OPINIÃO
Foi tão insultuosa a decisão da Câmara de preservar o mandato do deputado-presidiário Natan Donadon, na votação secreta de fins de agosto do ano passado - quando o asfalto das cidades brasileiras ainda trazia o rastro das jornadas de protesto -, que a opinião pública forçou os políticos a pedir-lhe desculpas e desfazer o malfeito. A sociedade critica corriqueiramente os desvios éticos de seus representantes, o que muitos deles fazem por merecer, se não por ações individuais, pela complacência com os seus pares de mãos sujas. Mas não costuma pressioná-los a tomar vergonha e reparar os escândalos de que foram protagonistas. O caso Donadon mudou esse padrão - duradouramente, é de desejar.
Foi uma guinada sem precedentes. Também inédita havia sido a decisão de 2010 do Supremo Tribunal Federal (STF) de condenar um parlamentar. Quando o diretor financeiro da Assembleia Legislativa de Rondônia, o evangélico Donadon, filiado ao PMDB, desviou R$ 8 milhões dos cofres da Casa. A Corte entendeu que os crimes justificavam sentenciá-lo a 13 anos e 4 meses de prisão, além do pagamento de multa. Em junho passado, o tribunal deu um basta aos intermináveis recursos com que a sua defesa tentava mantê-lo em liberdade e ordenou a remoção do peculatário e quadrilheiro para o presídio da Papuda, no Distrito Federal.
Faltava a Câmara fazer a sua parte, privando-o do mandato - o que, às vésperas da sessão decisiva, era dado como certo pelos políticos mais experientes. Desde a redemocratização do País, a Casa havia aprovado 29 cassações por quebra de decoro - absolvendo, é bem verdade, 27 acusados. Como manda o Regimento, a cassação de Donadon exigia os votos de 257 deputados, ou a metade mais um do total. No entanto, em agosto passado, com 108 ausências, 41 abstenções, 131 votos contrários e 233 a favor, ficaram faltando 24 para se consumar a punição política. Foi um espetáculo degradante, no qual o próprio Donadon foi o principal ator, ao exibir as marcas das algemas nos punhos, invocar o nome de Deus e desfazer-se em lágrimas.
O primeiro, talvez, a perceber o alcance da enormidade cometida, o presidente da Casa, Henrique Alves, avisou que não levaria a plenário nenhum outro pedido de cassação enquanto a matéria continuasse a ser resolvida em escrutínio secreto. Mas foi o clamor da opinião pública que levou os políticos a descongelar uma proposta de emenda constitucional, apresentada em 2001, tornando públicas as decisões do gênero. Em dezembro, depois de alguns percalços e desavenças entre a Câmara e o Senado, o projeto passou. Em si, a grande mudança não bastava para submeter Donadon a um segundo julgamento por seus pares. Dessa vez, porém, o vasto arsenal de manobras parlamentares foi acionado para o bem.
A bancada do PSB pediu a abertura de novo processo de cassação do condenado sob a alegação de que ele havia quebrado o decoro parlamentar ao participar da votação de agosto, na contramão do que estipula o Regimento para tais situações. Outro argumento invocado foi o de ele ter saído algemado do plenário, à época, em detrimento da imagem da instituição. Não consta que ele tenha pedido para ser manietado, mas passemos. O fato é que o processo foi iniciado - e concluído como deveria ter sido o anterior. Expostos todos aos olhos públicos, os ausentes caíram dos citados 108 para 45. Apenas um deputado, Asdrúbal Bentes, se absteve. Ele foi condenado pelo STF por trocar laqueaduras por votos e aguarda o julgamento do seu recurso.
Donadon foi recambiado à Papuda como um preso comum pelo voto de 467 deputados, ante os 233 favoráveis à cassação sob o escrutínio fechado. Logo, os 234 que mudaram de atitude ou tomaram um choque ético ou ficaram com medo da execração popular. Em retrospecto, pode-se dizer que a abençoada adoção do voto aberto também foi crucial para que os quatro parlamentares mensaleiros condenados pelo Supremo Tribunal no exercício dos mandatos - João Paulo Cunha, José Genoino, Pedro Henry e Valdemar Costa Neto - desistissem de enfrentar os processos de cassação que os esperavam, para desconforto de seus aliados, e devolvessem os seus distintivos de deputado.
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