ARTIGOS
Luiz Antônio Araújo*
Quando o debate sobre os gastos oficiais com a Copa do Mundo estiver no auge, em junho, outro projeto duradouro do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá completado uma década: a missão das Nações Unidas no Haiti. Na segunda-feira, o próprio Lula tomou a iniciativa de abrir a discussão sobre o assunto com um interessante artigo no jornal The New York Times. Infelizmente, a imprensa brasileira e mundial, fiel à tradição de dar mais atenção às falas do que aos escritos do ex-presidente, dedicou escassa atenção à peça. Zero Hora e Diário de Notícias, de Lisboa, foram as exceções que confirmam a regra.
O título escolhido por Lula é significativo: “Não vamos nos esquecer do Haiti”. O risco de esquecimento, nesse caso, é considerável. Em julho passado, Lula falou durante uma hora em conferência sobre a política externa brasileira de 2003 a 2013, na Universidade Federal do Grande ABC, sem mencionar uma única vez o Haiti. No mesmo evento, o ex-chanceler Celso Amorim falou ainda mais (uma hora e 20 minutos) e tampouco citou o país caribenho.
A julgar pelo título e pela introdução, o texto do ex-presidente parece ter o propósito de fazer um balanço da presença brasileira na Missão de Estabilização das Nações Unidas para o Haiti (Minustah). A missão chegou ao país depois da queda do governo do presidente eleito Jean-Bertrand Aristide e do agravamento da violência urbana. Não se pode separar esses fatos, porém, do pano de fundo histórico. É um lugar-comum afirmar que o Haiti é a nação mais pobre do hemisfério ocidental. Tem uma população que se aproxima da rio-grandense (9 milhões de habitantes), da qual 54% vivem na pobreza extrema, com renda de menos de R$ 2,33 por dia. A fome atinge 81% da população haitiana, percentual que sobe para 87% nas áreas rurais. Três décadas de ditadura da família Duvalier explicam o apelo que a ideia de democracia exerceu sobre os haitianos, permitindo duas transições pacíficas de poder entre presidentes eleitos, em 1996 e 2001. Isso foi ainda pouco, entretanto, para reverter as severas condições de existência dos haitianos. Infelizmente, Lula silencia sobre esse triste retrospecto (que conhece muito bem, diga-se), sem o qual é impossível entender a violência urbana disseminada após a queda de Aristide e mesmo os efeitos do terremoto que arrasou o país em 2010.
A grande pergunta que Lula e qualquer interessado em avaliar os 10 anos da Minustah deveria se fazer é: para que serviu a missão? Quando os capacetes azuis desembarcaram em Porto Príncipe, em junho de 2004, o país não estava em guerra. Os objetivos da Minustah eram, em termos gerais, melhorar as condições de segurança do país, reformar a polícia e garantir a realização de eleições. Se nenhuma dessas metas foi integralmente cumprida após 10 anos, a ponto de justificar a continuidade da presença da força no Haiti até 2016, como sugere o artigo no Times, o ex-presidente Lula deveria admitir que a missão internacional no país caribenho foi um fracasso. Para o ex-enviado da Organização dos Estados Americanos (OEA) Ricardo Seitenfus, ouvido pelo repórter Léo Gerchmann, de ZH, o diagnóstico é categórico: “Uma das piores missões da história da ONU”. Levantamento do Ministério da Defesa divulgado no final do ano passado indica que, até setembro, os gastos do Brasil com a missão no Haiti ultrapassavam R$ 1,9 bilhão (R$ 2,3 bilhões se corrigidos pelo IPCA). As Nações Unidas reembolsaram um terço desse valor aos cofres brasileiros. Assim, recai sobre o Tesouro um custo líquido total de R$ 1,5 bilhão nos últimos 10 anos. Não é nenhuma Copa do Mundo, mas merece debate. Se convém não esquecer do Haiti, como quer Lula, por que não tratar das razões de nossa presença por lá?
*JORNALISTA
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