVAL


 28/02/2014 07h56

MARCELO BORTOLOTI E ANA LUÍZA CARDOSO

Estimulados por concursos, novos compositores de marchas carnavalescas tentam competir com as canções do século passado, as mais tocadas no Carnaval. O clima de insatisfação das ruas pode ajudar a resgatar a sátira nos hinos da folia


Homero Ferreira escreveu “Me dá um dinheiro aí” para um quadro de programa de humor na televisão, em 1960 (Foto: Stefano Martini/ÉPOCA)


A primeira marcha carnavalesca composta no Brasil, “Ô Abre Alas”, de Chiquinha Gonzaga, está fazendo 115 anos. É difícil imaginar qualquer folião que desconheça sua letra. Não menos antiga e conhecida é “Cidade Maravilhosa”, de André Filho, hino oficial do município do Rio de Janeiro, com quase 80 anos de idade. Da mesma época vieram outras marchas clássicas como “Mamãe eu quero”, “O teu cabelo não nega” e “Jardineira”. Entre as dez músicas mais tocadas no Carnaval do ano passado, oito têm idade superior a 50 anos, segundo o ranking do Escritório Central de Arrecadação (Ecad), que monitora as músicas executadas em todo o país.

Com a retomada do Carnaval de rua no Brasil, a partir da última década, surgiram muitas tentativas de renovar este repertório. O pioneiro dos concursos foi o da Fundição Progresso, do Rio, criado em 2006. Na esteira deste vieram competições em São Paulo, Belo Horizonte, Vitória, Juiz de Fora, Taubaté, São João Del Rei e até Salvador, a capital da axé music, realizou este ano seu primeiro concurso de marchas.

Ao longo das nove edições do concurso carioca, o mais famoso deles, foram inscritas cerca de 7.500 novas marchas. É um número respeitável. As vencedoras – 80 no total – foram gravadas em disco. No concurso de Belo Horizonte - três edições até agora - apareceram 350 novas músicas. Os discos produzidos pelo concurso da Fundição Progresso, patrocinados por lei de incentivo, têm tiragem de 2.000 cópias, metade é distribuída gratuitamente em blocos e escolas públicas, e a outra metade vendida pela internet. A média de vendas é baixa 200 unidades. Apesar da farta produção, no clube das marchas carnavalescas mais tocadas em bailes e blocos, nenhuma entra.

O fenômeno intriga o mercado musical, pautado pelas sucessivas trocas de repertório. Para o crítico e pesquisador musical José Ramos Tinhorão, o gênero das marchinhas se esgotou. “O carnaval continua sendo um acontecimento importante para o brasileiro, que é um momento de extravasar. Mas não existe mais originalidade da manifestação cultural. Estes concursos provaram que forçar isto não funciona e cai no vazio”, diz.

A tradição das marchinhas no Brasil é antiga. No século 19, os cordões de carnaval, os precursores dos blocos de rua, rodavam pelo Rio de Janeiro cantando óperas ou músicas estrangeiras. Nenhum compositor havia se interessado em escrever algo para aquela manifestação popular. Em 1899, Chiquinha Gonzaga foi a primeira a se aventurar compondo “Ô Abre Alas”, para ajudar no desfile do cordão Rosa de Ouro, vizinho de sua casa, no bairro carioca do Andaraí. “Ela fez uma música lenta inspirada no andamento do cordão, que caminhava como se fosse uma procissão”, diz Edinha Diniz, biógrafa de Chiquinha Gonzaga. Divulgada boca a boca, a primeira marcha carnavalesca brasileira virou hino.

O gênero só ganhou maior popularidade na década de 1930, com os primeiros concursos de marchas carnavalescas e a instituição da rádio comercial no país. Esta fase gloriosa durou pelo menos 40 anos. “O papel do rádio era importantíssimo, não havia televisão. As emissoras tocavam as músicas do Carnaval, e a população comprava revistas com as letras. No Natal, todo mundo já estava cantando a música que faria sucesso no carnaval seguinte”, diz a historiadora Rosa Maria de Araújo, presidente do Museu da Imagem e do Som do Rio.

Sempre com duplo sentido e versando sobre acontecimentos sociais ou políticos do período, as marchas funcionavam como uma espécie de crítica bem humorada da sociedade na época e eram o repertório principal dos clubes no país. Em 1963, João Roberto Kelly aproveitou o sucesso de músicos cabeludos como os Beatles e a turma da Jovem Guarda para compor a marchinha “Cabeleira do Zezé”, tendo como inspiração um garçom que seguiu esta moda dos cabelos compridos. Foi um sucesso. No mesmo ano, a vitória de Vera Lúcia Couto no concurso de Miss Brasil, primeira mulata a levar o título, inspirou a marchinha “Mulata Ye Ye Ye". Outro compositor ainda vivo, Homero Ferreira, de 85 anos, escreveu “Me dá um dinheiro aí” para um quadro de programa de humor na televisão, em 1960. O período foi marcado por um salto na urbanização do país e aumento da mendicância nas grandes cidades. O sucesso foi instantâneo. “Eu compus em setembro e lançamos em outubro”, diz Homero, bancário aposentado que até hoje recebe direitos autorais de suas composições famosas.

Hoje, o momento é outro. Para o antropólogo Roberto DaMatta, as marchas não fazem mais sentido nos dias atuais. “A marchinha tinha um lugar quando a sátira política e a ironia eram muito mais contidas que nos dias de hoje. Há uma liberdade tão grande na imprensa escrita, falada e nas redes sociais que a marcha perdeu seu encanto”, diz.

Um dos medalhões desse tempo de ouro discorda. O compositor João Roberto Kelly, de 75 anos, recebe até hoje por suas composições famosas “Maria Sapatão” e “Cabeleira do Zezé” e está otimista. Kelly enxerga uma interessante renovação do gênero. Diz que há músicas de ótima qualidade criadas para os concursos, que só não vão adiante por questões comerciais. “É inocência achar que você pode lançar uma música 15 dias antes do carnaval e ela vai fazer sucesso. Por melhor que ela seja, precisa de um tempo de divulgação”, diz. A despeito da falta de planejamento, o clima de indignação que tomou conta das ruas, com manifestações contra a política "e tudo que está aí", pode ajudar. "Marchinhas se prestam a criticar, política ou costumes. Esse tipo de composição está em sintonia com o espírito dos movimentos atuais", diz Kelly.


Não é à toa que um dos grandes sucessos da nova safra é a marcha "Baile do Pó Royal", do coletivo Canto da Lagoa, vencedor do concurso Mestre Jonas de Belo Horizonte deste ano. A música foi inspirada no caso do helicóptero do deputado estadual Gustavo Perrella (SDD-MG), apreendido com cerca 600 quilos de cocaína em novembro do ano passado. Na internet, a canção bombou. O trocadilho com o nome do deputado ("O pó rela no pé e o pé rela no pó") chegou às redes sociais e teve mais de 150 mil visualizações no Youtube . “Para nossa surpresa, a marchinha teve uma grande repercussão. Esse é o grande barato da internet”, diz um dos compositores, Thiago Dibeto.


Outra composição beneficiada por um episódio quase único na história do Rio é "Cadê a viga", de Cássio e Rita Tucunduva. A música - vencedora do concurso da Fundição Progresso (assista ao lado) - faz sátira com o desaparecimento de seis vigas de aço no Rio de Janeiro, pesando 20 toneladas cada, e que valiam R$ 14 milhões. O material, fruto da demolição do Elevado da Perimetral, desapareceu em outubro passado e até hoje não foi encontrado. Com o refrão "senhor prefeito, então me diga, aonde foi que enfiaram a tal da viga?", a canção segue a ironia típica e o duplo sentido das marchinhas de antigamente.

Na capital baiana, a vencedora do 1º Concurso Baiano de Marchinhas - Prêmio Moraes Moreira foi uma letra inspirada nas redes sociais. Me cutuca, do grupo Os Marchistas, brinca com os bordões da internet, ironiza a carência comportamental dos que estão sempre ávidos por fãs e amigos, mas a letra, rimada e divertida (Não tenho amigos/ Não tenho fãs/Me revoltei eu vou sair do Instagram), ficou pouco conhecida. Não é possível ouvi-la nem no site do concurso. O público não compartilhou em massa.

Para o músico Eduardo Dusek, autor de algumas das marchinhas premiadas em concursos nacionais, o problema é mesmo falta de divulgação. “Antigamente a mídia começava a divulgar as músicas de Carnaval quatro meses antes. Não é um concurso realizado com 15 dias de antecedência que vai resolver isto”, diz.

O sociólogo Dimitri Fernandes, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora e estudioso do Carnaval, vê um movimento de cultivo à autenticidade na música, como reação à explosão de gêneros comerciais como o pagode. Há uma revalorização da tradição musical, o que, em tese, ajudaria a retomada da marcha carnavalesca. O problema, segundo Fernandes, é que esse interesse ainda está muito restrito. “Os grupos maiores preferem consumir as marchas antigas que caíram no domínio público e viraram clichê”, diz.

Os blocos de Carnaval voltaram a ganhar força nas ruas do Rio na década de 2000 (Foto: Thiago Lontra/Agência O Globo)

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