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sábado, 1 de março de 2014

UM PACOTÃO DE SARROS NO PODER


01/03/2014 10h15

FLÁVIA TAVARES

O bloco mais tradicional de Brasília sai do semiaberto e vai para a folia cantar o ridículo dos políticos


Joka Pavaroti, um dos fundadores do Pacotão (Foto: Celso Junior/ÉPOCA)

Joka Pavaroti nem titubeou ao escolher o lugar para contar a história do Pacotão, o mais tradicional bloco de carnaval da cidade... que não tem carnaval. “Vamos no Beirute, lá é nosso barracão”, disse. O Beirute, fundado em 1966, oito anos antes do Pacotão, é um tradicional boteco de Brasília. (Na jovem capital, qualquer coisa fundada antes do governo Sarney já é tradicional.) Conceda-se que o barracão da turma de Pavaroti, um dos fundadores do bloco, não impressiona. Lá, não se encontram voluntários trabalhando incessantemente em fantasias ou em carros gigantes de isopor. Mas, no que importa, a estrutura do Beirute atende perfeitamente às mais urgentes necessidades daqueles sambistas compenetrados no processo criativo pré-carnavalesco. A cerveja chega sempre geladíssima; o quibe vem quentinho e crocante. O samba é inevitável.

Na terça-feira pré-carnaval, lá estava Joka Pavaroti, o tenor que não sabe cantar. Ou tocar instrumento algum. E que não se parece com sua contraparte italiana. Quem disse que apelido precisa fazer sentido? Precisa apenas pegar. Ao lado de Pavaroti, sentava-se o cabeludo Paulão de Varadero, que, claro, não tem nada de cubano. Estavam ali, como eles mesmo definiram, “os dois últimos fígados sobreviventes entre os fundadores”. Prontos para rememorar as marchinhas do bloco que se transformou em consciência crítica e satírica do poder – um ato anual de deliciosa rebeldia numa cidade que se leva a sério demais. Para inspirar o ziriguidum, sorvete de rapadura na mesa. Afinal, com o fígado não se brinca. Talvez só no Carnaval.

O nome científico do Pacotão é Sociedade Armorial Patafísica Rusticana. Armorial em homenagem ao movimento de Ariano Suassuna, que queria criar uma arte erudita com elementos da cultura nordestina; rusticana em referência à ópera italiana "em exaltação ao vinho"; patafísica só de galhofa mesmo. Há 36 anos, o bloco atravessa o centro de Brasília numa de suas vias mais movimentadas, a W3. “Pela contramão”, Pavaroti ressalta. O auge da farra acontece à tarde, no túnel que separa a Asa Sul da Asa Norte, pertinho da Esplanada dos Ministérios. "É a nossa apoteose", dizem os pacoteiros. O bloco foi criado em 1978 por jornalistas que voltavam a se organizar depois dos anos mais duros da ditadura militar. Seu nome foi inspirado pelo “Pacotão de Abril”, lançado pelo presidente Ernesto Geisel. O infame Pacotão de Abril garantiu que a maioria governista fosse eleita nas eleições de 1978. Garantiu também uma justa homenagem ao pai da ideia: “Geisel, você nos atolou/ O Figueiredo também vai atolar/ Aiatolá, Aiatolá, venha nos salvar / Que esse governo já ficou gagá/ Gagagageisel...” O Figueiredo aí da letra é aquele ex-presidente que tinha mais simpatia por cavalos do que por jornalistas. E que, quando deixou o poder, pediu para ser esquecido. Dizem os pacoteiros que Figueiredo, quando era presidente, desfilava disfarçado no bloco. Ele nunca desmentiu...

Desde a criação do Pacotão, as marchinhas sempre foram bem humoradas, sem preferências partidárias. “Nós somos o menino levado que grita que o rei está nu!”, diz Paulão. Ele trabalha hoje na Rádio Câmara e Joka, até janeiro último, trabalhava no Jornal da Câmara. Estar dentro da máquina pública não os descredencia para criticá-la, eles dizem. Nem receber recursos do Governo do Distrito Federal, destinados a pagar a banda de 40 músicos e a produção dos CDs com as marchinhas. “Nos anos da ditadura, sofremos censura, tivemos faixas recolhidas. Mas sempre seguimos em frente, de forma independente, criticando todo mundo”, diz Pavaroti. Foi assim que, como retaliação a um período de inflação já sob o Plano Real, Pavaroti compôs a estrofe, que ele cantarola já rindo: “Se você pensa que cebola é caro/ O caro é alho, o caro é alho”. E para bater no ex-governador do Distrito Federal Joaquim Roriz, um dos políticos mais queridos da história do Pacotão, Joka escreveu: “Tive um palpite infeliz/ Joguei no burro/ E deu Roriz”.

O carnaval de Brasília não é exatamente pulsante. Nunca foi. Políticos, que mal gastam as semanas úteis na capital, estão bem longe. Mesmo os brasilienses preferem pular o carnaval longe da cidade. Sempre foi assim. Os que ficavam para trás, porém, encontravam sua folia no Pacotão. Isso mudou nos últimos anos. Com o nascimento de outros blocos, inclusive algumas dissidências, e principalmente com a chegada do PT ao governo federal, o Pacotão passou por um período de decadência. A bronca dos petistas, que eram assíduos no bloco, foi transformando toda marchinha em polêmica, em problema, em mimimi. De nada adiantou o aviso dado pelo Pacotão em sua música-tema de 2003, quando Lula se elegeu: “O Pacotão não sobe a rampa do Planalto/ Fica com o povo na folia e no asfalto”. O humor ficou; os petistas sumiram.

Sumiram também, e não por acaso, os trios elétricos que eram tradicionalmente cedidos ao Pacotão pela Central Única dos Trabalhadores, a CUT, ligada ao PT. Subitamente, os trios elétricos passaram a dar defeito antes de cada carnaval. Até o atual governador de Brasília, Agnelo Queiroz, do PT, sumiu. Quando era deputado, desfilava sempre no Pacotão, em busca do voto de jornalistas e intelectuais. Nunca mais apareceu – e ainda ficou devendo sua parte na cota de 500 camisetas que prometeu ajudar a pagar antes de ser ministro do Esporte. “O pessoal tem dito que a gente tucanou. É bobagem. A gente sempre bateu em todo mundo. A gente não vai ser censurado”, diz Pavaroti. Paulão se exalta, lembrando que os petistas estão "sentados no colo do Sarney", mas logo já emenda, sorrindo, a cantoria da marchinha que compôs para este ano. "Eu vou morar lá na cadeia de Pedrinhas / Com o Zé Dirceu e o pessoal do Mensalão / O Zé Sarney , a Roseana e a Dilminha / Já prometeram melhorar a situação / Não é pouca merda, não / No semiaberto vou sair no Pacotão / O Pacotão quer se mudar pro Maranhão".

Pois foi neste clima que Antonio Jorge, ex-rei momo de Brasilia, e seu irmão, Antonio Carlos, tentaram emplacar uma marchinha neste ano. Depois de fracassar duas vezes, eles queriam uma letra imbatível, conta Antonio Jorge nos banquinhos de madeira do Beirute. Pelas regras da disputa, o ritmo não poderia ser axé. Estavam vetadas as paródias. O conteúdo não poderia ser romântico nem elogioso a nenhum político. Para atender o gosto do público, o melhor é que a letra fosse curta e simples. Os Antonios matutaram, matutaram.. Mas, a cada tema, pensavam: “Ah, mas isso vai ser criticado. Isso outro pode ser mal interpretado. Tal tema pega mal com tal comunidade…”

De tanto se autocensurar, Antonio Jorge e Antonio Carlos se convenceram: o tema da marchinha devia ser a própria censura - a censura dos dias de hoje, mais sutil, que prescinde de decretos presidenciais, derivando sua autoridade da sensibilidade que teme o politicamente incorreto. E qual o símbolo mais sonoro da censura? O "pi" usado em transmissões televisivas para bloquear palavrões. “Com o 'pi', cada um usa a carapuça que achar melhor”, diz Antonio Jorge. A marchinha que venceu outras 46 no concurso e embalará a folia satírica do Pacotão este ano é a seguinte: “Pra quem pensa que a censura acabou/ Tá enganado, agora é que começou. Para o PT/ Pi, PI/ Governador/ Pi, Pi/ A presidenta/ Pi, pi, pi, pi, pi, pi/ José Dirceu/ Pi, pi/ O Genoíno/ Pi, pi/ Eleitor burro/ Pi, pi, pi, pi, pi, pi…” Antonio Jorge se diverte lembrando que queria colocar oito "pis" para Dilma Rousseff, mas achou que aí já era demais.

A letra foi condenada nas redes sociais pelos que vestiram as carapuças. Houve quem chamasse a marchinha de tucana, houve quem achasse absurdo chamar o eleitor de burro. Mas Pavaroti, Paulão e Antonio Jorge não se abalam. “A eleição foi manipulada como sempre é”, diz Pavaroti, rindo. “Mas quem quiser continuar brincando pode ir nos acompanhar no domingo e na terça-feira.” Quer saber mais? Pi, pi, pi, pi.



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