OPINIÃO
A doação de dinheiro para partidos políticos e campanhas eleitorais por parte de corporações empresariais é claramente incompatível com o sistema democrático e o Supremo Tribunal Federal (STF) pode estar prestes a declará-la inconstitucional. Mas é assim que a coisa funciona no Brasil e, a depender de nossos políticos, certamente assim continuará funcionando por muito tempo. Matéria de Daniel Bramatti publicada no Estado revela que cerca de dois terços da receita das maiores legendas partidárias - PT, PMDB e PSDB - provêm de doações de empresas privadas. Entre 2009 e 2012, os três receberam cerca de R$ 1 bilhão. E é assim porque é como querem os maus políticos que precisam de dinheiro para montar dispendiosos esquemas de aliciamento de votos e as grandes empresas que precisam dos maus políticos para ter boas relações com o governo.
O poder do dinheiro é enorme. E tanto maior, mais predatório, pernicioso e socialmente injusto será esse poder quanto mais frágeis os valores éticos da sociedade, que inevitavelmente se refletem na precariedade das instituições públicas e na ineficácia do arcabouço legal construído para garantir os direitos individuais e o interesse coletivo.
É preciso considerar que a lassidão dos costumes políticos é convalidada nas urnas pelos cidadãos inconscientes de sua responsabilidade na hora de votar. Mesmo assim, é difícil de explicar, a não ser por uma impenitente hipocrisia, como um sistema político comandado por autodenominados monopolistas da virtude pode ser conivente com prática tão ostensivamente antidemocrática como o atrelamento dos partidos aos interesses de poderosos grupos econômicos que, por sua vez, se refestelam com verbas oficiais. Fica escancarada a espúria relação de troca.
Poucos defendem abertamente o financiamento privado de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais. No máximo o que se alega é que a proibição seria inócua porque não acabaria com o caixa 2 e que o melhor seria "impor limites" às doações. Há ainda quem procure desviar a discussão: por se tratar de uma questão essencialmente política, a decisão deveria caber ao Legislativo e não ao Judiciário. Como se não coubesse ao STF julgar a constitucionalidade das normas legais.
O PT não defende abertamente o financiamento da atividade partidária por empresas. Mas não move uma palha para acabar com isso. Pragmáticos, os petistas preferem acreditar que em time que está ganhando não se mexe. E por isso não se empenham nem mesmo pela aprovação de seu próprio projeto de financiamento público da ação partidária, emenda tão ruim quanto o soneto - o ideal seria o financiamento feito, com absoluta transparência, exclusivamente por pessoas físicas -, mas mais compatível com seu viés ideológico estatizante e com suas conveniências de partido no poder.
Na tentativa de acabar com esse escândalo, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) entrou no STF, em 2011, com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4.650) contra a legislação que permite a doação de pessoas jurídicas a partidos políticos, para qualquer fim. O argumento é simples e irrefutável: a cidadania é exercida por indivíduos, pessoas físicas, que têm o direito (no Brasil, a obrigação) exclusivo de influir no processo político, por meio do voto. Um cidadão, um voto. Empresa é pessoa jurídica, não vota e não deve interferir no processo eleitoral. Teoricamente, é claro.
A ADI 4.650 tem como relator o ministro Luiz Fux, que em dezembro apresentou parecer pela inconstitucionalidade, apoiado pelo voto dos ministros Joaquim Barbosa, Dias Toffoli e Luiz Roberto Barroso. Mas a votação foi suspensa pelo pedido de vista do ministro Teori Zavascki. Ninguém sabe quando será retomada, mas o palpite predominante é de que isso ocorrerá ainda neste semestre. Mais dois votos serão suficientes para garantir o muito provável acolhimento da demanda da OAB. O que não significa que a proibição das doações de empresas venha a valer já para as eleições de outubro. Nem mesmo que essa praga estará definitivamente exterminada.
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